Livro: “Cupim”

Livro da vez: Cupim, de Layla Martínez.

Uma casa guarda as memórias de seus habitantes, mas a casa das narradoras de Cupim (avó e neta) guarda mais que isso: guarda mortos e fantasmas, além de receber a visita de santas. A história se passa em um povoado espanhol e trata das memórias de quatro gerações de mulheres oprimidas e assombradas por homens, pela riqueza alheia e por preconceitos.

A premissa é interessante, a execução é razoável. Trabalhar com narradores distintos é sempre um desafio e a autora escolheu um caminho fácil, marcando a fala de uma das narradoras por palavrões e ausência de pontuação. Além disso, senti falta de uma voz própria. Percebi influências de Saramago, Isabel Allende e Gabriel García Márquez combinadas, talvez usadas com certo exagero. As partes mais interessantes do livro são as que transmitem raiva – talvez essa seja a voz da autora? Não sei.

Um bom livro, especialmente considerando-se que é um romance de estreia.

Recomendo para quem curte histórias de terror e realismo mágico. 3 estrelas

Livro: Primeira Pessoa do Singular

Livro da vez: Primeira Pessoa do Singular, de Haruki Murakami (via netgalley).

É complicado resenhar livros de contos porque dificilmente todos têm a mesma qualidade ou despertam os mesmos sentimentos. Nos oito contos desse livro, o ponto de contato é o narrador em primeira pessoa, um homem claramente bem-sucedido e um tanto obcecado por música clássica e por si mesmo. Seria o alter ego do autor?

O primeiro conto, Sobre um travesseiro de pedra, é um dos mais interessantes, justamente porque o narrador cede um pouco de espaço em favor de uma poetisa misteriosa que conheceu na juventude. Em Nata, a contraparte é uma musicista que de quem o leitor pouco chega a saber, que serve como pretexto para reflexões adolescentes sobre o sentido da vida.

Charlie Parker Plays Bossa Nova é bem-humorado. Em With the Beatles vemos novamente o narrador usar as memórias que guardou de uma adolescente para falar de si mesmo e de sua relação com a música.

Coletânea de poemas Yakult Swallows é o mais intimista – e monótono – da coletânea. Em Carnaval, de novo o recurso a uma mulher misteriosa para que o narrador possa falar de si mesmo.

A confissão do macaco de Shinagawa é o texto mais interessante do livro, de um absurdo surrealista e, ao mesmo tempo, convincente. Primeira pessoa do singular fecha o livro e também tem um tom surrealista, até mais forte que o anterior, mas o desfecho me agradou menos por acrescentar um elemento desnecessário a um sonho que já bastava por si.

Em resumo: gostei muito de dois ou três contos, fiquei entediada em outros dois ou três. A leitura valeu a pena para ter um primeiro contato a obra do autor, e provavelmente buscarei um de seus romances no futuro, mas não estou com pressa.

3 estrelas

Livros de Terror – Halloween 2022

Boo!

Morro de medo de histórias de terror, mas a @soterradaporlivros me convenceu a ler Hellraiser em outubro. Uma coisa levou a outra e acabei com uma listinha de livros em celebração ao halloween, que seria meu feriado preferido se eu morasse na metade de cima do mundo.

Hellraiser, de Clive Barker: terrorzão com um pé no gore e outro no sadomasoquismo. Frank é um vilão doentio, horrendo, mas os vilões de verdade são os cenobitas, que mal aparecem (não estou reclamando). Fiquei surpresa com a forte presença feminina. Felizmente é curto, eu não aguentaria ler um calhamaço dessa história. Quem curte o gênero provavelmente fica com gosto de quero-mais. 4 estrelas

Invasores de Corpos, de Jack Finney: vi o filme de 1956 (excelente) e o de 1978 (tão bizarro que é ótimo), então estava mais que na hora de ler a história original. Em uma cidadezinha dos EUA, algumas pessoas não são mais elas mesmas, segundo os parentes. O que parecia histeria coletiva acaba se revelando uma invasão alienígena. O livro é de 1955 e tem uns trechos bem machistas, mas é uma ótima ficção científica e tem um desfecho muito mais satisfatório que os filmes. 4 estrelas

O Vampiro, de John William Polidori: um jovem ingênuo conhece Lord Ruthven, um aristocrata misterioso, sedutor e estranhamente envolvido em mortes violentas… Esse conto merece ser lido por duas razões: primeiro, porque nasceu junto com Frankenstein, de Mary Shelley, naquele conhecido episódio de tédio durante chuvas torrenciais que levou a uma brincadeira entre amigos escritores; segundo, porque foi uma das inspirações de Bram Stoker para compor Drácula que, por sua vez, inspirou as histórias contemporâneas de vampiros. 3 estrelas

Carmilla: A Vampira de Karnstein, de Joseph Thomas Sheridan Le Fanu: li Carmilla em maio, mas merece ser citado aqui porque foi também foi uma das inspirações para o Drácula de Stoker. Carmilla é uma vampira sensual, provocativa, sedutora. O autor é quase explícito e creio que só se conteve por causa da época em que escreveu (e porque, se desse vazão às fantasias, seria pornô e não terror). Para mim, é uma história infinitamente melhor que Drácula. 5 estrelas

Livro: Órbita de Inverno

Livro da vez: Órbita de Inverno, de Everina Maxwell.

Kiem, um dos vários príncipes da família real de Iskat, é obrigado a se casar com Jainan, um diplomata de Thea, após a morte de Taam, primeiro marido de Jainan. O arranjo é fundamental para a manutenção do tratado entre os dois planetas e para a estabilidade de várias outras alianças planetárias. Contudo, mesmo após a união a paz e a segurança desse sistema é posta em risco.

Quase abandonei o livro nos primeiros 20%. A ambientação é fraca, bem fraca. A ficção científica é mero pano de fundo, um pano tão fino que é praticamente uma gaze e seria melhor nem existir. Além disso, a tradução me incomodou muito (coisa rara, não costumo me irritar com traduções). Então, segui os conselhos da @soterradaporlivros: peguei o texto original e passei a ler sem levar a história a sério. Aí a coisa funcionou.

Órbita de Inverno é um romance, no fim das contas, no sentido estrito. Ficção científica passou longe. A construção do universo ficcional é pobre. O que importa mesmo é o relacionamento entre Kiem e Jainan e os benefícios que esse casamento forçado pode trazer não só para o sistema planetário, mas principalmente para os dois, amadurecendo-os e ajudando-os a superar traumas. De quebra, temos Bel, assistente de Kiem e a melhor personagem do livro (além de funcionar como alívio cômico).

A trama tem o ritmo e o descompromisso de uma fanfic. Aliás, lendo os agradecimentos finais a gente descobre que o livro nasceu no AO3, maior/melhor reduto de fanfics das interwebs. Se for lida com essa leveza, a história compensa e coloca um sorriso na cara do leitor em vários momentos (e é bem mais divertido que Justiça Ancilar, livro pretensioso com que Órbita de Inverno volta e meia é comparado).

Indico para quem procura uma leitura ligeira, de férias/praia.

Estrelinhas no caderno: 3 estrelas