Filmes: os melhores de março de 2022

Vinte filmes em abril, na tentativa de ver todos os indicados ao Oscar antes da cerimônia. Vai daí que só vi filmes recentes este mês, nada de túnel do tempo dessa vez.

Identidade: esse não foi indicado ao Oscar, mas devia ter sido. Na Nova Iorque do fim dos anos 20, uma negra se passa por branca, mas se reconecta com o passado ao reencontrar uma amiga de sua outra vida. Atuações excelentes. 4 estrelas

Attica: o documentário relata a rebelião de 1971 na penitenciária de Attica. Todas as mortes decorrentes foram pelas mãos dos policiais e nenhum deles foi condenado. Sim, lembra bastante Carandiru, mas em proporções menores – o massacre no Brasil foi muito maior. 4 estrelas

Cyrano: história contada e recontada, mas com uma forte carga dramática nessa versão. Peter Dinklage provavelmente teria sido indicado ao Oscar se o filme não fosse um musical. 4 estrelas

Sem Tempo para Morrer: não botei fé no Daniel Craig quando ele foi escolhido para encarnar o 007 e paguei a língua – seus filmes viraram meus favoritos da saga. A despedida é em grande estilo, com as traquitanas tecnológicas que amamos, pouca objetificação feminina (essa nova fase é muito melhor nesse quesito) e uma dose bem-vinda de drama. 4 estrelas

Belfast: não era meu favorito ao Oscar de melhor filme (era Ataque de Cães), mas é muito bom. Kenneth Branagh mostra, pelos olhos da criança que ele foi, os primeiros momentos do conflito entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte. 5 estrelas

Filmes: os melhores de fevereiro de 2022

Sigo no ritmo do Oscar 2022.

Recentes

A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas (netflix): meu longa de animação favorito dessa temporada. Uma adolescente consegue entrar para a faculdade dos sonhos e finalmente encontrará pessoas como ela, mas antes deverá salvar o mundo e, de quebra, entender-se com sua família. Referências a Exterminador do Futuro” e “Eu, Robô”, entre outras. 4 estrelas

Coda – no ritmo do coração (amazon prime): uma adolescente é a única ouvinte de sua família e é apaixonada por música. Termina por ficar dividida entre seguir sua paixão ou continuar a ajudar a família de pescadores, que depende dela. Filme fofo, excelentes atuações, belas canções. A diretora teve uns insights bacanas ao alienar os espectadores ouvintes em algumas cenas, demonstrando como se sentem os surdos na maioria do tempo. 5 estrelas

Four Good Days (google play): após dez anos de vício, uma mulher implora pela ajuda da mãe para se livrar da heroína. Inicialmente a mãe recusa ajuda, em uma atitude tão fria que chega a ser chocante, até que percebemos que essa história é muito longa. Seguir-se-ão quatro dias de convivência e luta. O filme aproveita para criticar o sistema médico norte-americano. 5 estrelas

Mães Paralelas (netflix): parece que o tema do Oscar 2022 é família em geral e maternidade em particular. Duas mulheres se conhecem na enfermaria de uma maternidade enquanto dão à luz, e seus destinos ficarão atados. Em segundo plano, há uma tentativa de recuperar os restos mortais de desaparecidos durante a guerra civil espanhola. Almodóvar em excelente forma – minha única ressalva é o melodrama da cena final. 4 estrelas

Direto do túnel do tempo

Nanook (1922, youtube): considerado por muitos o filme que inaugurou o gênero dos documentários. O diretor acompanha por meses uma família esquimó em sua batalha pela sobrevivência. A narrativa não é cem por cento espontânea, algumas cenas foram “posadas”, mas isso não retira a força dramática daquela realidade inóspita. 5 estrelas

McDonalds, Bolívia e o isso tem a ver com a gente.

Em dezembro passado, uma das notícias mais comentadas na minha timeline do twitter foi o fechamento do McDonald’s na Bolívia. Pra início de conversa, dois esclarecimentos:

  • O McDonald’s não fechou no fim de 2011. Na verdade, foi em 2002. Acontece que foi lançando em dezembro passado um documentário analisando o fechamento (falo dele logo mais) e os desavisados acharam que tudo era absoluta novidade. Pesquisa, oi?
  • Os comunistas de plantão (eles ainda existem, por incrença que parível) apressaram-se a dizer que isso era uma vitória em cima do capitalismo feio-bobo-e-chato blá blá blá. Parece que não acompanham a História. Regimes políticos são incapazes de modificar gostos, hábitos ou padrões culturais. Conseguem, no máximo, sufocá-los, reprimi-los. Um dia a barragem racha, como aconteceu, na ex-União Soviética e em toda a cortina de ferro.

O que aconteceu na Bolívia não foi uma questão política, mas predominantemente cultural, e ligeiramente econômica.

Ligeiramente econômica porque uma refeição na franquia custava o triplo de um almoço tipicamente boliviano, segundo o documentário. Baita diferença, não? Só que aqui no Brasil o McDonald’s também é bastante caro, e as lojas só se multiplicam. Você pode argumentar que as classes média e alta bolivianas são menores que as nossas, mas a rede de lanchonetes lá era bem pequena: oito lojas espalhadas pelas três maiores cidades do país. Não acredito, portanto, que a insuficiência de público devia-se ao preço.

Cheddar McMelt
Uma das minhas refeições nada saudáveis.

E não era mesmo essa a razão. A explicação para, em cinco anos (de 1997 a 2002), o McDonald’s não ter decolado na Bolívia é que o povo boliviano é profundamente ligado à sua culinária local. Valoriza-a, preserva-a, tem orgulho dos seus pratos. Fast food não é pra eles: por lá, comer é um ato demorado, que se inicia pelo preparo lento da comida.

É isso o que explica o documentário Por que quebro McDonald’s?. Como esclarece o cineasta Fernando Martínez, o filme é principalmente sobre a cozinha boliviana, e a cozinha boliviana está profundamente arraigada à cultura do país. Segundo ele, “o documentário é um pretexto para falar da cultura boliviana”.

Isso lembra o movimento slow food, iniciado na Itália em 1986 para defender uma maior qualidade na escolha e preparo dos alimentos, desde o uso de produtos regionais até a volta aos hábitos alimentares pré-fast-food. Lembra também a Carta de São Paulo, movimento iniciado por chefs que buscam a valorização dos produtores locais e o respeito na elaboração da comida e no ato de comer.

Só que na Bolívia não foi preciso a criação de um movimento para revalorizar a cozinha local, simplesmente porque ela nunca foi depreciada.

A antiga dieta do brasileiro, baseada em salada, arroz, feijão e bife, é saudável e equilibrada. Acontece que cada vez mais nos rendemos às comidas congeladas, aos pacotes de supermercado e, claro, ao fast food, tudo em nome da praticidade. Não é à toa que os índices de obesidade têm crescido, especialmente entre crianças (que, claro, aprendem a comer errado com os pais). Ah, mas a gente não pode desacelerar, não pode parar pra comer melhor, não dá, não há tempo, vamos nos atrasar… Se continuarmos com essa síndrome de coelho da Alice, logo mais teremos de diminuir o ritmo não por opção, mas por inúmero problemas de saúde causados por maus hábitos alimentares.

Não é melhor tirar um tempinho a cada dia para comer decentemente?

Em tempo: este texto não é uma campanha anti-McDonald’s. Adoro Cheddar McMelt e saí de Super Size Me morrendo de vontade de comer fast food. Só que não faço disso um hábito – uma vez por mês já é demais.

Referências

Alô, Alô, Terezinha

Ficha Técnica

  • Título: Alô, Alô, Teresinha
  • País: Brasil
  • Ano: 2009
  • Gênero: Documentário
  • Duração: 1 hora e 30 minutos
  • Direção: Nelson Hoineff
  • Elenco: Russo, Boni, Dercy Gonçalves e inúmeros artistas, Rita Cadillac e várias ex-chacretes, ex-calouros etc. e tal.
  • Sinopse: Entre os anos 50 e 80, Chacrinha foi o apresentador de programas de auditório mais famoso do Brasil. Irreverente e com um estilo próprio, comandou programas que se tornaram recordistas de audiência e atraíram o gosto popular. Lançou diversos artistas que depois se firmaram na música brasileira e criou as chacretes, que ficaram no imaginário popular masculino.

Comentários

Para quem tem mais de 30, Alô, Alô, Terezinha é obrigatório pelo manancial de recordações e referências. Para quem ainda não chegou lá, é obrigatório pelo resgate de uma fase única da televisão brasileira.

O filme não pretende biografar Chacrinha. Na verdade, perde-se entre fatos e boatos da vida do comunicador. É proposital: o diretor Nelson Hoineff parafrasea Abelardo Barbosa e diz que o filme veio para confundir, não para explicar. Antes de ser uma biografia, é um apanhado sobre a televisão brasileira dos anos 60, 70 e, principalmente, 80.

Os vários bordões estão lá: “Quem não se comunica, se trumbica”, “Ganhou um abacaxi”, “Vocês querem bacalhau?” (surgido quando Chacrinha resolveu ajudar as Casas da Banha a venderem o produto encalhado) e, claro, “Terezinha!”, seguido do coro “uhuuuu”. A clássica “Na televisão nada se cria, tudo se copia” também é do Velho Guerreiro.

O visual era assumidamente kitsch, quase trash, sem outra pretensão além de divertir. Quem não se lembra dos maiôs com lantejoulas e dos shortinhos santropeito? E dos cabelões das chacretes? Nada da padronização da chapinha e do loiro de farmácia. Aliás, como mudou o padrão de beleza. Mulher bonita, hoje, tem que ser esquelética. Nenhuma chacrete era esquelética, e pergunte por aí se não eram consideradas lindas pelos homens.

Falando em chacretes, elas provam que o tempo passa para todos e, geralmente, passa mal. Hoje estão mais pra lá do que pra cá fisicamente, claro, mas o pior é perceber que várias não conseguiram aproveitar o sucesso. Uma ou outra lucrou algo além dos 15 minutos de fama. De todas, a mais bem-sucedida foi Rita Cadillac, sem dúvida. Nas palavras de Helmar Sérgio, “era a mais analfabeta, mas foi quem mais se deu bem”.

Há muitas curiosidades sobre as ex-dançarinas, como a declaração de Rita Cadillac de que o sujeito pra quem ela mais tem vontade de dar é o José Mayer e a informação quase inacreditável de que ela ficou mais de oito anos sem transar. Tem também a Índia Potira, quase como veio ao mundo (rapazes, não se empolguem), e outra chacrete que virou crente. É tanto material que deve sair uma minissérie só sobre elas.

A passagem do tempo refletiu-se também na forma de fazer televisão e, novamente, para pior. Há os que falarão que as chacretes eram um atentado contra o feminismo. Talvez fossem mesmo. Outros dirão que as piadas e trocadilhos do Chacrinha eram de baixo calão, que os calouros eram humilhados. Tudo verdade. Ao menos, porém, a coisa era escrachadamente natural. Não havia pasteurização. Não existia ainda a irritante preocupação com o politicamente correto. Eram tempos mais divertidos.

(Nem por isso, diga-se de passagem, faziam-se concursos para eleger a melhor chacrete-mirim ou coisa semelhante, como fizeram nos anos 90 para escolher a criança de 5 anos que mais descia na boquinha da garrafa, lembra?)

Alô, Alô, Terezinha promove um desfile de artistas. Tem Cauby Peixoto, Rogéria, Jerry Adriani, Wanderlei Cardoso, Roberto Carlos, Elba Ramalho, Biafra, Dercy Gonçalves, Nelson Ned, Elke Maravilha, Gretchen, Ney Matogrosso (“quanto mais nu eu me apresentava, mais o Chacrinha gostava”),  o insuportavelmente arrogante Agnaldo Timóteo, Dercy Gonçalves, Gilberto Gil. É Gilberto Gil quem diz, bem a propósito, que “o humor é cruel“; em vários momentos, o espectador não sabe se ri ou se lamenta a má sorte dos entrevistados, particularmente dos ex-calouros que ganharam abacaxis vida afora.

Tem também Baby Consuelo exorcizando demônios. Alheios, claro. Por telefone. E tem Fábio Jr. emocionado e emocionando ao agradecer seu sucesso ao Velho Guerreiro. E muito, muito mais gente.

Alceu Valença, conterrâneo de Chacrinha, aproveita para oferecer uma explicação para a origem das chacretes, das vestimentas e do comportamento do comunicador: o pastoril, tradicional festejo pernambucano, que traz, entre seus personagens, um Velho piadista (normalmente indecoroso) e pastoras enfeitadas (às vezes, sensuais).

O filme termina com Russo, assistente de palco que ganhou o emprego depois de vencer o concurso do homem mais feio do Brasil. Subindo a ladeira, melancolicamente. A melancolia, aliás, é uma constante no documentário, tanto quanto o riso.

Alô, Alô, Terezinha abusa do deboche, da ridicularização, da vergonha alheia, exatamente como fazia o Abelardo Barbosa. Não é um filme para puritanos, como nunca foi o Chacrinha – embora eu, na minha ingenuidade infantil, não visse nada de mais mesmo nos seus programas. Eram outros tempos, decididamente.

Cotação: 4 estrelas

Serviço

Imagem: divulgação.