A Noite das Bruxas

Livro da vez: “A Noite das Bruxas”, de Agatha Christie.

Joyce, uma garota chatinha de 13 anos é morta em uma festa de halloweeen numa cidadezinha. Ariadne Oliver, a famosa escritora de mistério, está presente, e pede a Hercule Poirot que investigue o caso. Horas antes de ser morta, Joyce se gabava de ter visto um assassinato anos antes, então a resposta parece simples: quem a matou é o assassino responsável por esse crime antigo. Mas será mesmo? Joyce era famosa por contar mentiras…

Poirot começa a investigar os crimes ocorridos no povoado e se depara com intrigas de ciúmes, jovens rebeldes e testamentos falsificados. Tudo parece muito complicado. Nosso detetive terá sucesso? Spoiler: claro que sim! Quem não teve sucesso fui eu, que caí em pistas falsas, suspeitei por quase todo o livro da pessoa errada e só no fim tive um vislumbre do que podia ter acontecido.

Ariadne se tornou minha segunda personagem favorita da Dama do Crime, adoro todos os livros em que ela aparece. Poirot voltou à esperteza e vivacidade habituais (no livro anterior, “A Terceira Moça”, ele não estava muito animado). Fui feita de trouxa e adorei.

Não faltaram referências a outros livros: “A Extravagância do Morto”, “A Morte da Sra. McGinty” e “Um Gato entre os Pombos”, pelo menos. Existe um agathaverso!

Estrelinhas no caderno: 5 estrelas

Depois

Livro da vez: “Depois”, livro mais recente de Stephen King.

Jamie Conklin é um garoto de seis anos que vê gente morta, mas não exatamente como em “O Sexto Sentido”. Com ele, o morto aparece por pouco tempo, fala por menos tempo ainda e nem sempre está onde se esperaria. A única certeza de Jamie é que, depois de morta, a pessoa não consegue mentir.

Passa o tempo e o Jamie adolescente vê-se obrigado a ajudar Liz Dutton a resolver um crime. Liz é uma policial à beira de perder o emprego que conhece desde pequeno e sabe do seu poder. Essa ajuda trará desdobramentos e Jamie questionará se o que sabe sobre os mortos é mesmo verdade.

O livro é escrito por um Jamie mais velho, de 22 anos, que consegue dar sentido a coisas que não entendia antes e faz questão de lembrar: essa é uma história de terror. Terror, sim, mas em “Depois” King também lança mão do thriller e faz isso muito bem.

As primeiras páginas me soaram estranhas, como se nem tivessem sido escritas pelo King. A narrativa em primeira pessoa e um tanto imatura me incomodou no início, mas a estranheza passou logo, e o estilo é justificado pelo jovem narrador. O ponto de vista de Jamie é o que torna a história emocionante, no fim das contas.

Nem todos os livros de Stephen King são excelentes e uns poucos me desagradaram mesmo, mas “Depois” é maravilhoso, perfeito e sem defeitos.

Estrelinhas no caderno: 5 estrelas

Vestígios do Dia (livro e filme)

Livro da vez: “Vestígios do Dia”, de Kazuo Ishiguro.

Steven, um velho mordomo inglês recorda seus tempos áureos a serviço de um controvertido lorde no período entre-guerras. As recordações se sucedem durante uma viagem pela Inglaterra para encontrar a governanta com quem trabalhou longamente, e com quem espera voltar a trabalhar.

Steven é como um cão fiel – de guarda, não de companhia. Vive para agradar e mal se dá conta das renúncias que fez ao longo dos anos. São sutis as suas demonstrações de emoção, normalmente percebidas por outros e não por ele próprio. A relação com a Srta. Kenton, a ex-governanta, é central no livro e um dos principais pontos de interesse da leitura; o outro é o pano de fundo histórico.

A escrita é penumbrosa, típica de Ishiguro. O autor tem por hábito cativar o leitor aos poucos e emociona não por meio de grandes episódios, cenas apoteóticas ou frases de efeito, mas pelos detalhes da narrativa.

Vi o filme um dia depois de terminar o livro (não, não tinha visto ainda). A fotografia é muito bonita, a reconstituição da época é excelente, as atuações são impecáveis. Fica faltando, porém, a aura brumosa e meditativa do livro. Falta o lento desvelar da mente de Steven. Tudo é mais óbvio e imediato na tela. Provavelmente isso é inevitável, dadas as diferenças entre as mídias, mas o livro sai ganhando por ser mais sutil.

Estrelinhas no caderno: 5 estrelas para o livro, 4 estrelas para o filme.

A Terra Partida

Livro da vez: “A Terra Partida”, trilogia de N. K. Jemisin.

Descobri Jemisin em 2019, começando por “A Quinta Estação”, primeiro livro da trilogia “A Terra Partida”. Só em 2020 li os outros dois. No meio do caminho, li dela “How Long ’til Black Future Month?” e a duologia Dreamblood, que já resenhei aqui, ambos sem tradução. “A Terra Partida”, por outro lado, está todinha traduzida, então você não tem desculpas para não conhecer o trabalho fantástico dessa autora.

Em um mundo que parece a Terra, os orogenes são responsáveis por manter a integridade da superfície, preservando-a de abalos sísmicos devastadores. Por essa habilidade ímpar, são respeitados mas, acima de tudo, temidos e em alguns casos caçados, escravizados e mortos.

No primeiro livro, acompanhamos três orogenes, três mulheres em diferentes fases da vida e com diferentes domínios sobre seus poderes: Damaya, Syenite e Essun. Aos poucos vamos conhecendo esse mundo tão estranho e ao mesmo tempo tão familiar em seu caráter fragmentário, preconceituoso e racista. No fim de “A Quinta Estação”, Syen é provocada a embarcar em uma missão, e o leitor embarca com ela ao longo dos dois livros seguintes, “O Portão do Obelisco” e “O Céu de Pedra”.

A construção de mundos (worldbuilding) é o ponto forte da escrita de Jemisin. Nunca li nada parecido, o que evidentemente causou uma enorme sensação de estranhamento no começo. Essa sensação vai se dissipando graças ao segundo ponto forte da escritora: a criação de personagens complexos e apaixonantes. Você vai amar alguns, vai odiar outros e vai mudar de ideia ao longo da trilogia, mas não vai ficar indiferente às suas histórias. Mundo e personagens se entrelaçam de forma orgânica para contar uma história emocionante, uma das melhores tramas de fantasia que já li.

Estrelinhas no caderno: 5 estrelas