Flores Azuis

Resenha de hoje: “Flores Azuis”, de Carola Saavedra.

Duas histórias cruzadas: uma mulher que envia cartas ao ex após o fim abrupto da relação; um homem recém-divorciado que se mudou para o apartamento daquele ex e resolve abrir as cartas.

A mulher, que assina apenas como “A”, indica já nas primeiras linhas que o relacionamento era abusivo, violento. O recém-divorciado, Marcos, não vê sua filha de três anos como uma criança, mas como mais uma mulher manipuladora, em sua vida. Nenhuma das histórias “de amor” narradas no livro é saudável, nenhum dos protagonistas é equilibrado.

A tensão é suavizada pela alternância das narrativas e por ser uma história curta, menos de 160 páginas. A prosa flerta com o fluxo de consciência, mas insere elementos suficientes do mundo externo para facilitar a leitura. É livro para uma manhã ou tarde, com um desfecho que se abre a múltiplas interpretações. A sensação de incômodo perdura além da leitura, pelo infeliz realismo das histórias e por ser impossível gostar dos protagonistas.

Estrelinhas no caderno: 3,5 estrelas

As Viagens de Gulliver

Livro da vez: “As Viagens de Gulliver”, de Jonathan Swift, leitura coletiva do #projetoexploradores, organizado por @soterradaporlivros@tinyowl.reads@chimarraoelivros e @fronteirasliterarias.

Esperava um livro infantil e, considerando que foi lançado em 1726, cheio de descrições maçantes. Fui surpreendida com um livro interessantíssimo – e para adultos.

Gulliver é um médico muito louco que se mete em muitas aventuras. Não sossega nem depois que casa e tem filhos. Conhece um país de pessoas em miniatura (o famoso Lilliput), outro de gigantes, um cuja capital é uma ilha voadora pronta a esmagar os súditos e, finalmente, um país em que os cavalos são os seres racionais.

A cada viagem, sua crença inicial nas virtudes superiores da Inglaterra é mais e mais abalada. O autor abusa da ironia em críticas mordazes ao parlamento, ao sistema de classes, ao direito, às ciências, à arrogância típica dos ingleses. Considerando a época em que o livro foi escrito, é bastante progressista ao criticar preconceitos e defender que as mulheres tenham a mesma educação formal dos homens.

No Brasil, a maioria das edições é adaptada para crianças e tem apenas as duas primeiras viagens. Na Amazon você pode baixar gratuitamente uma edição com as quatro viagens e um português bastante agradável (boa tradução, sem ser rebuscada nem simplista).

Fico pensando o quanto uma criança de oito ou dez anos – a quem supostamente o livro se destina – é capaz de entender da obra. Se você leu na infância, leia de novo. Se nunca leu, afaste o preconceito e viaje nessas aventuras.

Estrelinhas no caderno: 5 estrelas

Com Sangue

Livro da vez: “Com Sangue”, o mais recente livro de Stephen King, lançado pela @editorasuma. São quatro contos excelentes, e não posso deixar de comentar: que capa maravilhosa!

Em “O telefone do Sr. Harrigan”, o pré-adolescente Craig é contratado por um velho ricaço para ler para ele diariamente, e dessa relação surge uma amizade que continua ao longo do tempo, de forma inusitada. King aproveita para relembrar o surgimento do iphone e a popularização da internet.

“A vida de Chuck” é contada em três atos, mas de forma inversa, começando pelo final. Uma forma incomum de falar sobre morte e, mais que isso, sobre a abrangência da vida.

“Com Sangue” está mais para novela, em razão do tamanho, e dá spoilers massivos dos livros “Mr. Mercedes”, “Achados e Perdidos” e “Outsider”, que não li ainda (a @soterradaporlivros me avisou e ignorei o aviso por minha conta e risco). Nessa história de suspense, a detetive particular Holly Gibney percebe algo estranho durante a cobertura jornalística de um atentado e resolve seguir seu faro, colocando-se em risco.

Em “Rato”, King revisita um velho clichê de suas obras, o professor de inglês e escritor. Drew é um escritor frustrado que acha que dessa vez conseguirá completar um romance e pra isso decide se isolar em uma cabana da família, mas claro que nada será tão simples assim. Acho que, apesar do clichê, foi meu conto favorito.

Na verdade é bem difícil escolher um favorito. King parte de vidas comuns para incorporar o elemento fantástico, e faz isso com perfeição, entregando histórias redondas com finais ótimos. Livro imperdível.

Estrelinhas no caderno: 5 estrelas

Coisas Boas de Setembro

Se agosto passou voando, setembro se arrastou. Foi um mês marcado por trabalho e stress, e o comecinho de outubro não está muito melhor.

Por outro lado, foi um mês em que consegui ler muito: dez livros no total, marca que raramente atinjo (a última vez foi em janeiro, e antes disso não lembro de ter conseguido em nenhum momento desde a adolescência). A responsável foi a @soterradaporlivros, que comemorou o próprio aniversário e o de Star Trek com a maratona #JornadaLendoSciFi e me indicou uns livros ótimos para as categorias criadas por ela para a maratona.

Um outro evento contribuiu para o volume de leitura. Em meados de agosto, o youtube resolveu que não mandaria mais emails avisando de novos vídeos. Sou inscrita em diversos canais, de aulas de francês a lettering, passando por cultura pop, café e vinho. Geralmente, tomava o balde de café matutino em companhia dos vídeos, o que me tomava entre meia e uma hora por dia. Como não recebo mais os avisos por email, acabei perdendo o hábito, e esse tempo foi direcionado para a leitura. Resultado: reclamei muito quando o youtube parou de enviar as notificações por email, mas agora estou até achando bom.

Livro favorito: vou destacar A Curva do Sonho, de Ursula K. Le Guin, e All Systems Red, de Martha Wells. O primeiro é um clássico da ficção científica e uma verdadeira “viagem”: George Orr é um cara que tem “sonhos efetivos”, ou seja, que transformam a realidade; ninguém acredita e ele acaba encaminhado a um psiquiatra para tratamento, mas o psiquiatra mais atrapalha que ajuda. O segundo livro (ainda sem tradução no Brasil) é na verdade uma novela cuja protagonista é uma unidade de segurança biomecânica autointitulada “murderbot” que hackeou o próprio sistema e passa as horas vagas vendo seriados – pode não parecer, mas é uma personagem muito carismática.

Filme favorito: entrei numas de ver filmes antigos depois de um agosto cheio de filmes recentes e entediantes. Nada de Novo no Front (1930) merece destaque: o filme acompanha adolescentes alemães que largam a escola para lutar na Primeira Guerra Mundial em busca de honra e aventura. O que encontram, claro, é fome e morte – além da consciência de que o “inimigo” é alguém como eles próprios. É baseado no livro de mesmo nome de Erich Maria Remarque. O falecimento da juíza da Suprema Corte norte-americana Ruth Bader Ginsburg me motivou a assistir On the basis of sex (disponível na amazon prime video), que conta o início da sua carreira e é interessantíssimo.

Série favorita: nada de novo nesse front – estou revendo (pela terceira vez) Gilmore Girls.

Bônus: você conhece o Coursera? É uma plataforma de cursos online, vários deles grátis e com excelente conteúdo. Para quem entende inglês, é um prato cheio, já que todas as aulas têm legenda e transcrição nesse idioma. Se não é o seu caso, ainda assim vale a pena dar uma olhada, porque há bastante conteúdo em português e em outros idiomas. Já fiz alguns cursos na plataforma e em setembro comecei e terminei o curso Human Rights for Open Societies, que recomendo.