Scoop – O Grande Furo

Sondra: Você sempre vê o copo meio vazio.
Sidney: Ao contrário, eu sempre vejo o copo meio cheio – de veneno!

Ficha Técnica

Scoop. EUA, 2007. Drama. 96 minutos. Direção: Woody Allen. Com Hugh Jackman, Scarlett Johansson, Ian McShane, Woody Allen.

Uma estudante de jornalismo (Scarlett Johansson) busca o furo de sua vida, envolvendo-se com um aristocrata inglês (Hugh Jackman).

Mais informações: Adoro Cinema.

Comentários

3 estrelas

Seria demais esperar que o filme de Woody Allen que se seguisse a Match Point alcançasse o mesmo brilho. Scoop guarda semelhanças com seu antecessor (ambos se passam em Londres e contam com Scarlett Johansson, nova musa do diretor), mas não o supera – nem se aproxima disso.

Não que não mereça ser visto. Até porque filme de Woody Allen é como pizza: até quando é ruim, é bom. E Scoop está longe de ser ruim. Em tempos em que não se diferencia vulgaridade de humor, o cineasta é um alento. Scoop, como seus outros filmes, vem recheado de humor negro, brincando, inclusive, com a morte – algumas das cenas mais engraçadas se passam na barca de Caronte, fazendo rir pelo simples fato de terem um cenário tão surrealista.

Allen também atua no filme, hábito deixado de lado desde Igual a Tudo na Vida. O mágico picareta Sidney Waterman, neurótico e inseguro, cai como uma luva para o diretor. São de Sid as tiradas mais sarcásticas do roteiro.

Como bônus, espectadores e espectadoras podem se beneficiar de dois belos colírios para os olhos: a sensual-mas-inocente Scarlett Johansson e o homem-pra-mais-de-metro Hugh Jackman. Além de belos, interpretam muito bem seus papéis.

Woody Allen parece tão à vontade com seu próprio talento e com a legião de fãs que conquistou que não se sente obrigado a fazer uma nova obra-prima por ano. Scoop é assim, descompromissado. Uma história divertida, sem lições de moral, sem grandes ensinamentos ou construções geniais, perfeita para ser assistida num fim de tarde tranqüilo.

O Cheiro do Ralo

Ficha Técnica

Brasil, 2006. Comédia. 112 minutos. Direção: Heitor Dhalia. Com Selton Mello, Paula Braun, Lourenço Mutarelli, Flávio Bauraqui, Fabiana Guglielmetti, Sílvia Lourenço.

Lourenço (Selton Mello), dono de uma loja que compra e vende objetos usados, vê-se em apuros após ter que se relacionar com uma de suas clientes, que julgava estar sob seu controle.

Mais informações: Adoro Cinema.

Comentários

5 estrelas

Parece que os filmes nacionais sempre vêm sob rótulos: antes, era o cinema novo, depois foi a pornochanchada. Recentemente, a comédia de situação. Não que haja algum demérito em seguir padrões de sucesso a cada época. Por outro lado, é agradável ver um filme ignorar tendências e crescer por si mesmo. É o caso de O Cheiro do Ralo.

Quem espera uma comédia como O Auto da Compadecida ou O Coronel e o Lobisomem, dois outros filmes que têm Selton Mello como protagonista, pode começar a rever seus conceitos. Em O Cheiro do Ralo, a comédia anda de mãos dadas com o drama e o papel de Selton Mello é bem diferente daqueles em que o público está acostumado a vê-lo.

Lourenço é um sujeito misantropo e taciturno. Sua interação com outros seres humanos dá-se na base da compra e venda (ou apenas compra, já que não se vê nada sendo vendido na loja que lhe pertence). Seu olhar sobre as pessoas não é diferente do que lança aos objetos que lhe são apresentados. Não por acaso, nenhum personagem tem nome além do próprio Lourenço. O protagonista coisifica todos que o rodeiam, avalia-os de cima abaixo em busca de alguma utilidade ou função para si próprio. Assim, mantém tudo sob o estrito domínio dos seus interesses – ou quase tudo.

As maiores frustrações de Lourenço são, justamente, as duas únicas “coisas” que não pode controlar: o cheiro do ralo do banheirinho de seu galpão e a garçonete da lanchonete da esquina. Esses elementos se tornam, conseqüentemente, suas grandes obsessões.

O Cheiro do Ralo, em termos visuais, é muito simples – aliás, foi filmado com a cara e a coragem, gastando modestíssimos, 300 mil reais, uma ninharia para um longa-metragem. O que chama a atenção é o discurso. Num filme, espera-se encontrar vários pontos de vista, colocados obviamente ou não. Em O Cheiro do Ralo, a narrativa é toda em primeira pessoa. A câmera acompanha o olhar de Lourenço, com poucos escapes – e, mesmo durante estes, a perspectiva é a de Lourenço. A direção de Heitor Dhalia entrega aos espectadores a idéia de que Lourenço é o centro do mundo, exatamente como lhe parece.

Lourenço guarda inegável semelhança com Mersault, personagem psicopata do livro O Estrangeiro, de Albert Camus. O caráter obsessivo do protagonista de O Cheiro do Ralo contribui, ainda, para aproximá-lo do livro O Processo, em que Joseph K. sente-se torturado por não descobrir as causas que o levaram a ser processado. O existencialismo é a tônica do filme.

Haverá quem critique a produção pelas cenas de nudez – que, realmente, seriam apelativas se não tivessem um contexto, evidenciando ainda mais a coisificação das criaturas. Minha única crítica é que O Cheiro do Ralo tenta se explicar demais, fazendo questão de traduzir em palavras suas idéias. Talvez tantas explicações sejam necessárias para que a história se faça compreender pelo grande público.

O Cheiro do Ralo é daqueles filmes que entrarão para a história do cinema nacional, graças à qualidade de seu argumento e à ousadia de sua equipe.

Merece destaque a atuação de Sílvia Lourenço como uma viciada em desespero. O filme traz, ainda, as participações especiais de Suzana Alves, a Tiazinha, como uma professora de ginástica, e de Paulo César Peréio como a voz do pai da noiva de Lourenço.

Referências

Letra e Música

Ficha Técnica

Music and Lyrics. EUA, 2006. Comédia romântica. 96 minutos. Direção: Marc Lawrence. Com Hugh Grant, Drew Barrymore, Brad Garrett, Kristen Johnston, Haley Bennet.

Alex Fletcher (Hugh Grant) é um decadente astro da música pop, que fez muito sucesso na década de 80 mas que agora apenas se apresenta no circuito nostálgico de feiras e parques de diversão. A chance de mais uma vez fazer sucesso bate à sua porta quando Cora Corman (Haley Bennet), a atual diva do pop, o convida para compor uma canção e gravá-la com ela, em dueto. O problema é que Alex há anos não compõe uma canção sequer, além de jamais ter escrito uma letra de música. Sua salvação é Sophie Fisher (Drew Barrymore), a encarregada de cuidar das plantas de Alex, cujo jeito com as palavras serve de inspiração para Alex.

Mais informações: Adoro Cinema.

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4 estrelas

Atualização em 29.03.2007: a Srta. Bia deu a ótima sugestão de incluir o link para o clip “PoP! Goes My Heart”, sucesso de Alex Fletcher e seu grupo “PoP!” nos anos 80, então aqui está. Fazendo jus ao título do filme, eis também a letra. Advertência: esse clip pode provocar efeitos colaterais, como dancinha, assobios incontidos e incapacidade de esquecer a melodia. Assista por sua conta e risco.

Mais uma comédia romântica, sim. Letra e Música, no entanto, está acima da média do gênero.Alex Fletcher, o personagem de Hugh Grant, fez sua carreira nos anos 80 com uma mistura de Menudo e Sidney Magal que arranca risadas da platéia na casa dos 30 (ou quase) desde a primeira cena. O visual brega, as letras melosas em ritmo de rock, os rebolados característicos da época estão todos presentes. O artista antes bem-sucedido que, no presente, vive melancolicamente do sucesso passado – este é Alex, mas poderia ser uma dezena de cantores da vida real. A sátira aos anos 80 é deliciosa.

A personagem Cora Corman, de Haley Bennet, faz o contraponto como representante da música pop do fim dos anos 90 e que perdura até hoje – aliás, tem-se acentuado. Sucesso meteórico construído com muito mais ênfase em corpos e rostos bonitos que em talento; megaproduções; disputa ponto a ponto na preferência dos fãs adolescentes enlouquecidos, nem que, para isso, seja necessário abrir mão da qualidade e do bom senso – tudo isso soa familiar? Qualquer semelhança com Beyoncé, Britney Spears e outras cantoras da atualidade não é mera coincidência. A crítica especializada tem menosprezado o desempenho de Bennet no filme, mas ela está na medida para o papel de uma cantora pop totalmente inexpressiva e cabeça-de-vento.

No meio de tudo isso, tem-se Sophie (Drew Barrymore), estranha ao mundo da música, mas com vocação e aspirações artísticas. A obviedade do par romântico a caminho não tira a graça de ver Sophie e Alex batendo cabeça, discutindo, bringando e só aos poucos se entendendo. Os diálogos ágeis do roteiro de Marc Lawrence (que também dirigiu e produziu o filme e tem no currículo o engraçado Miss Simpatia e sua continuação), se não produzem gargalhadas estrondosas, mantêm o tempo todo o sorriso dos espectadores e despertam boas risadas ocasionais.

A “química” entre Drew Barrymore e Hugh Grant é patente e fornece a seus personagens aquele ar de cumplicidade essencial para criar um clima de romance. Ambos são calejados no gênero. Grant faz o papel de bom moço como poucos e Barrymore leva jeito para comédia física, com trejeitos, caras e bocas. Juntos, formam um casal bonitinho, ainda que desequilibrado, levando o público a torcer pelo previsível final feliz.

O enredo centrado em música é um elemento extra muito bem-vindo, que contribui para aumentar a empatia do público com a história e a diferencia de outras comédias românticas. É difícil não cantarolar a música-tema. Os atores coadjuvantes Brad Garrett (conhecido como o grandalhão de Everybody Loves Raymond) e Kristen Johnston (que participou da perpétua série E.R. como a antipática chefe de enfermagem Eve Peyton) completam o filme com suas ótimas atuações.

Letra e Música é humor leve, fácil e, ainda assim, de bom gosto. Nada de apelações desprezíveis. Um deleite para quem curte comédias românticas e ainda se lembra dos anos 80.

Borat (ou O Pior Filme de Todos os Tempos)

Ficha Técnica

Borat: Cultural Learnings of America for Make Benefit Glorious Nation of Kazakhstan. Em português: Borat: O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América. 2006. Comédia. 84 minutos. Direção: Larry Charles. Com Sacha Baron Cohen, Ken Davitian, Luenell, Pamela Anderson.

Borat Sagdiyev (Sacha Baron Cohen) é um jornalista do Cazaquistão que deixa o país rumo aos Estados Unidos, na intenção de fazer um documentário. Durante sua viagem pelo país ele conhece pessoas reais, que ao reagir ao seu comportamento primitivo expõem o preconceito e a hipocrisia existentes na cultura americana.

Mais informações: Adoro Cinema.

Comentários

Nenhuma estrela

Em duas palavras: mau gosto.

Borat tem sido estranhamente enaltecido como um filme que denuncia a hipocrisia e o preconceito norte-americanos (a própria sinopse acima afirma isso). No fundo, não passa de uma comédia pastelão tremendamente vulgar.

Humor inteligente é uma palavra desconhecida à equipe do filme: as piadas são tão óbvias e rasteiras quanto as do “clássico” da Sessão da Tarde Porky’s. O riso, da mesma forma, é fácil nos primeiros minutos; em seguida, começa a aflorar um sentimento de “o que estou fazendo aqui?” que aumenta ao longo do filme e culmina num “não acredito que paguei para ver isso!”.

Existem várias formas de escrever uma boa comédia. Pode-se adotar a boa e velha abordagem romântica, como fez muito bem Letra e Música, em cartaz; podem-se usar recursos de animação para contar histórias infantis que divertem, também, os adultos (Shrek já vai para a terceira edição); existem paródias excelentes, como Cowboys do Espaço; e o fino humor negro das comédias de Woody Allen é sempre uma boa pedida. Claro que fazer rir com inteligência não é para qualquer um.

Por outro lado, é muito simples escrever uma comédia de baixo nível. O ator britânico Sacha Baron Cohen, protagonista e roteirista de Borat, escolheu esse caminho. Situações ridículas, freqüentemente humilhantes, às vezes constrangedoras de tão grosseiras, são a tônica do filme. A diversão preferida da equipe é debochar do american way of life e, de quebra, das culturas ocidentais de forma geral, já que o norte-americano não é proprietário dos hábitos do Ocidente. Ou algum povo vizinho acharia corriqueiro ir ao banheiro e guardar as fezes num saquinho, ao invés de simplesmente usar o vaso sanitário e dar descarga?

A pior parte é que Borat ofende profundamente o Cazaquistão, criando a imagem de que seu povo é ignorante, primitivo, imbecil, incapaz de perceber as diferenças culturais que, naturalmente, existem entre o Ocidente e o Oriente. Borat não mostra que, talvez-quem-sabe, uma parte da população seja ignorante, mas que todos os seus habitantes são jumentos – já que “o segundo melhor repórter” do país (teoricamente, pertencente a uma elite intelectual) é tão estúpido, o que esperar dos demais cazaquistaneses?

Não espanta que a diplomacia do Cazaquistão tenha tomado providências para desfazer qualquer má impressão causada pelo escatológico (literalmente) filme. Se o Brasil fosse retratado de forma tão deplorável, seria altamente desejável que o governo tomasse alguma posição. O comportamento retratado no filme equivaleria a afirmar que um dos melhores repórteres brasileiros, em viagem ao Japão, palitaria os dentes com hashi, os “pauzinhos” usados como talheres do outro lado do mundo.

Na verdade, equivaleria a coisa pior, mas fogem-me as metáforas.

Para completar, Borat subestima a inteligência dos espectadores que esperavam estar diante de um filme realmente crítico, não apenas uma produçãozinha de quinta categoria, apelativa e descartável. É frustrante pensar que uma idéia tão boa quanto a crítica à mania ocidental de achar-se melhor que as demais culturas foi jogada, desastrosamente, no lixo.

Talvez, apenas talvez, não seja o pior filme de todos os tempos. Certamente, contudo, foi o pior filme que ganhou destaque favorável na mídia na história da crítica de cinema.