Livro: Noite do Oráculo

Livro da vez: Noite do Oráculo, de Paul Auster.

Uma história com uma história dentro com outra história dentro. Um escritor em recuperação após quase ter morrido encontra um caderno diferente em uma papelaria e volta a escrever, contando a história de um editor que recebe uma história pra ler… as tramas se misturam, mas não chegam a confundir o leitor.

Esse mesmo escritor está tentando colocar a vida em ordem com a esposa, reorganizar as finanças, retomar atividades e amizades depois de meses hospitalizado. Tudo isso adiciona camadas extras de drama a um livro que, embora curto, é bastante denso, guarda algumas reviravoltas e deixa perguntas no ar.

A escrita é interessante e absorvente. Noite do Oráculo se passa em Nova Iorque e a cidade é tema recorrente na obra de Auster.

Foi meu primeiro do Paul Auster, escritor que há tempos queria explorar, certamente não será o último.

Indico para quem curte tramas reflexivas e que incorporam hábitos e geografias locais na narrativa.

Estrelinhas no caderno: 4 estrelas

Livro: Órbita de Inverno

Livro da vez: Órbita de Inverno, de Everina Maxwell.

Kiem, um dos vários príncipes da família real de Iskat, é obrigado a se casar com Jainan, um diplomata de Thea, após a morte de Taam, primeiro marido de Jainan. O arranjo é fundamental para a manutenção do tratado entre os dois planetas e para a estabilidade de várias outras alianças planetárias. Contudo, mesmo após a união a paz e a segurança desse sistema é posta em risco.

Quase abandonei o livro nos primeiros 20%. A ambientação é fraca, bem fraca. A ficção científica é mero pano de fundo, um pano tão fino que é praticamente uma gaze e seria melhor nem existir. Além disso, a tradução me incomodou muito (coisa rara, não costumo me irritar com traduções). Então, segui os conselhos da @soterradaporlivros: peguei o texto original e passei a ler sem levar a história a sério. Aí a coisa funcionou.

Órbita de Inverno é um romance, no fim das contas, no sentido estrito. Ficção científica passou longe. A construção do universo ficcional é pobre. O que importa mesmo é o relacionamento entre Kiem e Jainan e os benefícios que esse casamento forçado pode trazer não só para o sistema planetário, mas principalmente para os dois, amadurecendo-os e ajudando-os a superar traumas. De quebra, temos Bel, assistente de Kiem e a melhor personagem do livro (além de funcionar como alívio cômico).

A trama tem o ritmo e o descompromisso de uma fanfic. Aliás, lendo os agradecimentos finais a gente descobre que o livro nasceu no AO3, maior/melhor reduto de fanfics das interwebs. Se for lida com essa leveza, a história compensa e coloca um sorriso na cara do leitor em vários momentos (e é bem mais divertido que Justiça Ancilar, livro pretensioso com que Órbita de Inverno volta e meia é comparado).

Indico para quem procura uma leitura ligeira, de férias/praia.

Estrelinhas no caderno: 3 estrelas

Filmes favoritos em julho de 2022

Comecei a usar o Letterboxd, organizando os filmes vistos em listas separadas por meses e por serviços de streaming. Se quiser seguir, é lumonte. Vale lembrar que os filmes mudam de serviços de streaming e a forma mais fácil de pesquisar é usando o JustWatch (às vezes até lá está errado, mas ainda é a melhor opção).

Recentes

O Mauritano (2021): a história real de um sujeito que passou anos preso em Guatanamo, acusado de envolvimento com o atentado de 11/09. Bônus: Benny Cumberbatch.

Homem-Aranha: Sem Volta para Casa (2021): provavelmente o melhor filme do MCU. Divertido, dinâmico, sem longas e tediosas cenas de batalha. Valeu a pena ver os dois primeiros (que são bons, aliás) para chegar nele.

Escrevendo com Fogo (2021): documentário sobre mulheres dalit (intocáveis, a mais baixa casta indiana) que tocam um jornal local, superando preconceitos e ganhando cada vez mais relevância. O pano de fundo é a ascensão supostamente democrática de um governo fundamentalista.

Medida Provisória (2020): me lembrou O Conto da Aia e a Margaret Atwood falando que não inventou nada do que está naquele livro. Bem conduzido, tenso e assustador porque não apresenta um realidade impossível.

Marjorie Prime (2017): para ajudar Marjorie a superar o luto, um holograma atua como se fosse o marido recentemente falecido. Ficção científica sobre morte, memória e família.

Direto do Túnel do Tempo

Paris, Texas (1984): Wenders (que depois dirigiu Asas do Desejo) usa cores vivas que me fizeram pensar em Bergman e planos abertos que lembram Sergio Leone para contar um mistério: por que Travis desapareceu, abandonando o próprio filho, e o que aconteceu com a mãe da criança?

Luzes da Ribalta (1952): Chaplin faz um comediante em decadência socorre uma jovem à beira da morte e a ajuda a reequilibrar-se sobre suas pernas. Filme sensível e triste.

Festim Diabólico (1948): Hitchcock começa esse suspense extraindo dele todo o mistério, já que sabemos quem morreu e quem matou. A tensão se desenvolve na festa que acontece logo após o assassinato, com um aceno a Crime e Castigo.

Este mundo é um hospício (1943): Cary Grant deixa de lado o papel de galã e protagoniza uma comédia física hilariante.

Livro: Movimento 78

Livro da vez: Movimento 78, de Flávio Izhaki.

No fim do século XXI, há dois candidatos à presidência do mundo: uma inteligência artificial chamada Beethoven e o humano Kubo. As pesquisas apontam que a IA é franca favorita. No último debate antes das eleições, Kubo tenta convencer a audiência de que é melhor ser governado por humanos imperfeitos do que por máquinas frias.

Como em Bolo Preto, que resenhei outro dia, a narrativa é fragmentada, mas aqui funciona porque há um fio condutor claro, um propósito. Entre uma pergunta e outra do debate eleitoral, o livro apresenta o passado de Kubo, suas heranças familiares e flashes de como a humanidade chegou ao ponto de cogitar entregar seu futuro a robôs (claramente O Exterminador do Futuro não existe na realidade desse livro).

Movimento 78 é a melhor ficção científica nacional que já li. A escrita é cuidadosa, a língua portuguesa é respeitada (coisa rara em autores contemporâneos nacionais), os personagens são bem construídos e eu me vi interessada não só no destino político da Terra, mas nas histórias pessoais. Boa ficção científica é isso: foco nos personagens e nas suas motivações, não bordões engraçadinhos ou descrições mirabolantes.

Minha única queixa é o pequeno número de páginas. Eu gostaria de mais tempo na companhia de Kubo e sua família.

Indico para quem está à procura de boa literatura nacional contemporânea, gostando ou não de ficção científica.

Estrelinhas no caderno: 5 estrelas