O fim da pirataria está próximo

Não, ninguém inventou um supercódigo-de-proteção-indestrutível-fabuloso-à-prova-de-hacker, nem houve uma mudança radical nas mentes e corações humanos ao redor do globo em defesa dos direitos autorais acima de tudo.

O que acontecerá será algo bem mais plausível: a indústria perceberá a inutilidade de gastar tempo e dinheiro tentando evitar os “piratas”; por outro lado, haverá uma revisão dos conceitos de pirataria e direitos autorais, forçada pela revolução causada nos últimos anos pela internet.

Parece utópico? Pois saiba que isso já está acontecendo.

Enquanto processos judiciais contra internautas que fazem downloads de conteúdo não-autorizado pipocam pelo mundo todo, em janeiro a Justiça italiana decidiu que baixar da internet conteúdo protegido por direitos autorais não é crime, desde que não haja a intenção de lucro (matéria traduzida no fim deste artigo). Essa decisão pioneira pode fazer escola, isentando de responsabilidade criminal milhares de pessoas que diariamente baixam arquivos para alimentar um hobby e que têm sofrido crescente perseguição dos detentores de direitos, sendo igualadas aos indivíduos que lucram montante considerável de dinheiro com a venda de conteúdo ilegal.

A verdade é que não adianta ameaçar os “baixadores” com processos judiciais: segundo artigo da Folha de São Paulo, mais de um bilhão de músicas por mês são trocadas internet afora, ilegalmente, apesar da ameaça de processo judicial que paira sobre as cabeças e teclados dos internautas. De fato, é mais provável ganhar na mega-sena do que ser processado por baixar conteúdo ilegal.

A justificar o grande volume de downloads tem-se, além da sensação de impunidade e da imprudência típica do ser humano (“Coisa ruim só acontece com os outros” ), a revolta pelos preços elevados cobrados pelas indústrias de música, filmes e softwares. No caso da música, é sabido que os artistas e técnicos envolvidos vêem uma parcela ínfima desse dinheiro – a maior parte enche os bolsos dos executivos.

Por outro lado, quem se dispõe a comprar música legal depara-se com tantas restrições que pode desistir no meio do caminho. Comprar em sites estrangeiros, como o iTunes, é missão quase impossível. Nas poucas lojas virtuais brasileiras, os problemas começam com os preços das faixas – freqüentemente, sai mais barato comprar o cd mesmo, físico, que comprar as músicas uma a uma. Para piorar, os catálogos são pífios. (Sobre venda de música online, a Bia Kunze fez um excelente artigo.)

Se, apesar desses problemas, o internauta quiser/conseguir comprar músicas dentro da lei, esbarrará no famigerado DRM, um sistema de proteção embutido pelas gravadoras em cada música, cuja função é incomodar o comprador com a imposição de diversas restrições à execução do arquivo: alguns tipos de DRM impedem que a música seja reproduzida em mais de dois ou três tocadores, outros são incompatíveis com determinados equipamentos e por aí vai. Ou seja: você paga pela música, mas não pode ouvi-la como desejar.

Com tantos entraves, não é mais fácil comprar o cd e ripá-lo (convertê-lo para mp3), ouvindo as músicas onde e quando quiser e, de quebra, fazendo uma cópia para seu amigo ou sua namorada? Não é mais atraente baixar músicas via torrent ou programas ponto-a-ponto, a custo zero e sem qualquer aporrinhação?

A última “idéia de gênio” das produtoras foi incorporar aos novos formatos de dvd de alta definição – o hd-dvd e o blu-ray – um código “inviolável” para proteger o conteúdo. Não demorou muito para que a tal proteção inquebrável fosse… quebrada.

Será sempre assim. São da natureza humana a criatividade e a capacidade de transpor obstáculos. A cada supercódigo antipirataria que inventarem, aparecerá gente para destrui-lo. Quando baixar música gratuitamente pelo Napster tornou-se impossível, surgiram inúmeros programas similares, e melhores, para transferência de arquivos p2p. Os torrents estão mais fortes que nunca e alguns dos seus gerenciadores incorporam criptografia para ocultar o internauta. Nem é preciso ir tão longe: no mesmo dia em que Brasil Telecom tentou impedir o acesso ao youtube, a pedido de Dona Cica, pulularam dicas para burlar o bloqueio.

Steve Jobs, o pai do iPod, já percebeu isso. Em carta aberta publicada no início deste mês, propôs às gravadoras que abram mão do uso do DRM. Segundo ele, mais de 90% das músicas comercializadas não incorporam DRM. Por que, então, adicioná-lo a um percentual tão pequeno de músicas e atingir justamente uma faixa de consumidor que contribui de boa vontade com a indústria fonográfica? Por que punir esses consumidores, em vez de incentivá-los e motivar outros internautas a aderir ao mercado legal?

As reações das quatro maiores gravadoras à carta de Jobs foram diversas: a EMI foi a única a se interessar pela proposta e parece cogitar a venda de música sem DRM; a Warner, no outro pólo, afirmou não ter interesse em abolir o DRM de seus produtos; Sony e Universal não se manifestaram oficialmente.

Se a EMI realmente abraçar a idéia de Jobs, alguém duvida que rapidamente seus lucros provarão que esta é a melhor atitude? Talvez, então, as demais gravadoras acordem para a realidade e passem a encarar os “downloaders” não como criminosos, mas como potencial mercado consumidor. Cedo ou tarde, todas as corporações terão que reconhecer a revolução causada pela internet em todos os negócios, entre eles o do entretenimento. Quem sair na frente, conquistará a simpatia dos internautas e abocanhará uma fatia maior do mercado.

Abaixo, a matéria do Corriere sobre a decisão da Justiça italiana que absolveu jovens acusados de pirataria. A tradução é minha. Vi a notícia, inicialmente, no Outrolado.

Música online, é lícito baixá-la se não há lucro

Sentença inesperada da Corte de Anulação . La SIAE: um deslize, reagiremos.

MILANO – Não é crime baixar da internet música, filme ou programa protegidos por direitos autorais, contanto que não seja “com intenção de lucro”. Em palavras muito simples: está certo “economizar” (com a colaboração da SIAE), não está certo “faturar” com os downloads.

Quem fez a alegria nos “baixadores seriais” foi a Terceira Câmara Penal da Corte de Anulação que, com a sentença número 149 de nove de janeiro passado, anulou a condenação a três meses e dez dias de reclusão imposta pela Corte de Apelação de Turim a E.R. e C.F. por violações da lei de copyright. Os fatos ocorreram em 1999, quando os dois, à época estudantes, criaram com computadores da Escola Politécnica de Turim uma rede “peer to peer” (ponto a ponto) para trocar arquivos com outras pessoas conectadas à internet. Segundo os juízes piemonteses, os rapazes violaram os artigos 171, II e 171, III da lei de direitos autorais (Lei 633/41), que pune quem, “com intenção de lucro”, difunde ou copia conteúdo de multimídia protegido por copyright.

AS REAÇÕES – “Esperamos sete anos por esta sentença – comemorou Carlo Blengino, um dos advogados de defesa. A forte mensagem é dupla: o download para uso pessoal não constitui crime, como não é crime compartilhar música na internet sem lucro. Quanto mais circulam as idéias, mais um país cresce livre”. Entusiasmado também o presidente da Liga Norte, Roberto Maroni: “É uma sentença revolucionária: estabelece o princípio de que a música é de todos. De agora em diante, baixá-la da internet não poderá ser considerado ilegal.”

Mas naturalmente são completamente diferentes as reações de quem, profissionalmente, cuida de proteger o direito dos autores. O presidente da SIAE (Sociedade Italiana dos Autores e Editores) Giorgio Assumma rapidamente falou em “deslize” dos juízes (no original, “ermellini”, ou arminho, material de que é feita a toda dos magistrados), que “dará início a um conflito de porte relevante, porque se multiplicarão os casos de downloads não autorizados”. Assumma critica os juízes da Corte de Anulação por terem considerado como “pessoal” uma troca de arquivos que havia tomado dimensões públicas. E acrescenta: “De acordo com o nosso sistema jurídico, cada troca em si busca uma vantagem economicamente mensurável a favor de todos que a integram. Desta forma, o escambo, ainda que não envolva dinheiro, deve ser considerado lucrativo.” Por isso, assegurou que “o departamento jurídico da SIAE já está preparando a ação adequada para anular os perigosos efeitos da sentença. Não descartamos a possibilidade de agirmos imediatamente em sede legislativa. Não se pode mais permitir aos operadores do direito margem tão ampla de interpretação.”

A ANULAÇÃO – A sentença, contudo, é clara. “A operação de download de conteúdo eletrônico não coincide com a hipótese criminosa pretendida pelos juízes turinenses.” E ainda: “Por intenção de lucro deve entender-se uma finalidade de ganho economicamente apreciável ou de incremento patrimonial da parte dos autores do fato”. Conseqüentemente, no caso dos dois estudantes, “o fato não constitui crime”.

Cláudio Vitalone, presidente da sessão do Conselho que anulou a sentença da Corte de Apelação, explicou: “Estamos nos limitando a salientar o que já estava suficientemente claro no texto da lei. A matéria em discussão é de alto tecnicismo e tem exigido a intervenção legislativa, tanto assim que nos últimos anos o Parlamento tem se voltado mais vezes para o assunto.”

Seja lá como for, a Federação da Indústria Musical Italiana não se preocupa muito: “Não se trata de uma decisão que modifica as normas atuais.” Note-se quantas pessoas a cada dia “baixam-compram” (mais baixam que compram) sucessos populares ou episódios inéditos de séries de tv: numa pesquisa do Corriere.it oitenta por cento dos usuários declararam que baixam conteúdo da internet ilegamente de modo habitual. Neste momento precisam apenas preocupar-se em não incorrerem em uma sanção administrativa (eventualmente).

Os termos

O que é “p2p”?

A sigla quer dizer “peer to peer”, literalmente “ponto a ponto”. O P2P é um tipo de rede que permite que um grupo de pessoas com o mesmo programa permaneçam conectadas e acessem diretamente os arquivos compartilhados.

Banco de dados e softwares:

  • WINMX: programa histórico de compartilhamento de arquivos.
  • LIMEWIRE: programa para conexão a redes públicas e privadas.
  • PIRATES BAY: site para a pesquisa de arquivos de áudio e vide.
  • MININOVA: um dos maiores bancos de dados de torrents.
  • EMULE: software para o compartilhamento de arquivos de áudio e vídeo.

A lei na Itália

A lei que tutela os direitos dos autores é a 633, de 1941.Tem sofrido muitas modificaçõs ao longo dos anos e o advento da internet multiplicou as intervenções do Parmalento. Em particular, no tocantoe às cópias, têm sido constantemente revistos os conceitos “obter vantagem” e “com intenção de lucro”.

No Exterior

A sentença da Anulação evidenciou a necessidade de adequar a lei italiana ao Tratado da Ompi (Organização Mundial da Propriedade Intelectual) sobre direitos dos autores e à diretiva comunitária correlata.

600 milhões de euros, o mercado ilegal de cds e dvds na Itália: em grande parte, difusões online (fonte: Siae)

141 mil, os postos de trabalho que Hollywood denuncia que foram perdidos por culpa da pirataria

500 mil, os filmes que a cada dia são baixados da internet (fonte MPAA – Motion Picture Association of América – , FAPAV – Federazione Anti-Pirateria Audiovisiva)

90 milhões de dólares perdidos pela Universal pela difusão online de “O Incrível Hulk”

Downloads: Sim

  • Lucio Dalla (cantor e compositor) admitiu baixar música da internet
  • Roberto Maroni (advogado e político) é entusiasta da sentença da Anulação
  • Vasco Rossi (cantor e compositor): sua última canção só é encontrada na internet

Downloads: Não

  • Eros Ramazzotti (cantor) é um purista. Contra qualquer forma de piratarai.
  • Pino Daniele (cantor, músico e compositor): música tradicional, comprada em loja.
  • Francesco de Gregori (cantor e compositor) é da velha guarda.

Fonte: Corriere della Sera.

Tradução: Lu – Dia de Folga.

Pena de morte

Desde o último dia sete, data do assassinato bárbaro do menino João Hélio, de apenas seis anos de idade, dois assuntos dominam as atenções da opinião pública e são debatidos em todas as rodas: a redução da maioridade penal e a pena de morte.

Quase ninguém discorda da necessidade de se reduzir a maioridade penal, como forma de coibir a impunidade e diante do fato inconstestável de que muito antes dos 18 anos o adolescente já sabe o que é certo e errado e tem discernimento suficiente para escolher entre uma conduta e outra. Afinal, se aos 16 anos o jovem já pode votar e concretizar diversos atos da vida civil, como o casamento, nada mais justo que pague pelos seus crimes como qualquer adulto.

Já a questão da pena de morte é muito, muito mais polêmica. Defensores e críticos da medida defendem apaixonadamente seus argumentos. Nos últimos dias, tenho conversado com diversas pessoas, cada qual com convicções firmes sobre o assunto. Baseando-me nas opiniões predominantes, montei a enquete ao lado: Pena de morte – contra ou a favor?

Vote na enquete e, se desejar, deixe sua opinião nos comentários a este artigo.

Atenção – algumas regras para os comentários

  • Não comente sobre a questão da pena de morte em outros tópicos. Este artigo foi escrito exclusivamente para isso, então use-o.
  • Respeite as opiniões divergentes. Exponha seu ponto de vista sem ofender os demais. A riqueza da humanidade está na sua infinita diversidade em infinitas combinações (tm StarTrek).
  • Seja educado. Comentários que não sejam escritos com o mínimo de civilidade serão sumariamente apagados. Quem decide o que é “mínimo de civilidade” sou eu, obviamente (isso aqui é um blog, não uma democracia anárquica).
  • Não alimente os trolls.

Mais da Mesma

A última idéia de gênio da Cicarelli é dar uma de joão-sem-braço. Diz que não entrou com ação contra o youtube, que isso é coisa do namorado dela, exclusivamente. Dona Cica dignou-se a vir a público, mais exatamente ao Jornal da Globo exibido no fim da noite de 09 de janeiro, para contar essa história. A repórter pressionou: “Mas essa não teria sido uma decisão tomada pelo casal, você e seu namorado?”. E Cica sustentou: “Não, de jeito nenhum. Se fosse idéia minha também, eu não esconderia meu nome, porque pelo menos poderia ganhar a indenização”.

Bem, essa é a mesma lorota contada pela MTV em seu blog, no meio da tarde. O Cardoso já foi atrás de desmentir e o fez citando o site Consultor Jurídico. Vale a pena ler o texto do Consultor na íntegra, pois há excelente voto divergente (ou seja, em sentido contrário à decisão tacanha do desembargador Ênio), de uma lucidez que nos faz perceber que nem tudo está perdido no judiciário brasileiro:

A análise de qualquer direito fundamental que não considere este novo veículo de comunicação [a internet] será inadequada como forma de traduzir o também novo sentimento jurídico acerca de qualquer tipo de censura ligado às empresas nacionais que mantêm páginas na internet, esta maravilhosa rede de computadores que encurtou todas as distâncias, que fez o tempo passar tão velozmente a ponto de o furo de reportagem da manhã estar envelhecida no começo da tarde, e em que o mundo, com os seus fatos importantes e de interesse geral da sociedade, aparece a um clique na tela do computador pessoal de cada cidadão.

Ignorar esta realidade poderá conduzir, não raro, a uma decisão judicial absolutamente inócua, quase surreal, porque enquanto o mundo todo já viu as imagens e leu as notícias (inclusive guardando-as em seu computador pessoal os que as colecionam), e que continuam espalhadas em incontáveis outros sites pelo mundo a fora, acessíveis a qualquer brasileiro, censura-se um provedor brasileiro de manter na sua página eletrônica o que todo mundo já viu e que o mundo inteiro continua mostrando.

Nesse contexto novo, não se pode cogitar de direito à privacidade ou à intimidade quando os autores, apesar de conscientes de serem figuras públicas, em especial a modelo Daniela Cicarelli (e quem a acompanha evidentemente não ignora o fato), se dispõem a protagonizar cenas de sensualidade explícita em local público e badalado como é a praia em que estavam, uma das que compõem o que se poderia chamar de riviera espanhola, situada na Costa da Andaluzia, no município de Cádiz.

Pessoas públicas, cuja popularidade atrai normalmente turistas e profissionais da imprensa em geral, particularmente os conhecidíssimos “paparazzi” da Europa, não podem se dar ao desfrute de aparecer em lugares públicos expondo abertamente suas sensualidades sem ter a consciência plena de que estão sendo olhados, gravados e fotografados, até porque ninguém ignora, como não ignoravam os autores, que hoje qualquer celular grava um filme de vários minutos com razoável qualidade.

O voto continua na página seguinte. O desembargador que o proferiu foi Maia da Cunha. A blogosfera concentrou-se na mazela (o que é natural) e nem reparou nessa voz contrária. Eu mesma só li o voto divergente por acaso, porque cliquei na tal página do Consultor e rolei o texto quase sem querer. Só não digo que o voto divergente foi brilhante porque a questão seria óbvia e pacífica, não fosse a mentalidade estreita do relator do processo. É assim mesmo: o metal polido parece verdadeiro ouro em comparação à feiúra de restos enferrujados. De todo modo, é bom percebermos que há gente competente, lúcida e de visão contemporânea na Justiça brasileira.

Por outro lado, o que acontece no jornalismo? O Jornal da Globo costumava ser o melhor noticiário da emissora. Veiculado num horário menos nobre e, na prática, mais elitista, tinha o hábito de aprofundar matérias e não subestimava a capacidade do telespectador – ao contrário do Jornal Nacional, cujo editor-chefe considera o telespectador tão inteligente quanto o Homer Simpson. Realmente, não sei como anda a linha editorial do Jornal da Globo (não vejo televisão aberta regularmente há tempos), mas deve ter decaído, ou as informações prestadas por Cicarelli teriam sido checadas. Uma simples busca no Google desmentiria a modelo. O Jornal, no entanto, optou por divulgar declarações mentirosas como se verdadeiras fossem. Surpreendente. Ou talvez não.

Segredo de justiçaVai ver que as assessorias de imprensa da Cicarelli e da MTV (espero que estejam na mão da mesma pessoa – é melhor do que acreditar que dois assessores distintos julgaram que a opinião pública é idiota) tenham pensado que o papinho iria “colar” só porque o processo corre em segredo de justiça, como revela rápida pesquisa no site do Tribunal de Justiça de São Paulo (clique na imagem ao lado para ampliar). Esqueceram-se de que a pesquisa por nome da parte e algumas consultas ao Google impediriam o anonimato.

Aliás, pra alguém que estava tão à vontade na praia espanhola, a modelo e pretensa apresentadora anda bem tímida agora.

Cicarelli, censura e a estupidez da Justiça brasileira

O fato tem sido amplamente debatido na web em geral e na blogosfera em particular: graças à modelo e dublê de apresentadora Daniella Cicarelli, o acesso ao youtube tem sido bloqueado por diversos provedores. Primeiro foi a Brasil Telecom, mas Telefônica já aderiu à medida e é provável que outros provedores tomem o mesmo caminho. Alegam cumprimento de decisão judicial que proíbe a veiculação do vídeo de Cicarelli e seu namorado aos amassos numa praia espanhola.

Cabem tantas considerações a respeito que nem sei se me lembrarei de todas, mas vamos lá.

1. A essa altura do campeonato, todo o mundo (literalmente) já viu o vídeo (que nem é lá essas coisas). Proibir, agora, não poderia ser mais inócuo.

2. O assunto já tinha esfriado. Tendia ao esquecimento. Internet é assim mesmo, dinâmica, e o que era o assunto do momento num dia é mera lembrança no dia seguinte. Mas dona Cica fez questão de requentar a coisa toda. Agora, aguenta: o vídeo tem sido mais procurado do que nunca, inclusive por estrangeiros, que ouviram falar da rídicula proibição da Justiça brasileira.

3. Rídicula, sim, porque faltou, no mínimo, conhecimento técnico. Existem mais repositórios de vídeos além do youtube. Ademais, é possível baixar o vídeo via torrent ou p2p. Como disse o Cardoso, caiu na internet, esqueça.

4. Ou reavive. Claro, essa é sempre uma opção. Quem garante que a Cica não lucra com essa super-exposição, no melhor estilo “falem mal, mas falem de mim”?

5. Caminhando para o lado da teoria da conspiração, quem sabe se não é própria Cicarelli quem está fazendo os uploads constantes do tal vídeo para o youtube, apenas para lucrar um troco extra? Ou, ainda, quem pode assegurar que essa jogada não vá ser usada no futuro para derrubar um site que não agrada a fulaninho ou beltraninho? (Essa teoria estendida da conspiração não saiu da minha cabeça, mas do blog Charles? Que Charles?.)

6. Ainda sobre o rídiculo de toda a situação, o judiciário brasileiro está sendo motivo de chacota lá fora. Quer se envergonhar? Dê uma olhada no Digg. Tem muito comentário imbecil, mas há vários pertinentes, também.

7. E mais: quer mesmo processar alguém, Cicazinha? Processe quem fez o vídeo. Vá à Justiça brasileira, peça que sejam expedidas cartas rogatórias para cumprimento na Espanha e espere sentada.

8. O sentido da decisão judicial (por mais errada que fosse), não era tirar o youtube do ar, mas apenas o vídeo da dona Cica. Seria tão díficil assim implantar um filtro que evitasse que o nomezinho lindo da Miss Bocão retornasse o vídeo-pomo-da-discórdia (se bem que, do jeito que brasileiro é criativo, logo surgiriam apelidos…)? Claro que capar o acesso todo é mais simples e, quem sabe, tremendamente útil aos provedores. Afinal, a economia de banda ao proibir o acesso dos usuários a um concorrido site de vídeos é enorme – o IDG Now! mencionou essa questão.

9. Finalmente, e mais importante: isso aqui por acaso é uma China, em que só se admitiu a entrada do Google após a empresa se submeter a uma rígida política de censura sobre os links retornados a cada busca de usuário?! Cadê a liberdade de expressão, pelamordedeus??

Não me venham com papos sobre direito de imagem e o escambáu. Conheço os argumentos de cor e salteado, e o fato é o seguinte: pessoa pública tem um direito à imagem deste tamanhozinho quando se trata do que faz em lugar público (Chico Buarque sofreu as conseqüências disso recentemente, só pra citar um exemplo). Quer privacidade? Vá para um motel. Se um paparazzo invadir o quarto, ou se uma câmera escondida gravar imagens, aí cabe processo e o diabo. Agora, na praia? Faça-me o favor. Aceite o risco pelo seu comportamento, Daniella, colha os louros do destaque que isso lhe rendeu e feche a boca.

Engraçado é que, no Brasil, ela estaria sujeita à lei penal por atentado violento ao pudor. Como praticou o ato na Espanha, onde tal norma não existe, a engraçadinha sente-se à vontade para posar de ultrajada. A questão, aqui, não é simplesmente o bloqueio do youtube, mas começa antes, no julgamento de mérito da ação. Sopesamento errado de valores foi o que houve, para dizer o mínimo.

Além do problema da censura, repudiada por 9,5 entre 10 pessoas, há o prejuízo causado a todos que usam o youtube para armazenar e divulgar vídeos relativos a suas atividades profissionais. Nesse caso, além do mero aborrecimento, tem-se perda econômica. Quem responderá por isso? Dona Cica? O judiciário? Os provedores de acesso?

Se eu fosse cliente da Brasil Telecom ou da Telefônica, depois dessa mudaria de provedor, no mínimo. Quem pode dizer qual será o próximo ato de desrespeito cometido contra seus usuários por essas operadoras?

Atualização: o bloqueio ao youtube acabou de ser suspenso (por volta das 14h de hoje) pelo mesmo desembargador que concedeu a tal liminar (cujo interesse inicial, como ele próprio frisou, era bloquear o acesso ao vídeo da Cica, não a todo o site). Leia mais no IDG Now! (“decisão pioneira” o caramba!, arbitrária e inconstitucional, isso sim!). A íntegra do despacho está também no IDG Now! e, por si só, mereceria outro artigo para rebatê-la, mas deixa pra lá.

Apenas pra finalizar: o desembargador afirma que “o incidente serviu para confirmar que a Justiça poderá determinar medidas restritivas, com sucesso, contra as empresas, nacionais e estrangeiras, que desrespeitarem as decisões judiciais. Nesse contexto, o resultado foi positivo.” (item 3). O magistrado deveria manter-se melhor informado: descobriria que a medida foi completamente inútil, pois bastou o bloqueio começar a vigorar para que diversos sites divulgassem formas de burlá-lo. O Meio Bit indicou duas alternativas. É bom guardamos essas dicas para posterior consulta…