Ficha Técnica
- País de origem: Brasil
- Ano: 2008
- Gênero: Drama
- Duração: 128 minutos
- Direção: Mauro Lima
- Roteiro: Mariza Leão e Mauro Lima, baseado em livro homônimo de Guilherme Fiúza.
- Elenco: Selton Mello, Cléo Pires, Júlia Lemmertz, Rafaela Mandelli, Eva Todor, André di Biasi, Giulio Lopes, Cássia Kiss.
- Sinopse: conta-se a história de João Guilherme Estrella, carismático carioca de classe média que se tornou o maior vendedor de drogas do Rio de Janeiro.
Comentários
Como um guri que solta uma bombinha dentro de casa e não é repreendido pode acabar em boa coisa?
Claro, estou sendo simplista, mas Meu nome não é Johnny, de fato, conta a história de um garoto mimado de classe média que acha que pode tudo – inclusive traficar. O que me choca não é a história de João Estrella, porque tenho certeza de que é só uma de várias. O que me choca é a forma empolgada, aliviada mesmo com que a crítica recebeu o filme. Meu nome não é Johnny soa como uma resposta a Tropa de Elite, mas não está à sua altura, nem tecnicamente nem no campo dos argumentos.
Tecnicamente, Meu nome não é Johnny é bem executado. Tem ritmo e humor. Selton Mello faz um bom trabalho, simples e sem esforço, já que seu tipo preferido é o bom moço. Cléo Pires já esteve melhor, mas não compromete. O filme não cansa, mas também não impressiona, não marca.
Já no que tange aos argumentos, a discussão é longa.
Que Tropa de Elite incomodou muita gente, não é novidade. A polícia militar ficou ofendidinha e chegou a chamar o diretor José Padilha a depor. A mídia não soube lidar com o estrondoso sucesso do filme. Mesmo Padilha e o protagonista Wagner Moura titubearam em entrevistas e declarações, batendo na tecla “só narramos os fatos, sem juízo de valor”. Por que tanta gente hesitou em fazer juízo de valor sobre Tropa de Elite? Ora, porque o filme responsabiliza claramente o usuário de drogas pelo estado de guerra civil no Rio de Janeiro e, claro, todo mundo conhece usuários de drogas. O meio artístico está cheio deles. As classes A e B consomem muito e pagam caro. Essas mesmas classes fazem passeatas hipócritas pela paz. Tropa de Elite foi um tapa na cara dessa gente.
Aí, poucos meses depois, vem Meu nome não é Johnny e passa a mão na cabeça da elite consumidora de cocaína (e maconha, claro, mas o “barato” do filme é a coca). A todos justifica, a todos desculpa, a todos perdoa. Meu nome não é Johnny se contrapõe a Tropa de Elite, fazendo a defesa de traficantes e usuários.
No filme, João Estrella é retratado como um bom moço, a começar da escolha do ator que o interpretou. Estrella é simpático, generoso, festeiro, gentil, bem-quisto, carismático. Quando a casa cai, assume sozinho toda a culpa, protegendo os amigos que o ajudavam no tráfico. Na cadeia, defende os mais fracos, torna-se uma espécie de líder do bem. Praticamente um herói.
Agora, veja a coisa sob outro ângulo.
Estrella era um típico playboy com dinheiro demais e freios de menos.Viciou-se em cocaína e passou a vender aos amigos para sustentar suas próprias compras. Com o tempo, passou a abastecer toda a classe média e alta do Rio sedenta por “viagens”, mas covarde demais para subir o morro. Tinha uma lábia incrível. Tornou-se o maior traficante da cidade. Iniciou uma rota de tráfico para a Europa. Ganhou os tubos. Gastou tudo. Subornou policiais corruptos. Jogou com o sistema.
Tinha comparsas, mas assumiu sozinho o crime, perante a Justiça, para descaracterizar o art. 14 da antiga Lei de Entorpecentes e, assim, escapar da pena por formação de quadrilha. Viveu muito bem e muito consciente até quando interessou. Gozou do dinheiro, do poder, da liberdade, da aventura. Depois de capturado, alegou capacidade reduzida para escapar da pena de prisão.
Tinha uma namorada cúmplice, que curtiu cada centavo obtido com as drogas (e, claro, deu-lhe um pé na bunda assim que foi preso). Tinha uma mãe que dizia não saber de nada, mas não fazia perguntas ao ganhar um colar de brilhantes do filho que não tinha curso superior ou profissão.
Sustentou sua defesa em dois pilares: incapacidade de compreender seus atos (como se fosse tão difícil assim saber que a venda de drogas é crime) e falta de profissionalismo. Afirmou que, se fosse traficante, teria patrimônio, carro novo, imóveis. Como se a má gestão dos seus “negócios” diminuísse, de alguma forma, os seus crimes.
Pegou pela frente uma juíza, provavelmente vinda da classe média ou alta, sensível às suas súplicas. Ganhou uma medida de segurança, pena muito mais branda que a prisão, por reles dois anos. Pergunto-me se a juíza teria sido tão compreensiva se João fosse negro e favelado, se ela não identificasse sua realidade com a ele.
Ninguém, no filme, tem problemas por consumir drogas. João cheirava 100 gramas por semana, mas não tem síndrome de abstinência. Ninguém emagrece terrivelmente, ninguém perde a família, furta, rouba ou mata para cheirar. Ninguém sobe o morro. Ninguém troca tiros. Ninguém perde nada (exceto, talvez o personagem do psicólogo). A cocaína propicia diversão e dinheiro, sem exigir nada em troca.
Estrella se recuperou. Bom para ele. Alguém se perguntou quantas vidas ele arruinou facilitando o consumo de cocaína? Quantas famílias ele destruiu? Quantos traficantes mataram e morreram no morro para que a droga chegasse ao asfalto? Quantos policiais foram feridos no combate ao tráfico? Alguém se perguntou sobre a dimensão do prejuízo social causado pelos atos de João Estrella?
Esse cara, esse produtor musical que alguns tomam como modelo para dizer “ei, a realidade não é tão ruim quanto Tropa de Elite mostrou”, esse cidadão recuperado encontra justificativa para o tráfico e dá-lhe um lugar no ordenamento social:
Na minha opinião, se tirarmos as drogas de circulação, teremos um exército de desassistidos armados até os dentes, precisando de dinheiro. Se olharmos por um outro ângulo, podemos dizer que esses jovens ajudam a cidade a ficar mais calma, uma vez que geram receita para o crime , diminuindo, assim, as ondas de seqüestros e assaltos a bancos e evitando confrontos em áreas urbanas.
Não, esse trecho não está no filme, mas no Blog do João Estrella, mas precisamente no texto em que critica Tropa de Elite. Esse texto foi publicado numa revista. Johnny também falou algo semelhante no programa da Marília Gabriela na GNT e, pasme, nem ela nem Selton Mello, entrevistado junto com Estrella, retrucaram. Acharam, pelo contrário, brilhante o argumento.
Tem algo muito errado numa mídia e numa sociedade que conseguem justificar a guerra civil causada pelo tráfico.
Meu nome não é Johnny não faz apologia do tráfico e do consumo das drogas. Não diz, com todas as letras, “use drogas e seja feliz, venda drogas e seja rico”. No entanto, ao apresentar um universo tão sedutor, em que, apesar dos pesares, todos vivem felizes para sempre, atenua a realidade e romanceia o crime. Brasileiro, aliás, adora aliviar a barra de tudo, amenizar problemas, contemporizar. É nossa maior qualidade e, paradoxalmente, nosso maior defeito. Essa tolerância, esse olhar de “coitado, ele não fez por mal”, esse paternalismo nos faz aceitar tudo, até condutas criminosas.
Concordo com quem afirma que o Capitão Nascimento não serve de modelo para ninguém e não creio que Tropa de Elite tivesse essa proposta. João Estrella também não é exemplo e acho estranho que a mídia o considere como tal. Estrella é um perdedor. Recuperado, mas ainda assim perdedor.
Pessoalmente, entre a truculência honesta do Capitão Nascimento e a malandragem bandida do João Estrella, fico com o primeiro.
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