Livro: Bolo Preto

Livro da vez: Bolo Preto, de Charmaine Wilkerson.

Após a morte de Eleanor Bennett, seus filhos Byron e Benny descobrem que a mãe era um verdadeiro mistério. Por meio de uma gravação que ela fez pouco antes de morrer, entram em contato com as suas raízes caribenhas e são surpreendidos por reviravoltas. Ao mesmo tempo, tentam curar suas feridas e resgatar uma relação há anos esgarçada.

A história é boa, mas a narrativa é fragmentada demais. Além de pular entre passado e presente e de um ponto de vista a outro, é construída por meio de capítulos curtíssimos. Quando eu começava a me interessar, lá vinha outro capítulo (minúsculo), em outro tempo, com foco em outro personagem e abordando outro tema. Essa fragmentariedade pode até dar algum dinamismo à narrativa, mas não funcionou para mim. Deu a impressão de que a autora não sabia que história queria contar.

Os personagens principais são fortes (embora Byron seja um chato), gostei de aprender algo da cultura do Caribe (a autora esclarece que locações e fatos são inventados, mas baseados no que aprendeu sobre a Jamaica) e, embora algumas viradas sejam previsíveis, outras são interessantes e a última é muito boa.

Indico para quem deseja um primeiro contato com questões de identidade, etnia, gênero e diferenças culturais. O livro está sendo transformado em série e creio que funcionará melhor na telinha.

Estrelinhas no caderno: 3 estrelas

Livro: É assim que se perda a guerra do tempo

Livro da vez: É assim que se perda a guerra do tempo, de Amal El-Mohtar e Max Gladstone.

Red e Blue são duas combatentes em lados opostos de uma eterna guerra temporal que pode mudar os destinos do mundo a qualquer segundo. Entre campos de batalha, começam a se corresponder e percebem que têm muito a aprender uma com a outra e mantêm uma troca de cartas secreta – e perigosa – ao longo dos séculos.

Não gosto muito de livros narrados no tempo presente, nem sou fã de livros epistolares. Além disso, esperava mais ficção científica e menos romance. Por tudo isso a história acabou não me fisgando.

Por outro lado, é bem escrita e tem umas sacadas muito interessantes, especialmente quanto a paradoxos temporais. Há pistas para os leitores quebrarem a chave da história, o que considero um bônus. O desfecho é bem bacana e justificou a leitura para mim.

Indico para quem curte histórias de amor e gostaria de ingressar suavemente no fascinante mundo da ficção científica.

Estrelinhas no caderno: 3 estrelas

O Gambito da Rainha (livro e série)

Livro da vez: “O Gambito da Rainha”, de Walter Trevis.

Quis ler o livro antes de ver a série da Netflix e não morri de amores pela escrita de Walter Trevis. O estilo é tão seco que mesmo nas situações mais emocionais é difícil sentir alguma coisa. Beth Harmon é uma protagonista interessante e o livro cobre uma gama variada de assuntos, como abandono, adoção, feminismo, racismo e dependência de drogas, mas o autor passeia por tudo muito rapidamente, sem aprofundar nada e exagerando nos sumários narrativos. Tive a sensação de ler uma notícia de jornal ou, talvez, de assistir um documentário ao estilo antigo, no qual os fatos simplesmente se encadeiam de forma crua.

Trevis parece um escritor impaciente. O tempo todo quer apenas chegar ao grande final, ao desfecho, sem muitas delongas. De fato, o final é satisfatório, inclusive com uma pausa ou outra para que o leitor possa empatizar mais com Beth.

Quanto às descrições das partidas de xadrez, não chegam a ser tediosas, mas acho que o leitor com conhecimento amador do jogo (ou nenhum conhecimento) tenderá a fazer uma leitura em diagonal, buscando as reações e emoções e dando pouca atenção às posições das peças. Foi o que eu fiz.

No geral, um livro decente, mas que promete muito mais do que entrega.

A série, por outro lado, é excelente. A condução é dramática sem ser apelativa e várias lacunas deixadas pelo livro são preenchidas. Uma passagem absolutamente forçada do livro – importante para o desfecho, mas quase um deus ex machina – é brilhantemente corrigida na adaptação da netflix. As atuações são ótimas e dá pra sentir a atmosfera tensa das partidas. As relações entre os personagens são melhor construídas e algumas pequenas mudanças nelas dão mais verossimilhança do que se encontra no livro.

Estrelinhas no caderno: 3 estrelas pro livro e 5 estrelas pra série.

Alice no País das Maravilhas

Livro da vez: “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll. Livro/filme do bimestre do projeto #quemteviuquemteleu, da @soterradaporlivros@tinyowl.reads e @seguelendo.

Foi minha terceira leitura e a cada vez minhas reações foram diferentes. Quando criança, adorei o livro. Reli há uns oito anos e achei chatíssimo. Dessa vez, gostei (mas não adorei) e notei como a tradução faz toda a diferença nessa obra. Recomendo muito a tradução da Zahar (mas há outras boas também).

Alice cai em um mundo de sonho em que as coisas são absurdas, nada faz sentido e o imprevisível é a regra. No debate, comentamos sobre a forma como as crianças eram vistas, e ainda são, em muitos casos: sem direito a opinar, sem voz, sem autonomia. Alice é curiosa e inquisitiva, e os personagens com quem se encontra – os adultos – tentam matar essas qualidades os simplesmente a ignoram, com a exceção do Gato de Cheshire.

E falando no Gato, ele é um dos grandes legados de Carroll, juntamente com o Coelho Branco, a Rainha de Copas e o Chapeleiro Maluco. As metáforas e os símbolos que inspiraram os personagens se perderam (ou quase), mas a força deles se mantém por si só, cheia de novos simbolismos. A obra de Carroll acabou se revelando atemporal.

Sobre os filmes, prefiro a animação da Disney, mais fiel ao livro e à própria Alice. O filme de Tim Burton conta uma história completamente diferente e a protagonista é tão sonsa que irrita.

Quanto às polêmicas sobre o autor, vale dizer que não há provas ou relatos das pessoas envolvidas que confirmem as acusações. Carroll tinha uma personalidade forte, um tanto misteriosa e algo controvertida – o restante, eu coloco na conta dos fofoqueiros ingleses e das estranhezas da era vitoriana.

O próximo bimestre será dedicado a 1984 e mal posso esperar para reler a obra e para ver o filme pela primeira vez. Quer vir com a gente? Fale com uma das organizadoras!

Estrelinhas no caderno: 3 estrelas