Filmes favoritos em fevereiro e março de 2024

Recentes

The Greatest Night in Pop (2024): documentário sobre a criação e gravação de “We Are the World”. Interessante pela reunião de artistas e emocionante pela nostalgia.

Pobres Criaturas (2023): Bella não tem pudores em usar os homens e o sexo para conhecer a si mesma e ao mundo, sem se submeter a eles.

Anatomia de uma Queda (2023): eu não esperava ver o cachorro mais fofo de todos os tempos da última semana. A dúvida é: o júri na França é mesmo aquele circo todo?

Priscilla (2023): o ponto de vista (nem sempre claro) de Priscilla durante seu relacionamento com Elvis Presley, abusivo para dizer o mínimo. Excelente reconstituição de época.

Ficção Americana (2023): um escritor negro não se conforma com os estereótipos da ficção sobre os negros e se vê envolvido por eles. Irônico até o fim. Merecidamente levou o Oscar de melhor roteiro adaptado.

Matar um Tigre (2022): documentário sobre o estupro coletivo de uma garota de 13 anos em um vilarejo indiano e a luta por um precedente judicial que condene esse tipo de crime. Pesado.

Minha Vida de Abobrinha (2016): animação fofa de massinha/stop-motion sobre um garoto que perde a mãe e encontra amizade e amor em um abrigo de órfãos.

Amor (2012): um casal de idosos é ativo e feliz, até que a esposa sofre um derrame e o prognóstico não é bom. Devastador.

Rock Brasília – Era de Ouro (2011): documentário sobre o surgimento das bandas de punk rock no fim dos anos 70 em Brasília, com foco em Legião, Paralamas, Capital Inicial e Plebe Rude.

Direto do Túnel do Tempo

Uma Noite sobre a Terra (1991): as aventuras de cinco taxistas durante uma noite ao redor do globo. O esquete do Benigni foi o mais fraco pra mim, mas a internet discorda.

O Esqueleto da Sra. Morales (1960): um pacato taxidermista é diariamente importunado pela esposa e se mantém surpreendentemente calmo, até que um dia… Muito divertido.

A Um Passo da Eternidade (1953): fui pela clássica cena do beijo na areia, me apaixonei pelo Pewitt. Papel bonito, melancólico. Bônus: Frank Sinatra.

Onde assistir: https://www.justwatch.com

Filmes favoritos em outubro de 2022

Recentes

Prisioneiros (2021): o tema é o trabalho em condições análogas à escravidão e o subtexto é o homem sendo lobo do próprio homem. Rodrigo Santoro excelente. A sonoplastia ruim tira uma estrela do filme. 4 estrelas

Argentina, 1985 (2022): nem todo herói usa capa, e o promotor Julio Strassera está aí para provar, assessorado por uma turma de jovens dedicados. A história real do julgamento de nove militares que governaram a Argentina durante a ditadura. Emocionante. 5 estrelas

Uma Garota de Muita Sorte (2022): entre o presente e o flashback, a história traumática de Ani é contada. Algumas cenas podem ser consideradas fortes, mas o filme está longe de ser apelativo. Dica da @smiletic. 4 estrelas

Kung Fu Panda (2008): animais fofos e uma história bem contada – como não gostar? Menção especial para a cena do Po disputando o último dumpling com seu mestre. 5 estrelas

O Nevoeiro (2007): um nevoeiro denso cai sobre uma cidadezinha, e coisas horripilantes se escondem, prontas a atacar. Baseado em uma novela do Stephen King, é um desses casos em que o filme é melhor que o livro. 4 estrelas

Direto do Túnel do Tempo

Nos Bastidores da Notícia (1987): uma produtora percebe que o telejornalismo está se vendendo ao puro entretenimento. Um repórter talentoso não é promovido por não ser midiático. Um âncora bonito e burro é bem-sucedido. Divertido e crítico ao mesmo tempo. 4 estrelas

Viagem ao mundo dos sonhos (1985): três garotos constroem uma espaçonave e vivem aventuras muito loucas. Filme infantil, mas divertidíssimo, há tempos eu não ria tanto com um filme. Um achado que a @soterradaporlivros me apresentou. 5 estrelas

Gandhi (1982): quase documental, narra os esforços de Gandhi para tornar a Índia um país independente e unificado. Eu desconhecia várias coisas, daí ter achado o filme interessante. 4 estrelas

Filmes: os melhores de abril de 2022

De volta à programação normal, mesclando filmes antigos e recentes. Meu favorito do mês foi um antigo, o que tem acontecido com certa frequência.

Para saber onde assistir, baixe o app JustWatch, já que volta e meia alguns filmes desaparecem ou migram de streaming.

Recentes

Frida (2002): acabo de decidir que tudo que seja deste século é “recente”. Eu sabia da relação conflituosa de Frida Kahlo com Diego Rivera, mas foi excelente ter uma ideia mais completa da artista, da sua obra, das suas dificuldades e experiências. Não ganha 5 estrelas por ser falado em inglês com sotaque, péssima escolha. Em compensação, manda bem no elenco, na fotografia e no figurino. 4 estrelas

Suspeita (2019): filme tcheco para a televisão (o título original é “Klec”). Uma idosa solitária é procurada por um sobrinho distante e se sente ouvida e acolhida como há muito não se sentia, mas o sobrinho não é o que parece. 4 estrelas

O Mistério de Henri Pick (2019): uma jovem editora encontra um manuscrito soberbo em uma biblioteca especializada em guardar textos rejeitados. Mas quem teria rejeitado um livro tão bom? Um crítico literário fica intrigado, ainda mais quando descobre que o autor não costumava escrever (nem ler). Dramédia bem conduzida. 4 estrelas

Os Rapazes da Banda (2020): Nova Iorque, 1968. Um grupo de amigos gays se reúne para celebrar o aniversário de um deles. Um antigo colega de faculdade (hétero) do anfitrião aparece e gera conflito. Bom, na verdade o conflito já estava lá, só esperando um pretexto. Ressentimentos, inveja, crises existenciais… Mistura explosiva. Comecei pelo Jim Parsons e pelo Zachary Quinto, fui fisgada pelo roteiro. 4 estrelas

O Golpista do Tinder (2022): sucumbi ao hype e sim, o documentário é ótimo. Também é um tanto deprimente, especialmente pelo final. A ingenuidade de algumas vítimas é surpreendente e a audácia de uma delas é coisa de cinema. 4 estrelas

Direto do Túnel do Tempo

O Terceiro Homem (1949): um homem resolve investigar a morte de um velho amigo e aos poucos descobre que esse amigo não era exatamente flor que se cheirasse. Excelente suspense, com trilha sonora conhecidíssima. 5 estrelas

Quem tem medo de Virginia Woolf? (1966): um professor universitário frustrado e sua esposa, a filha do diretor mais frustrada ainda, travam conhecimento com um jovem professor casal. Segue-se uma sucessão de jogos cada vez mais violentos emocionalmente. 4 estrelas

Paixão Pagu – a autobiografia precoce de Patrícia Galvão

Paixão Pagu - capaPatrícia Galvão, mais conhecida como Pagu, é mais que uma escritora modernista. Em Paixão Pagu, ela narra seus mais íntimos pensamentos, seus conflitos e tormentos, desnudando uma mulher à frente da sua época, feminista (embora nem se usasse ainda o termo), determinada e, ao mesmo tempo, insegura e perdida. Em busca de ideais superiores, deixa-se atrair pelas promessas do então nascente movimento comunista. Pelo partido, Pagu abandona a família, arrisca a vida, se prostitui, dá-se de corpo e alma à causa operária. No partido tem suas primeiras decepções em relação ao comunismo, que aumentam ainda mais quando tem a chance de ver a real situação na China e na União Soviética. Percebe que tudo não passava de um sonho vazio, de promessas vãs. Percebe que o comunismo apenas perpetua a exploração dos mais fracos pelos mais poderosos – que, aqui, não são os capitalistas, mas os líderes do partido. Troca-se uma injustiça social por outra ainda mais severa.

Isso tudo está em Paixão Pagu, livro que, originalmente, era uma longa carta escrita por Pagu para seu marido, enquanto estava presa (pela segunda vez) por atividades comunistas durante o governo de Getúlio Vargas. Na carta, Pagu fala da sua iniciação sexual, aos 12 anos, da primeira gravidez, aos 14, da primeira decepção amorosa, do casamento sem amor com Oswald de Andrade, das traições do marido. Menciona sua admiração inicial pelos intelectuais da época (no Brasil e na Argentina), seguida de um profundo desprezo. Narra, principalmente, sua paixão de primeira hora pela causa comunista, sua entrega incondicional, os constantes e perversos sacrifícios a que foi submetida pelo partido, até enfim perceber as mentiras, a falácia, o vazio dos discursos pelos quais teria dado a vida se lhe fosse pedido.

A carta acaba assim, envolta em decepção na Rússia socialista. A vida de Pagu continua ao lado de Geraldo Ferraz (esse sim, um casamento com amor e confiança). Nos anos seguintes à sua libertação, Pagu escreveu crônicas e romances, trabalhou em jornais e continuou na política, sendo candidata a deputada estadual de São Paulo pelo Partido Socialista Brasileiro em 1950. Parece, contudo, que jamais encontrou paz. Tentou se matar em 1949, e novamente em 1962, já muito doente (morreria no mesmo ano, de câncer).

O livro é o relato apaixonado de uma mulher que, se tivesse nascido uns 30 anos mais tarde, seria libertária como Leila Diniz. Na época em que viveu, foi sobretudo infeliz.

Trechos

Eu procurava. Sem saber o quê. Sem nada esperar. Alguma coisa que me absorvesse com certeza. Um nervosismo intenso me levava a expansões físicas. Fazia esporte. Nadava quase todo dia para exaurir-me. Tinha momentos de grande enternecimento junto de meu filho. Mas eu repelia esses momentos. Eu sofria muito, desconhecendo a causa desse sofrimento. Uma noite, andei pelas ruas vazias, chorando; depois, muitas outras noites. (p. 74)

Contei-lhe minhas apreensões sobre Rudá [primeiro filho de Pagu], que soubera estar novamente com pneumonia. Estava angustiada, mas sabia que não deixaria Santos naquele momento. R. sorria. O sorriso clássico dos que chamamos proletários intelectualizados, que só mais tarde percebi não conter apenas desprezo pela pequena burguesia. R. tinha as feições que o partido dava a seus militantes depois de algum tempo. Adquire-se o hábito da atitude comunista, como se familiariza com a nomenclatura convencional. Em grande parte devido à hierarquia moral que os próprios militantes constroem, eu também respeitei como novata esse estigma de superioridade. Cada pensamento meu que não fosse forte e calmo me enchia de vergonha.
Foi com um tom de infinito desprezo que R. atacou o que designava como aviltante sentimentalismo. E com toda a vontade de atingir arranjou essas palavras:
– E se seu filho morresse hoje?
Senti apenas que estava muito quente e pude responder:
– Os filhos dos trabalhadores estão morrendo de fome todos os dias. O importante é a nossa tarefa de agora.
Por que falei assim? Senti como falseados os meus sentimentos. Estava também principiando a formar atitudes. Odiei-me pela cretinice e desonestidade comigo mesma. (p. 83)

Qualquer descrição é inútil. Quem se tinha por revolucionária só poderia ver um terço da população chinesa vivendo nos juncos dos rios. Eu tenho pudor da realidade da China. É tudo tão miseravelmente absurdo, que eu nunca tive coragem ou ânimo de narrar o que encontrei ali. A mentira, a fábula grotesca me horroriza pelo ridículo e eu mesma penso que tudo que vi foi mentira. (p. 144)

Boris tinha ido comprar bombons, que eu queria para meu filho, e eu o esperava num canto da Praça Vermelha do Kremlin. Examinava as construções essencialmente russas, admirando o serviço de trânsito, dirigido por mulheres uniformizadas magnificamente. Estava interessada pelos dólmãs brancos e pelo garbo espontâneo de seus movimentos, quando senti que me puxavam o casaco. era uma garotinha de uns oito ou nove anos em andrajos. Percebi que pedia esmola. Que diferença das saudáveis crianças que eu vira na Sibéria e nas ruas de Moscou mesmo. Os pés descalços pareciam mergulhar em qualquer coisa inexistente, porque lhe faltavam pedaços de dedos. Tremia de frio, mas não chorava com seus olhos enormes. Todas as conquistas da revolução paravam naquela mãozinha trêmula estendida para mim, para a comunista que queria, antes de tudo, a salvação de todas as crianças da Terra. E eu comprava bombons no mundo da revolução vitoriosa. Os bombons que tinham inscrições de liberdade e abastança das crianças da União Soviética. Então a Revolução se fez para isto? Para que continuem a humilhação e a miséria das crianças? (p. 150)

Ficha

  • Título original: Paixão Pagu: a autobiografia precoce de Patrícia Galvão
  • Organizador: Geraldo Galvão Ferraz
  • Editora: Agir
  • Páginas: 159
  • Cotação: 3  estrelas
  • Encontre Paixão Pagu.