Uma Pálida Visão dos Montes

Uma Pálida Visão dos Montes - capaUma Pálida Visão dos Montes é o primeiro romance de Kazuo Ishiguro, japonês nascido em Nagasaki e criado na Inglaterra, autor de um dos meus livros favoritos, Não me abandone jamais. Nesse primeiro texto, já dá pra ver o potencial do escritor para criar dramas sem apelar para cores fortes. Ele economiza nos adjetivos, escolhe a dedo cada palavra e faz uma prosa contida, contemplativa e quase lírica, cuja delicadeza joga um véu sobre a tragédia que narra.

O livro é feito das reminiscências de uma sobrevivente de Nagasaki há muitos anos radicada na Inglaterra. Etsuko recorda o verão em Nagasaki em que estava grávida de sua primeira filha e conheceu Sachiko, uma vizinha que foi sua amiga por alguns meses. Sachiko tivera a vida arruinada pela Segunda Guerra Mundial e fazia o que podia para criar sua filha Mariko, enquanto mantinha as esperanças numa futura mudança para os Estados Unidos. De vez em quando, a história se volta para o presente de Etsuko e indica que sua própria mudança para a Inglaterra não transformou sua vida no mar de rosas com que Sachiko sonhava.

Ishiguro faz os dias parecerem cotidianos na Nagasaki pós-bomba atômica, ao mesmo tempo em que revela as feridas causadas pelo ataque: as mudanças de rumo, de vidas, de paisagem, de perspectivas. O autor faz as vidas de seus protagonistas parecerem até banais na maior parte do tempo – então, pontua algum detalhe que dá a verdadeira dimensão do drama em que vivem. Esse talento narrativo faz o leitor se envolver com a história quase sem perceber.

Uma Pálida Visão dos Montes não é brilhante como Não me abandone jamais, mas dá uma boa ideia do que Ishiguro ainda iria produzir.

Atualização: esse livro guarda interpretações que apenas um leitor muito atento – ou um que faça uma segunda leitura – apreenderá (o Sr. Monte precisou me alertar sobre a mais importante delas). Se entender inglês e não se importar com “spoilers” (ou já tiver lido o livro), há um trabalho muito interessante sobre Uma Pálida Visão dos Montes.

Ficha

Vivendo no Limite

Vivendo no Limite - capaFrank Pierce é um paramédico acostumado a salvar vidas no violento Hell’s Kitchen (Cozinha do Inferno), bairro de Nova Iorque – mas sua própria vida está indo pelo ralo.

Em toda esquina, vê o fantasma de uma garota de 18 anos que atendeu e não conseguiu salvar. Seu casamento está acabando. Seus nervos estão em frangalhos e só a bebida lhe dá alguma paz. O ambiente de trabalho está além do que poderia ser definido como estressante e não é incomum que seus colegas surtem.

As ruas de Nova Iorque são vistas sob a perspectiva de Frank. O paramédico sobe prédios decadentes para salvar quem nem sempre quer (ou deve ser salvo). Cumpre seu dever, mas não há consolo nisso. Ao contrário, Frank fica cada vez mais doente. Ele sequer tenta melhorar (embora peça demissão quase todos os dias), busca apenas sobreviver – e fazer seus pacientes, aos quais se apega demais, ganharem um tempo extra sobre a Terra.

O livro é bem escrito, cru, algo frenético e um tanto deprimente. Virou filme, com Nicholas Cage no papel principal. Não suporto Cage, mas até acho que ele deve ter dado um bom Frank Pierce, com aquela cara de ausente que lhe é peculiar.

O autor foi paramédico em Nova Iorque, portanto escreveu o romance com conhecimento de causa.

Ficha

  • Título Original: Bringing out the dead
  • Autor: Joe Connely
  • Editora: Companhia das Letras
  • Páginas: 342
  • Cotação: 3 estrelas
  • Encontre Vivendo no Limite.

Um Grande Garoto

Um Grande Garoto - capaWill Freeman (adoro esse nome) é um quase quarentão bon vivant. Sua vida é arranjar o que fazer durante o dia, já que não precisa trabalhar. É divertido, fã de música pop e um tanto alienado. Marcus é um garoto de 12 anos  que tem uma mãe hippie depressiva e mal consegue sobreviver à nova escola. Em comum entre eles, apenas a idade mental. Esses dois garotos têm muito a aprender um com o outro.

A relação inusitada que surge entre Will e Marcus é o centro de Um Grande Garoto, outro ótimo trabalho de Nick Hornby. A leitura demora um pouco para engrenar – Hornby usa nesse livro um estilo mastigadinho demais, que cansa no início, mas logo se encaixa perfeitamente à personalidade de Marcus, que insiste em analisar tudo, mas falha por não entender sarcasmo, ironia e outras linguagens, inclusive as próprias da sua idade.

Graças a Will e Ellie, a garota briguenta da escola de Marcus (e minha personagem favorita), o garoto começa a navegar melhor pela adolescência, essa fase que já é complicada pra todo mundo, mas pode ser ainda pior se você não tem uma rede de proteção. E uma rede de proteção é tudo o que Marcus quer.

Há elementos emocionantes no romance, mas o que me agrada mesmo é o humor irônico que permeia a análise de Hornby sobre a vida, a adolescência e os relacionamentos. Esse humor é a melhor característica do escritor inglês e é o que torna seus livros cativantes.

Ficha

  • Título Original: About a Boy
  • Autor: Nick Hornby
  • Editora: Rocco
  • Páginas: 267
  • Cotação: 4 estrelas
  • Encontre Um Grande Garoto.

O Recurso

O Recurso - capaA contracapa informa que este é o livro “mais radical” de John Grisham. Certamente, não é “radical” na gíria para “excelente”, porque há diversos livros melhores do mesmo autor. Também não é “radical” no sentido de dedicar-se às raízes do Direito porque, de todos os livros de Grisham, este é o menos jurídico – o foco dele está na política. Em todo caso, é um livro muito bom.

O tema jurídico é o processo indenizatório milionário que corre contra uma empresa acusada de lançar lixo tóxico nos arredores de uma cidadezinha do Mississipi, contaminando a água e o solo e levando câncer à população local – causando, inclusive, a morte de vários habitantes. Lembra a trama de Erin Brockovich, só que aqui, do lado da população desamparada, temos uma casal de jovens advogados inteligentes, dedicados, esforçados e quase falidos.

Após meses de um árduo julgamento, o tribunal local dá ganho de causa às vítimas e condena a corporação Krane Chemical a pagar 41 milhões de dólares de indenização. É nesse ponto que o livro começa – porque, como se sabe, você pode ganhar e não levar… e a corporação vai jogar sujo para não perder dinheiro. Em sede de apelação, o caso será julgado pela Suprema Corte do estado do Mississipi. Juridicamente, as chances estão contra a Krane – mas… e politicamente?

A Suprema Corte do Mississipi é composta de nove juízes eleitos para um mandato (o cargo não é vitalício). Basta, talvez, um juiz para mudar o destino do processo. As eleições para a magistratura se aproximam, e a Krane começa a mexer os pauzinhos financeiros para colocar no tribunal um juiz honesto, dedicado, mas absolutamente contrário ao sistema de indenizações milionárias que afeta os julgamentos norte-americanos.

A parte do livro dedicada ao processo eleitoral é longa demais. O leitor quer chegar logo ao resultado e à conclusão do processo. Os que estão acostumados com os livros de Grisham têm uma boa ideia do que esperar…

John Grisham carrega no conteúdo dramático de O Recurso, além de dar uma boa ideia das mazelas de ter um Poder Judiciário eleito. Se aqui no Brasil já temos tantos dissabores com o Legislativo e o Executivo, imagine o que aconteceria se a magistratura também fosse escolhida pelo sistema eleitoral?

Ficha

  • Título Original: The Appeal
  • Autor: John Grisham
  • Editora: Rocco
  • Páginas: 380
  • Cotação: 3 estrelas
  • Encontre O Recurso.