Ritos de Passagem

“Adulthood Rites” (“Ritos de Passagem”), de Octavia E. Butler, foi o sexto (e último) livro da maratona #JornadaLendoSciFi, organizada pela @soterradaporlivros. E que livro.

A história começa um livro antes, com “Dawn” (“Despertar”). Nele descobrimos que a humanidade finalmente conseguiu se destruir e quase destruiu a Terra no processo. A espécie humana foi salva da extinção por uma raça alienígena, os Oankali, que estão recuperando a espécie e o planeta, mas não de graça (eu ia dizer o que eles querem em troca, mas acho melhor que você descubra durante a leitura). Lilith é a primeira humana a ser acordada da animação suspensa pelos Oankali e tem a missão de ser a ponte entre essa espécie estranha e os humanos remanescentes. Se tudo der certo, terá a missão de guiá-los de volta à Terra.

“Adulthood Rites” não se centra em Lilith, mas em Akin, um de seus muito filhos – dela e de outros quatro pais biológicos, entre humanos e Oankali. Não posso falar mais da história sem dar spoilers do primeiro livro. Se “Despertar” pode ser lido isoladamente, “Ritos de Passagem” depende do primeiro da trilogia e deixa um gancho enorme para o terceiro, “Imago”. O gancho é tão grande que acabei emendando a leitura (e nada aconteceu como eu esperava).

“Imago” se passa uns cem anos depois de “Dawn” e demora a engrenar, mas vale a pena. É narrado em primeira pessoa por Akin, outro filho de Lilith, um ser único que terá desafios enormes pela frente.

A Trilogia Xenogênese é o que há de melhor na ficção científica: de um lado, a exploração dos limites da ciência e da criatividade (nunca li nada tão alien e que me causasse tanto estranhamento quanto os Oankali); de outro, indagações que podem ser transportadas para o cotidiano. A mais visível delas é a questão do consentimento, mas a trilogia aborda outros temas profundos, como racismo, eugenia, ecologia e a velha natureza humana. Será que temos conserto? Há esperança para a humanidade?

Os dois primeiros livros já estão traduzidos para o português e “Imago” estava previsto para 2020. Alguma novidade, @editoramorrobranco?

Estrelinhas no caderno: 5 estrelas para os dois primeiros e 4 estrelas para o terceiro.

A Curva do Sonho

“A curva do sonho” foi meu quinto livro da #JornadaLendoSciFi e foi indicação da @soterradaporlivros. E que indicação!

Em um futuro menos distante do que gostaríamos, George Orr tem “sonhos efetivos” – sonhos com o poder de mudar a realidade, inclusive em caráter retroativo, de modo que ninguém mais perceba que a realidade foi alterada.

Não por vontade própria, ele começa um tratamento para tentar resolver suas “alucinações” (é assim que os outros o veem: um sujeito alterado sofrendo de alucinações ou de algum outro distúrbio mental) com a ajuda do Dr. William Harber, que acaba percebendo que Orr não é tão louco quanto pensam.

Esse foi meu segundo livro da Ursula K. Le Guin. O primeiro foi “A mão esquerda da escuridão”. “A curva do sonho” é mais fino e, em certo sentido, mais “fácil” porque os conceitos não são tão alienígenas. Ainda assim, é intrigante. O que é um mundo ideal? Os fins justificam os meios? Quem pode dizer o que é melhor para a humanidade? Perguntas filosóficas se misturam a debates bem concretos e atuais, como as mudanças climáticas e o racismo.

Estrelinhas no caderno: 5 estrelas

To be taught, if fortunate

“To be taught, if fortunate”, é minha segunda leitura da Becky Chambers. Nele, a autora guia o leitor pela exploração de quatro planetas muito, muito distantes – 14 anos-luz distantes da Terra. Foi minha quarta leitura para a maratona #JornadaLendoSciFi, da @soterradaporlivros.

Chambers não perde tempo com technobabble e isso é um dos pontos fortes da sua escrita. Em “To be taught”, ela conta o necessário para entendermos em que pé está a exploração espacial e introduz um conceito fascinante: somaforming, um jeito de adequar o corpo do explorador ao planeta que vai visitar, em vez da velha conhecida terraformação.

Não demora para que o leitor se veja imerso em novos planetas, descritos com precisão e ritmo. A tripulação é pequena, apenas quatro membros, e a história é narrada por Ariadne, a líder da expedição. O livro também é pequeno, cerca de 140 páginas, mas há tempo para a construção de relacionamentos, que é o que Chambers faz de melhor.

Amei o primeiro livro que li da autora, “A longa viagem a um pequeno planeta hostil”, e esperava ter amado “To be taught”, mas não foi bem assim. Gostei do livro, não entenda mal, mas pra mim ele tem dois problemas. O primeiro é que, lá pelas tantas, Ariadne toma uma atitude pouco condizente com a personagem e, se Chambers realmente quisesse aquela cena, poderia ter entregado a outro personagem, com ganho para a trama. O segundo é o final. Detestei o final. Mas veja, eu detestei, você pode curtir. Não é objetivamente ruim. Então, sim, recomendo a leitura.

Estrelinhas no caderno: 3 estrelas

All Systems Red

Terceiro livro da #JornadaLendoSciFi.

Como não ficar interessada em um livro que já traz a frase acima na primeira página?

“All systems red” é narrado por uma Unidade de Segurança – um constructo meio orgânico, meio sintético – mas pode chamar de Murderbot que ela atende. Aliás, ela é “ela” na minha cabeça, mas você pode ler como quiser, já que SecUnits não têm gênero.

A narradora é uma das ferramentas de um contrato de exploração planetária. Ela não escolheu suas atribuições e os clientes para os quais trabalha também não a escolheram. A Murderbot não poderia se importar menos com eles e, embora cumpra suas obrigações, prefere passar o tempo livre mergulhada em seriados – até que as coisas começam a dar errado e os seriados precisam ficar pra depois.

O leitor não recebe muitas informações sobre os demais personagens, nem sobre o que estão fazendo no planeta, o que faz todo sentido: a narradora não se importa, lembra? A história é contada da perspectiva dela, e essa é a grande sacada do livro. É isso que torna uma história até simples sensacional, e um dos melhores livros que li este ano.

Eu me identifiquei com a Murderbot como nem imaginava ser possível, considerando que ela nem é, bem, humana ou viva em sentido estrito. Pelos olhos dela, conheci os outros membros da tripulação e tive os mesmos sentimentos de simpatia/antipatia que ela. Ri com ela e torci por ela.

O livro é fininho, o primeiro de uma série chamada “The Murderbot Diaries”. É uma história fechada em si mesma, você pode ler só ele sem problemas, mas já quero ler os próximos.

Dica preciosa da @soterradaporlivros!

Estrelinhas no caderno: 5 estrelas