Mar Adentro

Ficha técnica

Espanha, 2004. Drama. 125 min. Direção: Alejandro Amenábar. Com Javier Bardem, Belén Rueda e Lola Dueñas.

O filme conta a história verídica de um homem que luta pelo direito à eutanásia depois de sofrer um acidente que o deixou tetraplégico. Do mesmo diretor de Os Outros. Vencedor do Oscar de filme estrangeiro.

Mais informações: Adoro Cinema.

Comentários

5 estrelas

Vale cinco estrelas lacrimosas. Passei metade do filme chorando, e a outra metade com os olhos embaçados.

A pedra de toque de Mar Adentro é a discussão sobre o direito de morrer, diante de uma vida extremamente limitada. É tema polêmico e, atualmente, na moda – depois do caso Teri Schiavo, bem como graças ao sucesso de Menina de Ouro. O filme analisa vários aspectos da questão: questiona por que as pessoas têm tanta dificuldade em aceitar que alguém queira a própria morte, quando ela chegará para todos, cedo ou tarde; aborda largamente as razões daqueles que estão próximos que os levam a relutar diante da eutanásia; traz aspectos religiosos, morais e jurídicos sobre a matéria.

Não são feitos julgamentos, nem fornecidas respostas -seria impossível fazê-lo, diante de um verdadeiro dilema. A grande contribuição do filme é provocar questionamentos, forçando os espectadores a pensarem sobre o assunto. Algumas passagens merecem destaque:

Advogada, para a cunhada de Rámon, o protagonista:

– O que você pensa de tudo isso?
– Ele quer morrer. Sempre fala isso – dando de ombros.
– Mas você, Manuela, o que pensa?
– O que eu penso não importa. O que importa é o que ele quer.

O irmão de Rámon, para o filho Javier:

– Ele quer morrer, você sabe o que isso significa?! Você nunca mais vai vê-lo!

Dois diálogos que mostram claramente como as pessoas que gostam de alguém que deseja a eutanásia reagem: no primeiro, a posição de Manuela, seca, embora altruísta; no segundo, o irmão de Rámon não encontra argumentos para convencer o filho de que o tio está errado, a não ser um puramente egoísta.

Advogado de Rámon, perante o tribunal:

– Vivemos em um Estado laico. Um Estado que valoriza ao máximo a propriedade privada e a liberdade e que, em nome da dignidade humana, repudia a tortura e os maus-tratos, considerados degradantes. Não é, então, justo que quem se sinta degradado em sua existência possa dela dispor livremente? E, se ele não pode agir sozinho, por que razão quem venha a ajudá-lo comete crime? Quem tenta se suicidar e falha não é punido, justamente porque se acredita que tinha o direito de tentar. No entanto, diante da eutanásia esse Estado, que se diz laico, age para punir , em nome de convicções metafísicas, religiosas, quem auxilia o outro a ter uma morte digna.

Padre, para Rámon:

– Uma liberdade que limita a vida não é liberdade!
– E uma vida que limita a liberdade não é vida!

Notinhas

Os diálogos não foram literalmente transcritos, mas baseados no que me lembrava.

Sim, sou a favor da eutanásia. Sou favorável a que se conceda ao ser humano a autonomia para decidir entre uma vida cheia de limitações e a morte. Acredito que o Estado não deveria se intrometer nessa decisão, pelos mesmos argumentos colocados pelo advogado, no filme.

Jornada da Alma

Quando você não consegue olhar dentro da alma de alguém,
tente ir embora e voltar mais tarde.
(Boris Pasternak, poeta russo citado por Sabina Spielrein no filme)

Ficha técnica

Prendimi l’Anima. Itália/França/Inglaterra, 2003. Drama. 89 min. Direção: Roberto Faenza. Com Iain Glen, Emilia Fox e Caroline Ducey.

Dois pesquisadores resgatam a história de uma psicanalista russa que, quando jovem, foi tratada por Gustav Jung, com quem também teve um envolvimento amoroso.

Mais informações: Adoro Cinema.

Comentários

4 estrelas

Aviso: se quiser assistir a Jornada da Alma completamente às cegas (o que, aliás, é sempre a minha opção), não leia agora esse texto. Não contém spoilers, mas está um pouco mais detalhado do que costumo fazer.

É sempre agradável quando se vai ao cinema sem esperar grande coisa do filme e, ao fim da exibição, tem-se a sensação de ter visto uma obra de primeira qualidade. Foi o que aconteceu comigo ao assistir a Jornada da Alma.

O filme é belíssimo, com algumas cenas realmente tocantes e excelentes atores. Pode ser dividido em duas partes. A primeira volta-se ao relacionamento entre Sabina Spielrein, uma jovem com distúrbios mentais (o filme sugere histeria e algo além) e o jovem Carl Jung, que se propõe a tratá-la com o que havia de mais novo à época: as teorias freudianas. Em um tempo no qual os eletrochoques eram prática usual, o tratamento proposto por Jung era revolucionário.

A relação médico-paciente toma vertentes mais intensas, desaguando em uma forte relação amorosa. A partir desse referencial, dá pra entender a razão de Freud condenar a aproximação entre o psicanalista e o paciente. Por outro lado, fica a pergunta: se Jung não tivesse rompido barreiras, o tratamento teria alcançado a mesma eficácia?

Essa primeira parte abrange uns dois terços do filme; no entanto, na minha modesta opinião, o último terço é, justamente, o mais importante.

A segunda parte concentra-se na vida profissional de Sabina, que tentou introduzir novas técnicas de educação infantil na Rússia leninista. A seguir, fica patente a transformação ocorrida quando Stalin assumiu o governo: o início do terror, da repressão em último grau, das perseguições e assassinatos em massa. Um retrato histórico interessante de uma época cruel. Em meio a tudo isso, a tentativa de Sabina em desenvolver suas teorias, até o desfecho inevitável.

As cores do filme ficam ainda mais fortes quando se tem em mente que sua história é baseada em fatos e pessoas reais. Serviu de base para o roteiro a correspondência trocada entre Sabina e Jung, descoberta recentemente. A história emociona a ponto de algumas pessoas estarem fungando ao fim da exibição.

Vale a pena fazer um esforço – já que o filme está sendo exibido em poucas salas, visto não ser comercial – e assistir a Jornada da Alma.

Estou com a melodia de “Tumbalalaika” na cabeça até agora…

Fahrenheit 11 de Setembro

Ficha técnica

Fahrenheit 9/11. EUA, 2004. Documentário. 122 min. Direção: Michael Moore. Com Michael Moore.

O documentário procura explicar as atitudes e os interesses políticos do governo norte-americano, chefiado por George W. Bush, depois do atentado de 11 de Setembro. Palma de Ouro no Festival de Cannes. Do mesmo diretor de Tiros em Columbine (2003).

Mais informações: Adoro Cinema.

Comentários

4 estrelas

O Michael Moore é um excelente documentarista. Quem assistiu a Tiros em Columbine sabe disso. Em Fahrenheit 9/11, ele consegue prender a atenção do espectador por quase duas horas. Combina edições bem-feitas, entrevistas magistralmente conduzidas, imagens fortes e músicas inusitadas de forma perfeita.

O filme foi feito para que George W. Bush não se reeleja. Não começa com o 11 de setembro, mas com as eleições em que Bush derrotou Al Gore de uma forma um tanto misteriosa. Prossegue demonstrando o descaso com que ele conduziu os primeiros meses de governo – como, aliás, sempre tinha conduzido seus negócios. Dá ênfase às relações da família Bush com os Bin Laden.

O atentado de 11 de setembro é mostrado de uma forma tremendamente impactante – resultado que não seria alcançado se Moore usasse as imagens tão insistentemente divulgadas do prédio em chamas.

O documentário segue mostrando as implicações econômicas do atentado – que rendeu dividendos a muita gente –, as medidas tomadas – muitas delas, absolutamente incoerentes – e o absurdo que foi a invasão ao Iraque, tanto do ponto de vista dos iraquianos quanto das famílias americanas. Tem cenas fortes, mas não há forma suave de abordar a guerra. Só acho que 12 anos como censura é pouco.

Alguns momentos marcantes do filme:

  • a displicência que Bush demonstrou ao receber a notícia do atentado;
  • um parlamentar explicando ao Moore que os congressistas não lêem o que aprovam (você acha que no Brasil é diferente?), em alusão ao “Decreto Patriótico” promulgado em razão do 11 de setembro;
  • Moore desfilando em carrinho de sorvete, na frente do Congresso, lendo o tal Decreto;
  • o enfoque dado à manipulação do medo, feita tanto pelo governo quanto pela mídia – algo que já havia sido abordado em Tiros em Columbine;
  • os inocentes iraquianos atingidos pela guerra;
  • os inocentes norte-americanos atingidos pela guerra.

E outros tantos, que não me vêm à lembrança agora.

Em sã consciência, algum norte-americano teria coragem de dar novo voto ao Bush, após esse documentário?

Ah, sim: ao fim da sessão (que estava lotada em plena quarta-feira, num cinema que nunca enche), o público explodiu em aplausos.

Cazuza – O Tempo Não Pára

Ficha técnica

Brasil, 2004. Drama. 100 min. Direção: Sandra Werneck e Walter Carvalho. Com Daniel de Oliveira, Marieta Severo e Reginaldo Faria.

O filme acompanha a vida de Cazuza (1958-1990), desde o início de sua carreira, quando ele cantava em inglês no Circo Voador, e seu relacionamento com os pais e os amigos.

Mais informações: Adoro Cinema.

Comentários

4 estrelas

Nunca fui tiete do Cazuza ou do Barão Vermelho, mas sempre curti as músicas, tenho um CD (coletânea), gosto quando toca alguma coisa na rádio. Lembro-me bem das últimas imagens do Cazuza, fraco, debilitado. Lembro o tanto que o desamparo dele me comoveu e, ao mesmo tempo, assustou. Em 1990, eu tinha onze anos, pouca coisa mais velha que a AIDS, da qual pouco se falava, ainda. Dizia-se que era uma doença cruel, mortal e que castigava os gays e os drogados. Sim, eram esses os termos. Não em casa, mas o que eu ouvia na rua passava sempre por aí. A AIDS era um castigo, uma maldição.

Com onze anos, ainda não compreendia a carga de preconceito por trás disso, mas entendia a face da morte apresentada pela AIDS e a dor que ela provocava. Gravou-se na minha memória a imagem do Cazuza como símbolo dessa dor toda. Fui ver o filme já esperando pela dose de sofrimento que, inevitavelmente, ele teria de mostrar. Uma história sem final feliz.

No entanto, Cazuza – O Tempo Não Pára não é um tributo à morte, mas uma ode à vida. O filme apresenta um garoto elétrico, um tanto rebelde, mas também um ser humano doce e sincero. Acima de tudo, fiel a si próprio. Alguém que viveu intensamente, loucamente, sim. Que teve defeitos, virtudes, amigos, amores, aventuras. Compôs grandes canções, fez sucesso, tornou-se o líder de uma das grandes bandas dos anos 80. Cresceu, mas permaneceu menino. Desesperou, mas contou com família e amigos para apoiá-lo. Sofreu, mas teve garra e não desistiu. Vida breve, mas aproveitada, sem dúvida.

O Daniel de Oliveira dá um banho de interpretação e, ao lado da excelente Marieta Severo, diverte e emociona o público. Dá bem para imaginar toda a preocupação que o Cazuza deu à mãe, mesmo assim sempre doce, amorosa, presente. Orgulhosa do filho que tinha, nunca envergonhada.

Vergonhoso foi um comentário cínico ouvido à saída da sessão (não por mim, mas por uma companheira de filme): “Se tivesse usado camisinha, isso não tinha acontecido”. Tem gente que não merece essa classificação, mesmo.

Eu me segurei para não abrir o berreiro nas cenas finais. Ainda assim, algumas lágrimas teimosas caíram.

O filme conta com um elenco de primeira, muito carismático, e um ritmo ágil, incapaz de entediar. Tem cenas feitas para chocar, o que é ótimo. Só desta forma, sem meias palavras, pode-se diminuir a hipocrisia e o preconceito. Se as pessoas devem ser julgadas, que o sejam pelo seu caráter, pela bondade ou maldade que exalam, não por suas preferências sexuais.

Mais um aspecto interessante é a tumultuada relação entre o incontrolável Cazuza e o perfeccionista Frejat, com direito a alguns momentos muito engraçados.