Livro: Padre Sérgio

Livro da vez: Padre Sérgio, de Liev Tolstói.

Stiepán Kassátski é excelente em tudo que faz; por outro lado, assim que alcança a excelência, perde o interesse. Quando consegue o reconhecimento de suas habilidades do Exército, e prestes a se casar, resolve entrar para um mosteiro, não movido por uma devoção pura, mas pela vaidade, na intenção de ser uma pessoa perfeita.

Algumas sinopses tratam a história como uma crítica à vida mundana e um elogio à vida religiosa, mas não foi essa a minha impressão. O que Tolstói critica, na verdade, é a vaidade e o orgulho, a vida de aparências e as pessoas que abraçam a vida religiosa por motivações outras que não a piedade ou a caridade. Censura, ainda, a mercantilização da fé e a hipocrisia.

Trata-se de uma novela, ou talvez um conto longo, já que a história não tem nem 80 páginas. O restante do livro é preenchido com posfácios curtos e uma carta dirigida por Tolstói à Igreja Ortodoxa, após ter sido excomungado. A carta é interessantíssima: ao tempo em que frisa sua crença em Deus, o autor desanca os ritos e dogmas cristãos de modo geral e a Igreja Ortodoxa em particular.

Indico para um primeiro contato com o autor, embora não seja uma obra típica dele, como acentua um dos posfácios.

Estrelinhas no caderno: 4 estrelas

Com Sangue

Livro da vez: “Com Sangue”, o mais recente livro de Stephen King, lançado pela @editorasuma. São quatro contos excelentes, e não posso deixar de comentar: que capa maravilhosa!

Em “O telefone do Sr. Harrigan”, o pré-adolescente Craig é contratado por um velho ricaço para ler para ele diariamente, e dessa relação surge uma amizade que continua ao longo do tempo, de forma inusitada. King aproveita para relembrar o surgimento do iphone e a popularização da internet.

“A vida de Chuck” é contada em três atos, mas de forma inversa, começando pelo final. Uma forma incomum de falar sobre morte e, mais que isso, sobre a abrangência da vida.

“Com Sangue” está mais para novela, em razão do tamanho, e dá spoilers massivos dos livros “Mr. Mercedes”, “Achados e Perdidos” e “Outsider”, que não li ainda (a @soterradaporlivros me avisou e ignorei o aviso por minha conta e risco). Nessa história de suspense, a detetive particular Holly Gibney percebe algo estranho durante a cobertura jornalística de um atentado e resolve seguir seu faro, colocando-se em risco.

Em “Rato”, King revisita um velho clichê de suas obras, o professor de inglês e escritor. Drew é um escritor frustrado que acha que dessa vez conseguirá completar um romance e pra isso decide se isolar em uma cabana da família, mas claro que nada será tão simples assim. Acho que, apesar do clichê, foi meu conto favorito.

Na verdade é bem difícil escolher um favorito. King parte de vidas comuns para incorporar o elemento fantástico, e faz isso com perfeição, entregando histórias redondas com finais ótimos. Livro imperdível.

Estrelinhas no caderno: 5 estrelas

O Marido Humilhado

O Marido Humilhado - capaVocê pode odiar Nelson Rodrigues, mas o fato é que o cara tinha uma habilidade impressionante para contar histórias em poucas páginas. Seus contos são curtíssimos, ele não precisava de mais de três ou quatro páginas para criar personagens marcantes e tramas sórdidas.

Outra coisa que impressiona é a atualidade dos seus textos. É verdade que por um lado são datados quando falam de futebol ou usam gírias (ninguém fala “Fulano é um broto” há mais de 40 anos); mas, por outro lado,  o espírito e as motivações dos seus personagens sobreviveram à passagem das décadas. Talvez porque a sordidez humana seja uma característica atemporal.

Os personagens rodriguianos são reféns de seus próprios sentimentos, dos julgamentos alheios, das aparências e, principalmente, dos ciúmes. Não espere sentimentos nobres – os protagonistas são essencialmente mesquinhos. Tenho a impressão que os programas sensacionalistas e os jornais que espirram sangue devem a Rodrigues sua maior inspiração na hora de narrar com tintas fortes a miséria da vida real.

Nos contos de O Marido Humilhado, você encontrará um homem que mutila outro por ciúmes, uma garota de 17 anos que chega ao extremo para castigar sua paixão platônica, uma mulher que se aproveita cinicamente do desespero de uma colega de trabalho, uma esposa que adora apanhar (afinal, essa é a obsessão de Nelson Rodrigues), um garoto que se apaixona pela madrasta e muitas outras perversões, bizarrices e taras – mas, olhando à distância, todos os personagens rodriguianos parecem normais, cotidianos. Poderiam ser nossos colegas.

Eu, hein.

Ficha

  • Título: O Marido Humilhado – Histórias Inéditas da Vida Como Ela É
  • Autor: Nelson Rodrigues
  • Editora: Agir
  • Páginas: 171
  • Cotação: 3 estrelas
  • Encontre O Marido Humilhado.

Contos de Horror do Século XIX

Contos de Horror do Século XIX - capaHá que ser muito hábil para fazer um bom conto. O estilo não permite digressões, não comporta longas cenas descritivas nem deixa espaço para muita elaboração em torno dos personagens; por outro lado, é preciso envolver o leitor em poucas páginas e surpreendê-lo no desfecho.

Essa tarefa fica ainda mais complexa quando se trata de contos de horror. Como tecer o necessário suspense, como criar a tensão que o horror pede sem fugir do formato? A resposta é dada pelas histórias compiladas em Contos de Horror do Século XIX. Nem todos os textos da coletânea são bem-sucedidos, mas a grande maioria cumpre muito bem a missão de envolver, assustar e surpreender o leitor.

Entre as pérolas, há autores absolutamente inusitados. Quem diria que Eça de Queiroz, por exemplo, teria um conto de horror (um dos melhores do livro, embora com desfecho um tanto previsível)? Ou Júlio Verne? Ou o poeta Walt Whitman? Ah, sim, Sir Arthur Conan Doyle também está lá, numa história anterior à criação do seu mais famoso personagem.

Há também os escritores esperados: Edgar Allan Poe (que, aliás, influenciou outros autores presentes no livro) não decepciona com o excelente Os fatos no caso do sr. Valdemar. Bram Stoker está lá com A Selvagem, fugindo da temática que o consagrou (e particularmente sinistro para os donos de gatos). Senti falta de H. P. Lovecraft – será que, tendo nascido em 1890, ele não escreveu nada ambientado no século XIX?

Os temas variam do mais mundano (uma troca de nomes levando a uma condenação errada) ao mais sobrenatural (mortos andando entre os vivos), passando por acidentes, pragas, itens enfeitiçados, loucura, violência e um navio amaldiçoado. O horror, afinal, encontra diversas maneiras de se expressar e de impressionar.

Destaco o sensacional A volta do parafuso, de Henry James – um “conto” de mais de 100 páginas, tão bem conduzido que é como se um filme saltasse das palavras; e o assustador A mão do macaco (W. W. Jacobs), que abre a coletânea.

Se você gosta do gênero, Contos de horror do século XIX é leitura indispensável; se não tem familiaridade com a literatura de horror, o livro é uma ótima forma de iniciar-se no tema, tamanha a variedade (com qualidade) que proporciona.

Ficha

  • Título: Contos de horror do século XIX
  • Organizador: Alberto Manguel
  • Editora: Companhia das Letras
  • Páginas: 547
  • Cotação: 4 estrelas
  • Encontre Contos de horror do século XIX.
Este texto faz parte do Desafio Literário 2011, cujo tema em novembro são contos. Conheça o Desafio Literário.