Livro da vez: O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório.
Após a morte do pai, Pedro escreve para reconstruir a história da família e a sua própria. Assim conhecemos Henrique, um professor negro que, vivendo em Porto Alegre, conheceu várias faces do racismo. Somo apresentados aos pais de Henrique, avós do narrador, também alvos do racismo. Por fim, há os conflitos do próprio Pedro ao descobrir seu lugar no mundo e perceber o lugar em que pretendem colocá-lo.
Li motivada pela censura que o livro tem sofrido nas escolas e, apesar da via torta, estou contente pela oportunidade de ter contato com essa história. A narrativa é dolorosa. A escrita é primorosa, sofisticada sem ser pedante. O uso da segunda pessoa do discurso, ou seja, o uso do “você” como voz narrativa, me incomoda em qualquer texto, e neste livro achei desnecessário, mas ainda assim a história é tão poderosa e bem contada que superei meu incômodo. Provavelmente é o melhor livro nacional contemporâneo (escrito no séc. XXI) que já li.
Recomendo a quem aprecia literatura brasileira, procura uma narrativa potente e tem coragem de ler verdades duras.
Semana passada, ouvi na CBN a história de Kety e Gabriela. Mãe e filha passaram 45 dias na Grécia, ajudando na recepção dos refugiados que chegam às centenas todos os dias à ilha de Lesbos. Ambas voltaram ao Brasil, mas Gabriela, com apenas 16 anos, decidiu retornar à Grécia e continuar o trabalho como voluntária. Para possibilitar a viagem e a manutenção da filha, Kety abandonou seu trabalho como jornalista e começou a fazer e vender arranjos de flores. Nasceu aí o projeto Flores para os Refugiados.
Ontem, na feira de arte e artesanato de refugiados que aconteceu no Shopping Center 3 tive o prazer de conhecer Kety e sua irmã, Karim. A mãe delas, avó de Gabriela, também ajuda no projeto. A decisão da menina mudou a vida da família e está tornado menos pesada as vidas de crianças, jovens, homens e mulheres que chegam à Grécia na esperança de sobreviver.
A guerra na Síria acaba de completar seis anos e tem como resultado uma das maiores crises humanitárias já vistas. Mais de quatro milhões de sírios são refugiados e outros seis milhões são deslocados internos, gente que teve que abandonar seus lares e buscar abrigo em casas de parentes ou nos campos que bordeiam a fronteira com a Turquia. Somados, correspondem a metade da população da Síria.
A Grécia é a porta de entrada para os refugiados que chegam por mar. Centenas de voluntários estrangeiros atuam na recepção dessas pessoas. Organismos internacionais também estão presentes.
A venda dos arranjos permite que Gabriela continue a ajudar os refugiados. 40% do preço cobre os custos de produção, e o restante mantém Gabriela. O arranjo da foto custou 30 reais. Há também a venda de flores por quilo. Você pode acompanhar a página Flores para os refugiados no facebook para saber onde comprá-las e pra conhecer melhor o projeto.
Tenho dificuldades com rótulos, formas, encaixes. Parece que sempre algo fica sobrando ou faltando, como aquela roupa “tamanho único” da loja de departamentos que, no fim das contas, não fica realmente boa em ninguém.
E tem esse rótulo do feminismo, de ser feminista.
Durante a maior parte da minha vida, não tomei conhecimento do que fosse feminismo. Dito isso, meu sonho aos doze anos era fazer jornalismo na USP, morar num flat e ser uma profissional bem-sucedida, solteira e sem filhos – mas o que isso tem a ver com feminismo, não é mesmo?
Eu acreditava mesmo que o movimento feminista não tinha qualquer influência na minha vida.
Exceto pela simples razão de que, se não fosse pelo feminismo, eu sequer teria feito Direito. Talvez tivesse alguma profissão, mas jamais atuaria num reduto predominantemente masculino – não teria autorização para chegar perto dele. Eu teria a obrigação de ter filhos e marido e, se escolhesse outro caminho, seria taxada de “leviana” ou de “amargurada” – no mínimo. Não que esses reducionismos ofensivos não ocorram hoje; é só que não fazem a menor diferença na minha vida. Eu passo por cima e sigo minha vida normalmente – o que não seria possível sem o feminismo e sem as milhões de mulheres que adotam a mesma postura, certas de que não valem “menos” por adotarem comportamentos que fogem dos estereótipos.
Mas ainda tem a coisa dos rótulos. As mulheres que se declaravam feministas e que conheci nos primeiros anos da vida adulta, ou que tinham esse rótulo pregado nelas, não tinham nada a ver comigo. Eu simplesmente não as entendia, nem me identificava com elas. Não engolia o radicalismo, não compreendia as bandeiras, não achava racional que implicassem com outras mulheres só por gostarem de esmalte, maquiagem, saia.
Demorou pra eu descobrir que o feminismos, como qualquer outra coisa, é feito por pessoas e que cada uma traz seus conceitos, valores e opiniões – mas que eles não precisam ser gravados em pedra, tampouco são universais. Há uma única exceção, uma única verdade essencial, que merece ser gravada em pedra, sintetizada em uma frase que, por mais clichê que seja, representa o núcleo essencial do feminismo: a ideia de que a mulher, da mesma forma que o homem, pode ser e fazer o que quiser.
Sim, porque, deixadas todas as bandeiras de lado, todas as nuances, todas as alas, os partidos, as polêmicas, feminismo é “apenas isso”. A ideia de que mulheres têm tantos direitos quanto os homens. De que deveriam ser tão livres e tão respeitadas quanto eles. De que apenas a elas cabe escolher seus caminhos.
Faz poucos anos que entendi isso. Que ser feminista é, fundamentalmente, defender que mulheres podem ocupar os mesmos espaços que homens. É, também, reclamar de (e tentar mudar) comentários misóginos, cantadas grosseiras, preconceitos enraizados há gerações, piadinhas ofensivas, tratamentos degradantes, diferenças salariais.
Ser feminista não é abandonar maquiagens, saias, esmaltes, depilação – a menos que você queira e, se você quiser, tem o direito de fazê-lo. Porque, em essência, ser feminista é ter o direito de fazer o que se quer. É o direito de não ter filhos, ou de ter dois e trabalhar exclusivamente em casa, ou ter quatro e ainda trabalhar fora. É o direito de escolher qualquer carreira ou carreira nenhuma. É o direito de usar batom vermelho sem ouvir “parece puta” ou de assumir os cabelos grisalhos sem que pensem que você é “desleixada”. É o direito de não ser compelida a usar meia-calça no ambiente de trabalho, e de não ser assediada por trabalhar de saia e salto alto. É o direito de usar biquíni sim, independentemente do corpo. É o direito de beber e ficar bêbada, ou de ser abstêmia, ou de adorar sexo, ou de ficar virgem até o casamento.
Bem sei que “o meu tipo” de feminismo não agrada linhas radicais de feministas. Foram elas que, por muitos anos, convenceram-me de que eu não era feminista “de verdade”. Lamento que pensem assim, e reservo-me o direito de afirmar que estão erradas.
Afinal, estamos todas do mesmo lado. Do lado da igualdade.
Imagens: o filme Suffragette (as três primeiras) e algum post no FB.
O desfecho foi o seguinte: fiz uma pesquisa jurisprudencial, encontrei pouca coisa, mas imprimi o que encontrei; deixei na portaria, com uma carta curta ao síndico resumindo o que dizem a lei e os tribunais; o síndico nunca mais me encheu o saco. Inclusive, depois de um tempo, até começou a me tratar com simpatia, veja só que coisa.
O síndico estava errado, claro, e deve ter consultado algum advogado que lhe disse isso. Infelizmente, esse tipo de aborrecimento é frequente. A prova disso são as dezenas de comentários e emails que recebi de pessoas que passaram pelos mesmos problemas.
O que é importante saber:
dentro do seu apartamento, você pode fazer o que quiser – desde que não seja contra a lei e não perturbe o sossego dos vizinhos;
ter animais em apartamento não é contra a lei (a principal, no caso, é o Código Civil, com destaque para o art. 1.335);
ainda que a convenção de condomínio proíba, você pode ter animais – a convenção não se sobrepõe à lei.
Por que estou falando tudo isso agora? Porque mês passado virou notícia uma decisão judicial sobre o tema e a sentença está facilmente acessível. Ela traz precedentes de diversos tribunais e serve como um bom ponto de partida, caso você precise convencer seu síndico de que você tem direito de manter animais em seu apartamento.
Lembre-se apenas que o seu direito não pode perturbar o direito alheio. Se os seus animais, ou as condições em que você os mantém, perturbarem a saúde ou o sossego dos vizinhos, você pode ser “convidado” a se mudar, sim. São casos extremos: muitos animais, cheiro insuportável, animal agressivo que transita pelas áreas comuns sem focinheira, coisas desse nível. Ou seja: o bom senso continua valendo.