Livro: Por Lugares Devastados

Livro da vez: Por Lugares Devastados, de John Boyne.

O que aconteceu com a família alemã que vivia ao lado do campo de concentração em O menino do pijama listrado? Boyne responde a pergunta nesse livro, narrado por Gretel, filha daquele importante oficial nazista, que tinha apenas 12 anos na época dos acontecimentos narrados no primeiro livro.

Gretel narra a própria história e os capítulos se alternam entre flashbacks e o tempo presente. No presente, ela tem 91 anos e leva uma vida confortável em Londres, mas a chegada de novos vizinhos e seu próprio filho ameaçam perturbar seu sossego. No passado, é uma adolescente tentando sobreviver após a derrota da Alemanha, fugindo dos fantasmas.

Gretel se torna uma mulher sempre na defensiva, o que se reflete na história: o drama permeia todo o livro e há uma ou duas cenas realmente fortes, mas a narrativa é quase fria, reflexo da blindagem que a protagonista impôs às próprias emoções e lembranças. Por baixo dessa frieza há um turbilhão de dores e culpa que não passam despercebidos ao leitos.

O livro provoca reflexões sobre os horrores do nazismo, a cegueira deliberada, a culpa dos filhos pelos erros dos pais, o direito de seguir em frente e as relações familiares. Apesar do tema sombrio, a leitura é fluida e Gretel é uma boa companhia.

Nota: 5 estrelas

Livro: Primeira Pessoa do Singular

Livro da vez: Primeira Pessoa do Singular, de Haruki Murakami (via netgalley).

É complicado resenhar livros de contos porque dificilmente todos têm a mesma qualidade ou despertam os mesmos sentimentos. Nos oito contos desse livro, o ponto de contato é o narrador em primeira pessoa, um homem claramente bem-sucedido e um tanto obcecado por música clássica e por si mesmo. Seria o alter ego do autor?

O primeiro conto, Sobre um travesseiro de pedra, é um dos mais interessantes, justamente porque o narrador cede um pouco de espaço em favor de uma poetisa misteriosa que conheceu na juventude. Em Nata, a contraparte é uma musicista que de quem o leitor pouco chega a saber, que serve como pretexto para reflexões adolescentes sobre o sentido da vida.

Charlie Parker Plays Bossa Nova é bem-humorado. Em With the Beatles vemos novamente o narrador usar as memórias que guardou de uma adolescente para falar de si mesmo e de sua relação com a música.

Coletânea de poemas Yakult Swallows é o mais intimista – e monótono – da coletânea. Em Carnaval, de novo o recurso a uma mulher misteriosa para que o narrador possa falar de si mesmo.

A confissão do macaco de Shinagawa é o texto mais interessante do livro, de um absurdo surrealista e, ao mesmo tempo, convincente. Primeira pessoa do singular fecha o livro e também tem um tom surrealista, até mais forte que o anterior, mas o desfecho me agradou menos por acrescentar um elemento desnecessário a um sonho que já bastava por si.

Em resumo: gostei muito de dois ou três contos, fiquei entediada em outros dois ou três. A leitura valeu a pena para ter um primeiro contato a obra do autor, e provavelmente buscarei um de seus romances no futuro, mas não estou com pressa.

3 estrelas

Livro: The World We Make

Livro da vez: The World We Make, de N. K. Jemisin. Segundo livro da duologia The Great Cities (Grandes Cidades). O primeiro está disponível em português com o título Nós Somos a Cidade, que resenhei aqui.

No primeiro livro, somos apresentados a Neek, o avatar da cidade de Nova York, e seus parceiros (por falta de palavra melhor), que personificam os bairros da cidade, tão diferentes e complementares entre si. Também aprendemos que cidades podem nascer e ser guiadas por seus avatares, fenômeno que já dura milhares de anos mas teve sua marcha diminuída recentemente, graças a uma força sobrenatural determinada a matar as cidades ainda no nascedouro.

The World We Make conclui a saga retratando a luta dos avatares de NYC para se entenderem e trabalharem juntos e, principalmente, para convencerem as cidades mais antigas de que o Inimigo também as ameaça. Jemisin caracteriza brilhantemente as diversas pessoas/cidades que apresenta e, no caso dos bairros de NYC, dá a cada um identidades e vozes próprias e marcantes.

O livro se perde em alguns momentos em descrições que lembram videogame, mas o foco nas vidas pessoais dos avatares manteve o meu interesse. A resolução do conflito é magistral. A duologia é bem diferente de outras sagas da autora que já li (A Terra Partida e Dreamblood), já que é baixa fantasia. Jemisin brilha nas sagas de alta fantasia, mas Grandes Cidades não fica muito atrás.

Se você puder, sugiro a leitura em inglês para não perder as sutilezas de linguagem de cada um dos personagens, não tão bem incorporadas na tradução do primeiro volume.

4 estrelas

Livro: A Longa Marcha

Livro da vez: A Longa Marcha, de Stephen King.

O adolescente Ray Garraty resolve participar da Longa Marcha, uma competição com cem adolescentes que devem caminhar por tanto tempo quanto conseguirem. Se pararem ou reduzirem a velocidade, recebem uma advertência, e três advertências levam ao “bilhete azul”, eliminando o concorrente. Ao vencedor, promete-se um grande prêmio.

O livro é a epítome do ditado “o que importa é a jornada”. Acompanhamos Garraty e vários dos participantes, sofremos e nos cansamos com eles, e ganhamos vários questionamentos ao final. A história é dramática e por vezes deprimente. O suicídio é um subtexto permanente.

King escreveu A Longa Marcha aos 18 anos. É seu primeiro livro, embora não o primeiro a ser publicado (que foi Carrie, em 1974). A Longa Marcha foi publicada em 1979 sob o pseudônimo de Richard Bachman, mas estão lá vários dos elementos que marcam a escrita do rei, como a construção detalhada de personagens e o Maine como pano de fundo.

Lido em março, no #lendoKing, grupo de leitura coletiva da @soterradaporlivros e da @seguelendo que já está no seu quinto ano.

Estrelinhas no caderno: 4 estrelas