Livro: Billy Summers

Livro da vez: Billy Summers, de Stephen King.

Billy Summers é um matador de aluguel e meu primeiro pensamento quando comecei o livro foi “não faltava mais nada, agora vou torcer por um matador de aluguel” – porque a gente sempre acaba torcendo pelos protagonistas do King.

Para aliviar a consciência (do personagem e do leitor), Billy só mata homens ruins. E este é seu último trabalho. A grana é boa e ele vai se aposentar. Mas… há algo de errado nesse trabalho, e Billy pressente isso desde o começo.

Esse não é um livro típico de Stephen King. Não há monstros, fantasmas ou outros elementos sobrenaturais. Por outro lado, esse é um livro muito típico de Stephen King se você, como eu, virou fã do escritor não exatamente por causa das tramas, mas dos personagens. Em Billy Summers, há os flashbacks que geram familiaridade, os dilemas interiores e as contradições que estão presentes nos melhores trabalhos do rei. Billy é apaixonante. Mas ei, não pense que a trama não é boa! É sim, bem amarradinha e com umas guinadas surpreendentes.

Uma excelente porta de entrada para quem nunca leu nada do King e, ao mesmo tempo, uma história certeira para agradar os Leitores Fiéis.

Estrelinhas no caderno: 5 estrelas

Fortaleza Digital

Fortaleza Digital - capaEste livro não é apenas o mais chato do Dan Brown: é também o mais chato que li nos últimos tempos.

O centro da história é a divisão de criptografia da NSA, a Agência de Segurança Nacional do governo norte-americano, e seu supercomputador TRANSLTR, capaz de quebrar a criptografia de qualquer email em poucos minutos – até que surge um novo código de criptografia que parece inquebrável. A chave para a sobrevivência do TRANSLTR e da segurança nacional está na Espanha, e para lá é enviado David, um professor universitário e par romântico de Susan, funcionária da NSA.

O livro divide suas páginas entre uma perseguição absolutamente inverossímil na Espanha (que serve pra quê, mesmo?) e muito blá blá blá teórico com a profundidade de um pires na NSA. Nenhuma das partes convence ou entretem. A encheção de linguiça é tão forte que você pode fazer uma leitura diagonal pelos capítulos sem perder uma fração do sentido geral.

Nem as reviravoltas típicas de Dan Brown são suficientes para capturar a atenção. Aliás, mesmo o enigma final do livro (um ponto forte das obras posteriores do escritor – este é seu primeiro livro) é ridículo: o leitor mata a charada em dois minutos e fica observando os supostos gênios da criptografia da NSA debaterem-se em soluções obviamente erradas pelas próximas dez páginas.

De bom, no livro, apenas o conhecimento extra que se pode adquirir sobre a história da criptografia – eu não conhecia a história do quadrado perfeito de César, por exemplo. Só que isso não é suficiente para fazer valer a leitura.

Ficha

  • Título Original:  Digital Fortress
  • Autor: Dan Brown
  • Editora: Sextante
  • Páginas: 330 (uma enormidade para esse livro)
  • Cotação: 1 estrela
  • Encontre (mas não compre!) Fortaleza Digital.

Morto até o Anoitecer

Morto até o Anoitecer - capaDas coisas bizarras do (meu) mundo: embora adore histórias de vampiros e seriados de qualquer tema, nunca vi a série True Blood (apesar de ter ouvido falar muito bem). Imagine, então, a minha surpresa quando descobri que Morto até o Anoitecer é o livro que deu origem à série! Descobri isso há, digamos, cinco minutos, quando fui atrás da imagem da capa do livro para ilustrar esse texto…

A protagonista (e narradora do livro) é Sookie Stackhouse, uma garçonete de 25 anos e… telepata. Sua capacidade de ler mentes a faz passar por maluca aos olhos de boa parte da população de Bon Temps, a cidadezinha em que vive. Por isso, e por exigir de Sookie um enorme autocontrole para não se deixar invadir pelos pensamentos alheios, ela vê sua habilidade mais como um incômodo do que como um dom.

Fascinada por histórias de vampiros, Sookie anseia por encontrar um ao vivo e a cores, numa época em que eles andam livremente entre os humanos (embora haja desconfianças de ambos os lados) e alimentam-se de sangue sintético. Bem, um dia, um vampiro realmente aparece no bar em que ela trabalha. Para sua completa felicidade, Sookie descobre-se incapaz de ler a mente do estranho, o que é um verdadeiro alívio, já que pode relaxar sua guarda mental.

Então, quando tudo está indo bem, assassinatos começam a acontecer na pacata cidade… e mais não conto, para não estragar a história.

Provavelmente não começaria a ver True Blood se dependesse desse livro. Não que a história seja ruim… achei-a mal escrita, isso sim. Uma ótima ideia, mal executada. O vocabulário é pobre e a trama demora um bom tempo (sem trocadilho) para fisgar o leitor. Seu mérito é que, quando finalmente o fisga, não larga mais. O suspense é bem conduzido e peguei-me tentando adivinhar a identidade do assassino – e falhei miseravelmente. As surpresas que o livro reserva fizeram-no subir no meu conceito. E aí entra o velho questionamento: será que ele é mal escrito mesmo, ou será que foi mal traduzido? Afinal, peguei um “replace” traduzido como “recolocar” (quando o certo seria “substituir”) e outros erros primários que dão mesmo margem à dúvida.

De qualquer forma, Morto até o Anoitecer não é uma obra-prima e não se compara aos primeiros livros de Anne Rice, por exemplo, mas é diversão garantida (e muito melhor que as últimas crônicas vampirescas de Rice, muito). É o primeiro de uma série de, até agora, onze livros. Há mais um prometido para 2012. Publicado em 2001, é anterior à série Crepúsculo e, comparando o livro de Charlaine Harris ao primeiro filme da saga de Stephenie Meyer (cujo livro não li), Morto até o Anoitecer é muito mais interessante, menos adolescente e até um pouco sombrio.

Ficha

  • Título original: Dead until Dark
  • Autor: Charlaine Harris
  • Editora: Prestígio
  • Páginas: 314
  • Cotação: 3  estrelas
  • Encontre Morto até o Anoitecer.

As Esganadas

As Esganadas - capa

Em seu quarto romance, Jô Soares retoma sua fórmula: um crime (ou melhor, uma série de crimes), um pano de fundo histórico (dessa vez, o momento escolhido é o Estado Novo, especificamente 1938), personagens reais desfilando ao lado dos fictícios e muitas risadas.

As Esganadas não segue a ordem natural dos livros de suspense, em que o leitor passa a história tentando descobrir quem é o assassino. Jô revela rapidamente o nome e a motivação do psicopata que odeia gordas, mas isso não tira a graça do livro. Ao contrário, o divertido é observar o delegado Mello Noronha às voltas com o mistério, auxiliado pelo português Tobias Esteves (pesonagem à la Sherlock Holmes), pela jornalista Diana de Souza e pelo fiel escudeiro Valdir Calixto.

As aventuras desse quarteto rendem ótimos momentos. Além do humor de tipo (afinal, há um personagem português!), Jô Soares abusa da ironia e do humor sutil, que numa leitura rápida até passa batido. De quebra, faz uma crítica ao preconceito da sociedade

Alguns dos personagens históricos são Aleister Crowley, Filinto Müller, Fernando Pessoa, Maria Clara Machado e, claro, Getúlio Vargas. É inevitável aprender ou recordar algo de História. Como sempre, possuir um pouco de cultura geral ajuda bastante a curtir os livros do Jô. Em certos momentos, ele até exagera nas explicações históricas, quebrando o ritmo da leitura, mas sempre é possível aproveitar esses trechos para aprender algo.

Não espere, no entanto, um livro denso. As Esganadas é leve (sem trocadilho), agradável (apesar dos crimes meio nojentos) e perfeito para as férias.  É muito mais engraçado que Assassinatos na Academia Brasileira de Letras (o mais fraco de todos) e mais dinâmico que O homem que matou Getúlio Vargas, sendo meu segundo livro favorito do Jô – só perde para o imbatível O Xangô de Baker Street.

 Trechos

A funerária Estige passara de pai para filho desde a Guerra do Paraguai. Seu bisavô enriquecera devido a um contrato feito com o governo, sem licitação, intermediado pela namorada de um funcionário ligado ao gabinete do Ministério da Guerra. Tal contrato cedia exclusividade para o funeral dos soldados não identificados mortos no conflito. O escândalo da negociata fora abafado quando a imprensa descobriu que havia um número maior de enterros do que de combatentes mortos. (p. 18)

 

– O senhor é evangélico? – pergunta o curioso Calixto.

– Não, sou agnóstico.

– Agnóstico? O que é agnóstico?

– É um ateu cagão – define Mello Noronha, à sua maneira. (p. 47)

 

Existe um preconceito velado contra a obesidade. Na verdade, dificilmente os homens o sentem. Podem ser gordos inteligentes ou ricos ou oferecerem tantos outros atrativos. Quem sofre o problema com maior intensidade são as mulheres. As mulheres gordas. O leitor pode se escandalizar com o uso da palavra gorda. Os eufemismos mais comuns são: cheinha, forte, grande e, o mais ousado, gordinha.

Geralmente, acham que a gorda (odeio a palavra obesa) não tem força de vontade. Nem caráter. Nem vergonha na cara. A gorda é um pária; o excesso de peso, um divisor de águas. O próprio adjetivo é um palavrão. Ninguém se importa com o sofrimento ou com a humilhação da gorda.

Acham que ela é gorda porque quer. Observem o olhar triste das moças gordas varrendo as vitrines da moda. Os figurinos são para as magras. Alguns vendedores ainda informam sem se alterar: “Aqui é só pra pessoas normais, madame”. E a gorda se afasta engolindo o ultraje. Restam-lhe as lojas especializadas ou as costureirinhas de bairro. Para mim, anormal é o tratamento do vendedor.

A obesidade é democrática, não faz diferença de classe. Há gordas ricas e gordas pobres. Todas sentem a mesma reprovação silenciosa da sociedade. Existem gordas belas, mas, se a beleza é notada, há sempre um apêndice ao comentário: “O rosto é lindo. Pena que seja gorda”. (p. 95-96)

 

– Ser gordo ou se achar gordo são duas coisas diferentes – afirma Tobias Esteves. – Minha alcunha em Lisboa, junto aos colegas da delegacia, era Gordo; no entanto, não me acho gordo.

– O senhor não é gordo, é só um pouco baixo pro seu peso – declara o diplomático Calixto. (p. 107)

 

– É verdade, doutor Noronha – anima-se Calixto. – Terceiro lugar, numa Copa do Mundo, lá na Europa. Não é nada, não é nada…

– Não é nada – arremata Tobias Esteves, com sua lógica arrasadora. (p. 126)

 

A obra inicia com um prelúdio de cento e trinta e seis compassos representando o fluxo eterno do rio. Dura cerca de quatro minutos. Em sua autobiografia, Wagner menciona que a ideia surgiu quando estava sonolento num quarto de hotel, na Itália. Não esclarece se o prelúdio despertou-o ou fê-lo dormir de vez. (p. 187-188)

 

– Imenso prazer em revê-la e, se o marido me permite o elogio, linda e elegante como sempre.

– Nem tanto. Preciso perder dois quilos.

Tobias Esteves pontifica sobre o assunto:

– Senhora dona Yolanda, se me permite, sua declaração tem uma característica universal. Toda mulher do mundo acha que precisa perder dois quilos. O que disse já foi repetido em todas as demais línguas faladas no dito mundo civilizado. Sabe como a mulher chega a esta conclusão? Observando-se nas fotos. No espelho, ninguém se vê como realmente é. Diante do espelho, acontece uma correção inconsciente do corpo, e ela apresenta o melhor ângulo de si mesma. Numa fotografia, as pessoas aparecem chapadas no papel. Ninguém faz de si uma imagem real. Nos achamos um pouco melhores do que somos. Por isso é tão comum ouvir-se a frase: “estou horrorosa nesta foto!”. Geralmente, não é verdade. De modo que posso garantir à senhora, dona Yolanda, que a sua beleza é irreprochável.

– Muito obrigada, seu Tobias, mas a verdade é que eu preciso perder dois quilos. (p. 218)

Ficha

  • Título: As Esganadas
  • Organizador: Jô Soares
  • Editora: Companhia das Letras
  • Páginas: 262
  • Cotação: 4 estrelas
  • Encontre As Esganadas.
Este texto faz parte do Desafio Literário 2011, cujo tema em dezembro são lançamentos de 2011. Conheça o Desafio Literário.