Os Sete

Os Sete - capaSe eu te dissesse a quantidade de livros sobre vampiros que já li ou que aguardam na estante de casa, você se surpreenderia – e todos adquiridos pré-Crepúsculo, que essa coisa de vampiro do bem não me convence.

Entre os da estante, estão três do brasileiro André Vianco: Os Sete, O Vampiro-Rei Vol. 1 e O Vampiro-Rei Vol. 2 (e nesse momento ouço a voz do Bento Carneiro, o “vampiro brasileiro”). Comecei por Os Sete, meio (ok, muito) receosa. E não é que a história é bacana?

Uma grande caixa de prata guarda há quase 500 anos sete cadáveres. Gravada na caixa, uma mensagem de alerta: “Nobres homens de bem, jamais ouseis profanar este túmulo maldito. Aqui estão sepultados demônios viciados no mal e aqui devem permanecer eternamente. Que o Santo Deus e o Santo Papa vos protejam”. Ainda se lêem sete palavras: Lobo, Tempestade, Inverno, Gentil, Espelho, Acordador e Sétimo. Sete nomes. Os Sete.

Claro que a mensagem é ignorada, claro que o túmulo de prata é aberto e aí começa a aventura por terras riograndenses (com uma passagem por São Paulo). Cada cadáver é um vampiro, cada vampiro guarda um poder especial. A partir daí, os amigos que descobriram o “tesouro”, os estudiosos e o Exército Brasileiro juntam forças para derrotar os demônios.

Não faltam cenas insólitas, apropriadas para um livro de fantasia. A mocinha e o herói também estão lá. O mistério é desvendado gradualmente, sempre preservando-se alguma emoção para as páginas seguintes. Perseguição, luta e suspense fecham o pacote desse romance que, se não é sensacional, é bastante honrado, com um bom ritmo e uma escrita fluente (embora merecesse uma pequena revisão). Fiquei curiosa pela continuação, Sétimo, mas só depois de zerar os livros acumulados.

Ficha

  • Título: Os Sete
  • Autor: André Vianco
  • Editora: Novo Século
  • Páginas: 380
  • Cotação: 3 estrelas
  • Encontre Os Sete.
Este texto faz parte do Desafio Literário 2011, cujo tema em julho são novos autores. Conheça o Desafio Literário.

Gota D’Água

Gota D'Água - edição de 1975.
Edição de 1975.

Há vários anos, vi uma montagem amadora de Gota D’Água. Lembro de ter achado interessante, mas não me senti realmente tocada pela peça. Ler o texto, porém, foi uma experiência completamente diferente. Eu, que não gosto de ler peças teatrais, vi-me presa àquelas páginas, percorrendo a mesma espiral de sofrimento de Joana, a protagonista.

Gota D’Água é trágica desde a sua inspiração: a tragédia grega Medéia, de Eurípedes. Chico Buarque e Paulo Pontes contextualizaram o drama clássico, situando seus personagens num cortiço do Rio de Janeiro, cercados pela pobreza e dotados de uma determinação quase instintiva de continuar seguindo em frente. Jasão é um deles, até o dia em que emplaca um samba na rádio, começa a fazer sucesso e passa a namorar Alma, filha de Creonte, o poderoso dono do cortiço. Encantado por promessas de juventude e riqueza, Jasão abandona Joana (a Medéia contemporânea), quinze anos mais velha que ele, mãe dos seus dois filhos, sem a qual ele provavelmente não teria passado de um joão-ninguém.

Todos os moradores do cortiço são envolvidos no drama amargo de Joana, seja a seu favor ou contra ela – e às vezes mudando de opinião conforme as circunstâncias. No fundo, porém, Joana está sozinha, entregue à própria amargura.  O desfecho dramático é inevitável. Resta ao leitor segurar o fôlego, esperando a morte.

Como Calabar, Gota D’Água é toda escrita em versos, cadenciando a leitura, e tem poucas marcações de palco que a atrapalhem. Seu enredo, porém, é muito mais denso, mais concreto e, portanto, mais emocionante. É difícil ler de um só fôlego uma trama tão sombria.

Ao lado do drama humano, Gota D’Água traz uma crítica social, retratando um cenário em que os ricos ficam cada vez mais ricos às custas dos pobres, que empobrecem um pouco mais a cada dia. A edição que li traz um prefácio um tanto extenso (às vezes tedioso) em que os autores discorrem sobre a desigualdade de classes gerada pela selva de pedra capitalista. Boa parte do que ali está escrito já se encontra superada, seja por novas correntes políticas, seja pela História; contudo, o texto é uma espécie de retrato intelectual do momento pelo qual passava o Brasil nos anos 70 e, sob esse aspecto, é interessante.

A peça, por sua vez, é um retrato atemporal das misérias humanas e mantém sua atualidade ao longo das décadas, como Medéia se mantém atual século após século.

Eis a música que dá título ao livro: Gota D’Água.

Ficha

  • Título original: Gota D’Água
  • Autores: Chico Buarque e Paulo Pontes
  • Editora: Civilização Brasileira
  • Páginas: 168
  • Cotação: 4  estrelas
  • Encontre Gota D’Água.
Este texto faz parte do Desafio Literário 2011, cujo tema em junho é peça teatral. Conheça o Desafio Literário.

Calabar

Calabar - edição de 1975.
Edição de 1975.

Não sou fã de ler peças teatrais. Embora adore ir ao teatro, a leitura das peças sempre me pareceu enfadonha, constantemente interrompida pelas marcações de palco. Foi, portanto, com um certo desânimo que encarei o Desafio Literário de junho. Para animar-me, resolvi vasculhar na estante do Sr. Monte e tive a grata surpresa de encontrar dois livros que habitam a casa dos meus pais desde que me entendo por gente: Calabar e Gota D’Água, peças escritas por Chico Buarque.

Calabar aproveita um acontecimento real: a ocupação de Pernambuco pelos holandeses, durante parte do século XVII. Tendo passado minha adolescência em Recife, estava familiarizada com os personagens históricos, inclusive com aquele que dá título ao livro: o traidor, o vira-casaca que, passando para o lado da Holanda, transmitiu informações decisivas para suas vitórias sobre o exército luso-brasileiro, prolongando a ocupação. Os livros didáticos não aprofundam a participação de Domingos Fernandes Calabar. Não se sabe se ele traiu o império português por mágoa, dinheiro ou idealismo (porque, de fato, a ocupação holandesa resultou num período próspero para Pernambuco, então constantemente deixada de lado pelos próprios portugueses). Provavelmente, nunca saberemos.

Chico Buarque e Ruy Guerra desgarram-se da História oficial em sua peça e dedicam-se mais a Bárbara, suposta esposa de Calabar que, após a morte do amado, entra em cena doída, arrasada, descrente da vida e da justiça. Bárbara defende que Calabar traiu Portugal por ideologia – em última análise, por amor ao Brasil. Esse é o ponto de vista que predomina no livro, que não à toa tem o subtítulo de “o elogio da traição”. Aos olhos de Bárbara, Calabar é um herói, um homem corajoso que morreu por um sonho. Em oposição, os militares luso-brasileiros são soldados cegos guiados por ordens que não questionam, morrendo por verdades alheias. Calabar, portanto, é superior a todos eles.

Bárbara divide a cena com Anna de Amsterdam, prostituta acostumada a perder no jogo do amor, que tenta consolá-la. Aqui, nota-se a grande qualidade de Chico Buarque: colocar os mais belos textos nas bocas das mulheres, como fez em várias de suas canções. É impressionante como o compositor entende a alma feminina.

Um grande mérito da peça é sua estrutura em versos. A prosa poética torna o texto ligeiro, ritmado. As interrupções para marcações de cena, felizmente, são raras. É o tipo de livro que se lê “em uma sentada”.

O ponto fraco é a despreocupação com a continuidade histórica, o que pode confundir o leitor. Ainda assim, é uma boa forma de ter contato com esse período fundamental na história da ex-colônia: é para combater os holandeses (e, finalmente, expulsá-los) que se forma, pela primeira vez, o exército brasileiro.

Para saber mais sobre a ocupação de Pernambuco pelos holandeses, o verbete Invasões holandesas no Brasil é um bom começo.

Três músicas da peça: Bárbara, Tatuagem (minha favorita) e provavelmente a mais famosa desta obra, Não existe pecado ao sul do Equador.

Ficha

  • Título original: Calabar – o elogio da traição.
  • Autores: Chico Buarque e Ruy Guerra
  • Editora: Civilização Brasileira
  • Páginas: 97
  • Cotação: 3  estrelas
  • Encontre Calabar.
Este texto faz parte do Desafio Literário 2011, cujo tema em junho é peça teatral. Conheça o Desafio Literário.

1808

1808 - capa do livroHistória era minha matéria favorita na escola. De fato, até quis ser historiadora por um tempo (e depois, arqueóloga; depois, socióloga – mas essa já é outra história). Assim, é claro que não poderia deixar passar 1808, livro que despertou apenas elogios quando foi lançado. Quando vi que se enquadra como livro-reportagem (segundo o próprio autor, na página 24), percebi que era a chance perfeita de finalmente lê-lo, dentro do Desafio Literário; e digo que não só li, mas devorei suas páginas.

1808 é um livro fácil, despretensioso, ligeiro e interessantíssimo. Laurentino Gomes não construiu um texto propriamente linear, mas estruturado em capítulos curtos, cada qual dedicado a um tema: ora volta-se para a colônia, ora retorna ao Reino de Portugal sitiado pelos franceses, depois descreve Carlota Joaquina, ou D. João VI, ou outros nomes desconhecidos dos livros didáticos de história (como o Padre Perereca), para então tratar da queda de Napoleão, e assim por diante. O resultado é um livro cheio de personagens instigantes e fatos curiosos, todos bem situados na história, mas que nem por isso se tornam uma sucessão enfadonha de genealogias e datas. Seria formidável se os adolescentes pudessem estudar História do Brasil e Geral em livros desse tipo (apesar de adorar História, lembro bem da chateação que era a decoreba exigida por alguns professores), embora entenda que essa ideia é um tanto utópica.

Em linhas gerais, todos conhecem o tema: a família real portuguesa foi acuada pelo império napoleônico, fugiu para sua principal colônia e iniciou um período de prosperidade para o Brasil, simbolizado principalmente pela abertura dos portos (ainda que a única beneficiária, de início, tenha sido a Inglaterra). São os detalhes que importam: as crônicas de costumes, as observações dos estrangeiros que para cá vieram, os hábitos e vícios dos colonos e dos colonizadores. A corte real portuguesa era antiquada, praticamente medieval, carola e sem sofisticação(como, de resto, era o povo que governava); numerosa e tendo saído às pressas da Europa, precisava de tudo ao chegar à colônia. Os brasileiros eram vulgares, sem modos, sujos (com suas casas e ruas, mas muito dedicados ao asseio do próprio corpo), incivilizados e incultos. Tiveram inúmeras propriedades confiscadas para atender aos interesses da família real, o que poderia ter desencadeado uma revolta, mas já ali mostravam sua tendência a levar tudo na piada, fazendo graça de suas próprias desgraças. Se eram explorados pelo colonizador, também levavam vantagem aumentando preços e angariando títulos de nobreza, numa toma-lá-dá-cá que é bem conhecido ainda nos dias de hoje. Não ganharam refinamento de uma hora para a outra, mas um polimento superficial foi dado aos costumes e à cidade do Rio de Janeiro, com alargamento de vias, cuidados com lixo e esgoto e iluminação pública. Afinal, a sede de um império europeu não podia continuar tão desmazelada.

Particularmente chocante é o capítulo que trata da escravidão: os maus-tratos, a grande taxa de mortalidade e os castigos brutais sofridos pelos negros trazidos da África não são desconhecidos de quem estudou História, mas são apresentados em riqueza de cores e exemplos em 1808, dando forma aos relatos frios dos livros tradicionais e às placas em museus que ainda hoje guardam instrumentos de tortura.

É justo dizer que brasileiros e portugueses se viam com recíproca desconfiança, mas acabaram aliando-se, ajudando-se mutuamente e beneficiando-se dos treze anos em que a corte portuguesa esteve no Rio de Janeiro. Apesar dos desmandos, da parasitagem e da corrupção (ah, os problemas que até hoje perduram), apesar da volta atabalhoada a Portugal ter custado o erário brasileiro, apesar de toda a exploração, o estabelecimento do governo de D. João VI no Brasil promoveu uma unidade à colônia que talvez não fosse conquistada de outra forma. Como destaca Laurentino Gomes, aí começou a formação da identidade brasileira.

Para o bem e para o mal.

Ficha

  • Título original: 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil.
  • Autor: Laurentino Gomes
  • Editora: Planeta
  • Páginas: 414
  • Cotação: 5  estrelas
  • Encontre 1808.
Este texto faz parte do Desafio Literário 2011, cujo tema em maio é livro-reportagem. Conheça o Desafio Literário.