Livro: “Mariposa Vermelha”

Livro da vez: Mariposa Vermelha, de Fernanda Castro.

Amarílis tem poderes mágicos, mas vive em uma sociedade que persegue pessoas como ela, então passa a vida ocultando seus dons. Um dia, contudo, tomada de raiva após, decide invocar um demônio para ajudá-la a matar uma pessoa. Tolú é o demônio que a atende e a relação entre eles não se desenvolve exatamente como Amarílis esperava.

O livro merecia mais páginas dedicadas ao background de Amarílis (no começo mesmo, não durante a história) para justificar as suas escolhas A Flor de Lótus, grupo que aparece de forma meio súbita na história, é interessantíssima. Alguns lances poderiam ser mais desenvolvidos, como a própria Flor de Lótus e a personalidade do senhorio da protagonista. Ou seja: diferente do que acontece com tantos livros desnecessariamente prolixos, esse é mais enxuto do que precisaria ser. Algumas questões que só são abordadas na terceira parte poderiam ter surgido antes em um contexto mais natural e fundamentando melhor alguns comportamentos.

A escrita de Fernanda Castro é excelente. A autora domina o idioma (há uns deslizes de colocação pronominal que a revisão poderia ter corrigido) e evita clichês. Eu teria preferido nomes próprios mais diversos, o uso de plantas/flores me pareceu um recurso meio infantil.

Independentemente dessas questões, a história flui muito bem, diverte e prende. Não há momentos de tédio. Há um gancho para uma continuação – algo que, em geral, não me interessa, mas agrada muita gente e o mercado editorial aplaude. Apesar do gancho, o final é bastante satisfatório e o suspense criado antes dele é um ponto forte do livro.

Recomendo para quem busca bons jovens autores nacionais (algo raro) e especialmente para quem curte fantasia urbana. 4 estrelas

Livro: “As Meninas”

Livro da vez: As Meninas, de Lygia Fagundes Telles.

Lorena, Ana Clara e Lia são muito diferentes entre si, mas muito amigas, como somente na juventude é possível. Lorena vem de família rica e é toda certinha, mas sua vida familiar está longe de ser perfeita. Lia é revolucionária, militante de esquerda. Ana Clara tem origem pobre e seu sonho é se tornar rica, mas vive numa espiral de drogas e dívidas. As três são estudantes universitárias e moram no mesmo pensionato.

A história se desenvolve em poucos dias e mostra os dramas pessoais de cada uma: o vício de Ana, os problemas familiares de Lena e a militância de Lia. As histórias se entrelaçam, com cada qual tentando ajudar a outra da melhor forma possível. Lena é a provedora financeira, Lia é a questionadora e Ana… Ana tenta se manter inteira em um período de profundas mudanças sociais e de costumes. O pano de fundo é o momento mais duro da ditadura brasileira.

Lygia Fagundes Telles lança mão do fluxo de consciência como estilo narrativo. Isso, somado, às constantes trocas de pontos de vista, às vezes na mesma página, tornam a leitura um tanto confusa no início. Não demoramos, porém, a reconhecer cada uma das vozes narrativas: Lia, Lena e Ana têm personalidades tão bem delineadas que ainda na primeira metade do livro já é possível identificar quase de imediato quem está narrando (há, também, um narrador onisciente).

Há muitos livros bons e ótimos, mas poucos excelentes, livros cujos personagens ficam conosco várias semanas após a leitura. Lião, Lena e Ana Turva ainda estão aqui comigo e creio que ficarão por um bom tempo.

Indico para quem aprecia Virginia Woolf e Clarice Lispector, para quem quer conhecer uma das melhores autoras brasileiras e para qualquer pessoa interessada em literatura de primeira grandeza. 5 estrelas

Filmes favoritos em novembro de 2023

Recentes

Coherence (2013): um cometa está passando perto da Terra e algumas pessoas acreditam que isso pode gerar perturbações… e pode mesmo, como descobrem amigos reunidos em um jantar. O melhor filme de ficção científica que vi no ano. 5 estrelas

Starter for 10 (2006): comédia dos anos 80 filmada nos anos 2000 (portanto, corretinha). Um jovem brilhante mas um tanto inapto socialmente ingressa na faculdade e vive loucas aventuras. Bônus: Benny Cumberbatch (além de outros futuros famosos). 4 estrelas

Direto do Túnel do Tempo

Tempo de Matar (1996): no Mississipi, um advogado em início de carreira precisa defender um negro acusado de matar dois brancos que estupraram sua filha de 10 anos. Racismo à flor da pele, do começo ao fim. Elenco brilhante. Baseado no livro de John Grisham. 4 estrelas

A Loja da Esquina (1940): dois vendedores de uma loja mal se suportam, até que… Clichê sim, mas conduzido à perfeição e com uma vibe Jane Austen. Mensagem para Você costuma ser mencionado como um remake desse filme, mas está mais para uma homenagem. 5 estrelas

Tempos Modernos (1936): daqueles filmes que a gente vê tantos trechos que acha que já viu inteiro. Além da crítica ao sistema de produção industrial, o filme tem um romance bem bonitinho acompanhado da canção “Smile”. 4 estrelas

Onde assistir: https://www.justwatch.com/

Livro: A Casa dos Espíritos

Livro da vez: A Casa dos Espíritos, de Isabel Allende.

A Casa dos Espíritos é o primeiro livro da escritora, lançado em 1982, em plena ditadura chilena. Quem já leu Cem Anos de Solidão perceberá semelhanças, especialmente nos primeiros 20%. As semelhanças até se justificam, já que ambas obras pertencem ao realismo fantástico, mas me incomodaram um pouco. Felizmente, depois desse início a autora encontra voz própria e passa a narrar com segurança e propriedade a saga de uma família, especialmente das suas mulheres cheias de força, Clara, Blanca e Alba.

O tema político permeia toda a história, com reflexões sobre a exploração e o capitalismo (as discussões políticas não são estranhas a Cem Anos, aliás), mas é nos 25% finais que a luta de classes, as manobras políticas e a sangrenta ditadura se tornam protagonistas. O lirismo dos primeiros capítulos cede lugar a sequestros, desaparecimentos e matanças. Algumas passagens são tão fortes que se tornam difíceis de ler.

Recomendo para quem gosta de realismo mágico, de literatura feminista e/ou de história latino-americana. 4 estrelas