Livro: A Arte da Divagação

Livro da vez: A Arte da Divagação, de Moshe Bar.

“Com base na psicologia, neurociência, psiquiatria e filosofia, o renomado neurocientista cognitivo Moshe Bar explora os benefícios comprovados da divagação da mente e seu impacto positivo no humor e na criatividade”: essa é a sinopse do livro, mas eu não sabia direito o que esperar quando comecei a leitura. Seria um manual de autoajuda? Ou um livro profundamente técnico e quase incompreensível?

Nem uma coisa, nem outra. Moshe Bar faz um ótimo trabalho explicando pesquisas que, por sua vez, tentam explicar o funcionamento do cérebro e a importância de ter consciência dos próprios pensamentos, chave importante par o controle do humor e a melhoria da saúde mental.

Bar ensina que pensamentos são associativos, é difícil freá-los e daí nascem as divagações, que podem ser amplas, conduzindo à criatividade e melhorando o humor, ou ruminativas, vinculadas à depressão e à ansiedade. Essas duas condições levam, necessariamente, a pensamentos ruminativos, e o autor propõe que quebrar essa cadeia ajuda no tratamento de um modo que remédios nem sempre conseguem.

Mas como controlar os pensamentos? Eis o ponto: a ideia não é controlá-los, mas reconhecê-los, rotulá-los e seguir adiante, e Moshe Bar defende a meditação como instrumento para isso. Mas não é uma defesa cega: o autor diz que, para ele (e para muitas outras pessoas), a meditação ajuda a esvaziar a mente e dar a devida atenção ao presente; para outras pessoas, a corrida ou atividades imersivas podem ser mais úteis.

Confesso que, ironicamente, peguei-me divagando durante a leitura, porque embora a linguagem seja fácil, alguns conceitos são abstratos e eu me perdia em um fluxo de pensamentos e tinha que voltar alguns parágrafos na leitura. Será que está na hora de, novamente, experimentar a meditação? Acho que vou tentar.

Recomendo “A arte da divagação” para quem tem curiosidade sobre o funcionamento do cérebro e quer incrementar a própria caixa de ferramentas na busca de uma vida mais satisfatória.

Estrelinhas no caderno: 4 estrelas

Filme: 438 Dias

Filme da vez: “438 Dias”, produção sueca de 2019.

438 é o número de dias durante os quais dois jornalistas suecos ficaram presos na Etiópia sob a acusação de terrorismo. O filme é baseado em uma história real.

Em 2011, Martin Schibbye e Johan Persson decidiram investigar os efeitos da exploração do petróleo sobre a população de Ogaden, na Etiópia. Para chegar lá, cruzaram a fronteira com a Somália com a ajuda de um grupo que, depois, descobriram ser considerados terroristas no país vizinho. Foram presos pelo exército etíope e acusados de terrorismo.

Para piorar, descobrem que um figurão da política sueca tem envolvimento com a indústria petroleira que atua em Ogaden. Assim, não confiam que a diplomacia ou a política da Suécia agirão a contento para tirá-los dessa situação. Para alguns, acreditam, é melhor que fiquem presos em um país distante, talvez para sempre.

A Navalha de Hanlon diz que a gente não deve atribuir à malícia o que pode ser explicado pela burrice. Nem digo burrice, mas ingenuidade: como esses jornalistas resolveram que seria uma boa ideia entrar ilegalmente em um país, mais ainda um que não preza exatamente por instituições democráticas e não é conhecido pelo respeito aos direitos humanos? Como não pesquisaram antes sobre as pessoas a quem pediram ajuda para fazer o ingresso clandestino? Creio que isso seja fruto da confiança que cidadãos de certos países desenvolvidos têm nas suas próprias instituições e na ilusão que nutrem de que o restante do mundo funciona do mesmo modo (não é de espantar, sob essa ótica, a quantidade de turistas estrangeiros que é furtada assim que pisa no Rio de Janeiro).

O filme é dinâmico, tenso e parece bastante realista. O ponto de vista é o dos jornalistas, o que, claro, pode levar a um certo viés. A discussão central é a da liberdade de expressão e da imprensa livre, temas que seguem atuais e relevantes.

A distribuição do filme no Brasil é da distribuída pela @a2filmesoficial e já está disponível nas plataformas digitais.

Estrelinhas no caderno: 4 estrelas

Ruído – uma falha no julgamento humano

Livro da vez: “Ruído: uma falha no julgamento humano”, de Daniel de Daniel Kahneman, Olivier Sibony e Cass R. Sunstein.

Kahneman, Prêmio Nobel de Economia e autor de “Rápido e Devagar” (eternamente na minha listona) reuniu-se com outros dois professores para apresentar um grande livro, provavelmente mais um bestseller.

É senso comum que o viés em um julgamento frequentemente confirma e reforça preconceitos. Empresas e governos conscientes tentam reduzir o viés em seus julgamentos – seja em processos judiciais, nos diagnósticos médicos ou na contratação de empregados. Mas e quanto ao ruído, ou seja, à variabilidade em julgamentos que deveriam ser idênticos e que não é motivada por um viés, mas pela falta de escalas e de padrões confiáveis? É esse problema que os autores estudam no livro, e salientam: o ruído é onipresente, os custos que ele gera são altíssimos e deveríamos estar preocupados em reduzi-lo.

Os autores apoiam sua defesa pela redução do ruído em estatísticas e pesquisas comportamentais. Em certos momentos, o livro fica denso (especialmente para quem não tem familiaridade com estatística), mas os autores percebem e apoiam o texto em uma série de exemplos e exercícios que facilitam a compreensão.

Algumas das conclusões podem chocar, como a constatação de que até um algoritmo simples é mais confiável que o julgamento humano. Ora, você pode pensar, mas e os casos de discriminação causados por algoritmos? Os pesquisadores argumentam que são pontuais e evitáveis, e defendem o aprimoramento dos algoritmos, não o seu descarte.

Do ponto de vista humano, insistem na adoção de treinamento e técnicas capazes de diminuir o ruído e argumentam que discricionariedade, criatividade e intuição não deveriam ser cultuadas quando claramente produzem erros a um alto custo.

Polêmico? Pode ser, mas os argumentos são tão bem apresentados que, mesmo que você queira refutá-los, terá trabalho.

Estrelinhas no caderno: 5 estrelas