Livro: Padre Sérgio

Livro da vez: Padre Sérgio, de Liev Tolstói.

Stiepán Kassátski é excelente em tudo que faz; por outro lado, assim que alcança a excelência, perde o interesse. Quando consegue o reconhecimento de suas habilidades do Exército, e prestes a se casar, resolve entrar para um mosteiro, não movido por uma devoção pura, mas pela vaidade, na intenção de ser uma pessoa perfeita.

Algumas sinopses tratam a história como uma crítica à vida mundana e um elogio à vida religiosa, mas não foi essa a minha impressão. O que Tolstói critica, na verdade, é a vaidade e o orgulho, a vida de aparências e as pessoas que abraçam a vida religiosa por motivações outras que não a piedade ou a caridade. Censura, ainda, a mercantilização da fé e a hipocrisia.

Trata-se de uma novela, ou talvez um conto longo, já que a história não tem nem 80 páginas. O restante do livro é preenchido com posfácios curtos e uma carta dirigida por Tolstói à Igreja Ortodoxa, após ter sido excomungado. A carta é interessantíssima: ao tempo em que frisa sua crença em Deus, o autor desanca os ritos e dogmas cristãos de modo geral e a Igreja Ortodoxa em particular.

Indico para um primeiro contato com o autor, embora não seja uma obra típica dele, como acentua um dos posfácios.

Estrelinhas no caderno: 4 estrelas

Filmes: os melhores de abril de 2022

De volta à programação normal, mesclando filmes antigos e recentes. Meu favorito do mês foi um antigo, o que tem acontecido com certa frequência.

Para saber onde assistir, baixe o app JustWatch, já que volta e meia alguns filmes desaparecem ou migram de streaming.

Recentes

Frida (2002): acabo de decidir que tudo que seja deste século é “recente”. Eu sabia da relação conflituosa de Frida Kahlo com Diego Rivera, mas foi excelente ter uma ideia mais completa da artista, da sua obra, das suas dificuldades e experiências. Não ganha 5 estrelas por ser falado em inglês com sotaque, péssima escolha. Em compensação, manda bem no elenco, na fotografia e no figurino. 4 estrelas

Suspeita (2019): filme tcheco para a televisão (o título original é “Klec”). Uma idosa solitária é procurada por um sobrinho distante e se sente ouvida e acolhida como há muito não se sentia, mas o sobrinho não é o que parece. 4 estrelas

O Mistério de Henri Pick (2019): uma jovem editora encontra um manuscrito soberbo em uma biblioteca especializada em guardar textos rejeitados. Mas quem teria rejeitado um livro tão bom? Um crítico literário fica intrigado, ainda mais quando descobre que o autor não costumava escrever (nem ler). Dramédia bem conduzida. 4 estrelas

Os Rapazes da Banda (2020): Nova Iorque, 1968. Um grupo de amigos gays se reúne para celebrar o aniversário de um deles. Um antigo colega de faculdade (hétero) do anfitrião aparece e gera conflito. Bom, na verdade o conflito já estava lá, só esperando um pretexto. Ressentimentos, inveja, crises existenciais… Mistura explosiva. Comecei pelo Jim Parsons e pelo Zachary Quinto, fui fisgada pelo roteiro. 4 estrelas

O Golpista do Tinder (2022): sucumbi ao hype e sim, o documentário é ótimo. Também é um tanto deprimente, especialmente pelo final. A ingenuidade de algumas vítimas é surpreendente e a audácia de uma delas é coisa de cinema. 4 estrelas

Direto do Túnel do Tempo

O Terceiro Homem (1949): um homem resolve investigar a morte de um velho amigo e aos poucos descobre que esse amigo não era exatamente flor que se cheirasse. Excelente suspense, com trilha sonora conhecidíssima. 5 estrelas

Quem tem medo de Virginia Woolf? (1966): um professor universitário frustrado e sua esposa, a filha do diretor mais frustrada ainda, travam conhecimento com um jovem professor casal. Segue-se uma sucessão de jogos cada vez mais violentos emocionalmente. 4 estrelas

Livro: a saga A Torre Negra

Livro da vez: a saga A Torre Negra, de Stephen King.

Roland Deschain é o último pistoleiro em um mundo desolado. Uma única coisa o move: encontrar a Torre Negra, custe o que custar. À frente segue sua nêmesis, o Homem de Preto. O pistoleiro é solitário e deseja manter-se assim, mas outras pessoas aparecerão e Roland terá que fazer escolhas de vida e morte. Enquanto isso, a Torre fica cada vez mais longe… ou mais perto… o tempo e a distância já não fazem sentido nesse mundo que seguiu adiante. E o ka é uma roda.

Se me dissessem que O Pistoleiro foi escrito por uma pessoa e o restante da saga por outra, eu acreditaria, porque de certa forma foi mesmo: Stephen King escreveu o primeiro livro com 22 anos e evidentemente seu estilo evoluiu bastante ao longo dos 33 anos que levou para escrever esse épico (o que me faz pensar que há esperança para Game of Thrones).

A Torre Negra é inconstante, como costumam ser as sagas. O Pistoleiro é um bom livro e deve ser lido como um prólogo – ao fim dele não há respostas, só muitas perguntas para incitar a imaginação. A Escolha dos Três é ótimo. Aí vem As Terras Devastadas, para mim o mais fraco, seguido por Mago e Vidro, excelente, e Lobos de Calla, maravilhoso. Canção de Susannah é bizarro até para os padrões do autor. O último livro, A Torre Negra, faz tudo valer a pena e é um dos melhores trabalhos do King. Lenços são imprescindíveis.

Indico para quem gosta de épicos e de fantasia mais focada nos personagens que no enredo.

Estrelinhas no caderno: 4 estrelas

Livro: Niketche, Uma História de Poligamia

Livro da vez: Niketche: Uma História de Poligamia, de Paulina Chiziane.

Escolhi este livro pelas características da escritora: tendo lido poucos autores africanos e nenhuma mulher, estava na hora de tirar esse atraso. Eu esperava também, claro, aprender algo da cultura de Moçambique. O que eu não esperava era encontrar uma história tão devastadora contada com lirismo.

Rami descobre que seu marido, Tony, a está traindo com uma mulher chama Ju, mas Ju também está sendo traída, e sua sucessora também. Rami consegue congregar as quatro amantes e, tirando forças não se sabe de onde, produz dignidade a partir de uma situação indigna.

Durante a jornada de Rami, aprendi que há várias etnias em Moçambique, cada uma com seus costumes e visões sobre amor, família e a posição da mulher. Choquei-me com certas manifestações culturais e com o fato de ocorrerem ainda hoje. Espantei-me com o machismo de lá, mais cru e escancarado que o machismo nosso de cada dia. Entre as diferenças, encontrei as semelhanças: a insegurança, o medo e a subserviência que ainda subjugam tantas mulheres mundo afora, a busca pelo amor próprio, a luta pela autonomia, o desejo de ser alguém.

Niketche é um livro de luta e perseverança, como imagino que tenha sido a vida da autora: Paulina Chiziane foi a primeira mulher a publicar um romance em Moçambique, e isso outro dia, em 1990.

Indico para quem quer ampliar os horizontes literários e culturais.

Estrelinhas no caderno: 4 estrelas