Escola de contos eróticos para viúvas

Livro da vez: “Escola de contos eróticos para viúvas”, de Balli Kaur Jaswal.

Tag Inéditos de fevereiro de 2020. Cancelei a Tag há um ano e ainda tenho dois livros para ler (além deste, que li semana passada).

Nikki é uma jovem britânica nascida em uma família indiana e tenta conciliar essas duas influências, duas formas distintas de ser mulher e de estar no mundo. Culpa-se pelo desgosto causado aos pais ao abandonar a faculdade de direito, mas está determinada a descobrir seu próprio caminho. Inesperadamente, ele a leva a dar aulas de inglês para mulheres punjabi – aulas que logo se transformam em confidências de fantasias eróticas. Nikki se vê envolvida pela comunidade e interessada nos segredos que ela guarda, que incluem até mortes de moças punjabi.

O livro segue uma fórmula, mas faz isso de forma eficiente. É muito bem escrito, a história e os personagens cativam. Vi-me interessada em Nikki e nas demais mulheres, fiquei curiosa pela cultura punjabi e fascinada pelas misturas e colidências. Dá para dizer que, para Nikki, a cultura britânica triunfa (o que pode ser alvo de críticas dos mais ciosos), mas ela sai diferente do outro lado, influenciada, amadurecida e bem resolvida.

A própria autora é o resultado da mistura de influências punjabi e dos diversos países onde viveu durante a infância e juventude, o que para mim torna o livro ainda mais interessante. Um dos melhores do ano em que assinei a Tag Inéditos.

Estrelinhas no caderno: 4 estrelas

Nova Iorque 2140

Livro da vez: “Nova Iorque 2140”, de Kim Stanley Robinson. Leitura de fevereiro do projeto #lendoscifi, organizado pela @soterradaporlivros.

Finalmente a catástrofe ambiental aconteceu: as cidades a beira-mar foram alagadas devido ao derretimento das calotas polares, a humanidade enfrenta uma terrível escassez e os animais entraram em extinção em uma velocidade nunca antes vista. Nova Iorque foi duramente atingida e o meio de transporte principal da cidade agora é o barco. Apesar disso, milhões ainda moram na cidade, o preço do metro quadrado é mais extorsivo do que nunca e o abismo entre pobres e ricos só aumenta.

O livro nos apresenta os moradores do MetLife, transformado numa mini-cidade com milhares de habitantes, uma horta e até um andar dedicado à criação de animais. Vlade é o supervisor do prédio, Charlotte é membro da cooperativa de moradores, Gen é inspetora de polícia, Amelia é uma celebridade da nuvem (o futuro da internet), Franklin trabalha no mercado de capitais etc. etc. etc. Personagens não faltam, e a eles deve ser somada a própria cidade. Ah, ainda tem o irônico Cidadão, que entre um capítulo e outro explica ao leitor como o mundo se tornou um caos ainda maior do que o atual.

As subtramas da história são excessivas, nem todas são bem amarradas e algumas são francamente desnecessárias. Apesar disso, achei uma leitura excelente e me envolvi com os personagens, amando uns, odiando outros e vivendo na velha nova Manhattan por alguns dias. Não é um livro fácil, não dá pra ler rapidinho. Exige paciência do leitor, mas senti que minha paciência foi mais que recompensada. Seria bacana ver uma série baseada no livro.

Estrelinhas no caderno: 4 estrelas

A Terra Partida

Livro da vez: “A Terra Partida”, trilogia de N. K. Jemisin.

Descobri Jemisin em 2019, começando por “A Quinta Estação”, primeiro livro da trilogia “A Terra Partida”. Só em 2020 li os outros dois. No meio do caminho, li dela “How Long ’til Black Future Month?” e a duologia Dreamblood, que já resenhei aqui, ambos sem tradução. “A Terra Partida”, por outro lado, está todinha traduzida, então você não tem desculpas para não conhecer o trabalho fantástico dessa autora.

Em um mundo que parece a Terra, os orogenes são responsáveis por manter a integridade da superfície, preservando-a de abalos sísmicos devastadores. Por essa habilidade ímpar, são respeitados mas, acima de tudo, temidos e em alguns casos caçados, escravizados e mortos.

No primeiro livro, acompanhamos três orogenes, três mulheres em diferentes fases da vida e com diferentes domínios sobre seus poderes: Damaya, Syenite e Essun. Aos poucos vamos conhecendo esse mundo tão estranho e ao mesmo tempo tão familiar em seu caráter fragmentário, preconceituoso e racista. No fim de “A Quinta Estação”, Syen é provocada a embarcar em uma missão, e o leitor embarca com ela ao longo dos dois livros seguintes, “O Portão do Obelisco” e “O Céu de Pedra”.

A construção de mundos (worldbuilding) é o ponto forte da escrita de Jemisin. Nunca li nada parecido, o que evidentemente causou uma enorme sensação de estranhamento no começo. Essa sensação vai se dissipando graças ao segundo ponto forte da escritora: a criação de personagens complexos e apaixonantes. Você vai amar alguns, vai odiar outros e vai mudar de ideia ao longo da trilogia, mas não vai ficar indiferente às suas histórias. Mundo e personagens se entrelaçam de forma orgânica para contar uma história emocionante, uma das melhores tramas de fantasia que já li.

Estrelinhas no caderno: 5 estrelas

Alice no País das Maravilhas

Livro da vez: “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll. Livro/filme do bimestre do projeto #quemteviuquemteleu, da @soterradaporlivros@tinyowl.reads e @seguelendo.

Foi minha terceira leitura e a cada vez minhas reações foram diferentes. Quando criança, adorei o livro. Reli há uns oito anos e achei chatíssimo. Dessa vez, gostei (mas não adorei) e notei como a tradução faz toda a diferença nessa obra. Recomendo muito a tradução da Zahar (mas há outras boas também).

Alice cai em um mundo de sonho em que as coisas são absurdas, nada faz sentido e o imprevisível é a regra. No debate, comentamos sobre a forma como as crianças eram vistas, e ainda são, em muitos casos: sem direito a opinar, sem voz, sem autonomia. Alice é curiosa e inquisitiva, e os personagens com quem se encontra – os adultos – tentam matar essas qualidades os simplesmente a ignoram, com a exceção do Gato de Cheshire.

E falando no Gato, ele é um dos grandes legados de Carroll, juntamente com o Coelho Branco, a Rainha de Copas e o Chapeleiro Maluco. As metáforas e os símbolos que inspiraram os personagens se perderam (ou quase), mas a força deles se mantém por si só, cheia de novos simbolismos. A obra de Carroll acabou se revelando atemporal.

Sobre os filmes, prefiro a animação da Disney, mais fiel ao livro e à própria Alice. O filme de Tim Burton conta uma história completamente diferente e a protagonista é tão sonsa que irrita.

Quanto às polêmicas sobre o autor, vale dizer que não há provas ou relatos das pessoas envolvidas que confirmem as acusações. Carroll tinha uma personalidade forte, um tanto misteriosa e algo controvertida – o restante, eu coloco na conta dos fofoqueiros ingleses e das estranhezas da era vitoriana.

O próximo bimestre será dedicado a 1984 e mal posso esperar para reler a obra e para ver o filme pela primeira vez. Quer vir com a gente? Fale com uma das organizadoras!

Estrelinhas no caderno: 3 estrelas