O Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel

Esse é outro livro que só me interessou após ser filmado, como aconteceu com As Crônicas de Nárnia. Para o Desafio Literário de março (dedicado aos épicos), gostaria de ter lido os três volumes, mas só houve tempo para o primeiro. Essa, portanto, será uma resenha um tanto incompleta.

Quase desisti de O Senhor dos Anéis ainda no início. O prólogo de dezesseis página é uma das coisas mais tediosas que já li. “O livro inteiro vai ser assim? Socorro!”, pensei. Felizmente, no primeiro capítulo as coisas começam a melhorar, e seguem cada vez mais interessantes.

J. R. R. Tolkien dedicou praticamente todo o primeiro volume à apresentação dos personagens e da Terra Média. Se a descrição das regiões de seu mundo imaginário é, por vezes, cansativa, a construção dos personagens encanta e, sem dúvida, é a melhor parte de A Sociedade do Anel. É fascinante ver o amadurecimento de Frodo, as imperfeições de Gandalf e a bravura de Aragorn. Aos poucos, os protagonistas ganham contornos tão vivos que é como se convivêssemos com eles. É essa proximidade que envolve o leitor e o faz acompanhar com ansiedade o progresso da Comitiva dos Nove, respirar aliviado a cada obstáculo vencido e chorar as perdas. É essa intimidade e cumplicidade entre leitor e personagens que permite que “compremos” o mundo criado por Tolkien.

A Sociedade do Anel é um livro sobre lugares fantásticos, inimigos mortais, medo, superação (inclusive de preconceitos –  nem tudo que é ouro fulgura, nem todo o vagante é vadio) e coragem. Também é um livro sobre amizade, daquele tipo raro que sobrevive às tribulações e firma-se na lealdade em qualquer circunstância.

Dois grandes obstáculos à leitura estão na premissa da própria obra: a fantasia, que exige um salto de fé; e o gênero épico, por natureza composto de grandes gestos de heroísmo, longas cenas e (não falta neste livro) narrativa em versos. Quem não tem paciência pra isso tudo, pode até cair no sono. Confesso que o épico está entre meus estilos menos estimados, inclusive no cinema.

Lembro que, dos três filmes, A Sociedade do Anel foi meu favorito. Por outro lado, As Duas Torres e suas longas cenas de batalha entediou-me tanto que, francamente, não pretendo encarar o segundo volume da trilogia tão cedo…

Trechos

Três Anéis para os Reis-Elfos sob este céu,
Sete para os Senhores-Anões em seus rochosos corredores,
Nove para Homens Mortais, fadados ao eterno sono,
Um para o Senhor do Escuro em seu escuro trono
Na Terra de Mordor onde as Sombras se deitam.
Um Anel para a todos governar, Um Anel para encontrá-los,
Um Anel para a todos trazer e na escuridão aprisioná-los
Na Terra de Mordor onde as Sombras se deitam.
(p. 52)

– Gostaria que isso não tivesse acontecido na minha época – disse Frodo.
– Eu também – disse Gandalf. – Como todos os que vivem nestes tempos. Mas a decisão não é nossa. Tudo o que temos de decidir é o que fazer com o tempo que nos é dado. (p. 52-53)

– Peço desculpas, senhor! Mas não quis lhe fazer mal, Sr. Frodo, nem ao Sr. Gandalf, falando nisso. Ele é sensato, veja bem, e quando o senhor disse ir sozinho ele disse não! leve alguém em quem possa confiar.
– Mas isso não quer dizer que eu possa confiar em qualquer um – disse Frodo.
Sam lançou-lhe um olhar triste. – Tudo depende do que você deseja – interrompeu Merry. – Pode confiar em nós para ficarmos juntos com você nos bons e maus momentos, até o mais amargo fim. E pode confiar também que guardaremos qualquer um de seus segredos – melhor ainda do que você os guarda para si. Mas não pode confiar que deixaremos que enfrente problemas sozinho, e que vá embora sem dizer uma palavra. Somos seus amigos, Frodo. (p. 110-111)

– Quem mora aqui? – perguntou ele [Frodo]. – E quem construiu essas torres? Essa região pertence aos trolls?
– Não – disse Passolargo. – Os trolls não constroem nada. (p. 214)

Ficha

Este texto faz parte do Desafio Literário 2011, cujo tema em março é o gênero épico. Conheça o Desafio Literário.

As Crônicas de Nárnia

As Crônicas de Nárnia - volume único

Da série para o cinema, só vi o primeiro, O Leão, A Feiticeira e o Guarda-Roupa. Lembro-me de ter gostado do filme, mas não o suficiente para ver os seguintes. Ouvia falar que a obra original era muito mais interessante que a filmagem. Agora, após ler o volume único das Crônicas de Nárnia (o primeiro filme para o cinema é, na verdade, a segunda história, na cronologia estabelecida pelo autor), entendo bem por que: o filme é apenas uma sombra do mundo criado por C. S. Lewis. Uma bela sombra, cheia de contornos cativantes, mas pálida diante do texto – bem como acontece aos mundos contidos dentro dos mundos de Nárnia.

Talvez esse seja o destino inescapável de todos os livros de fantasia. Já ouvi muitas vezes que os livros que formam O Senhor dos Anéis são bem mais impactantes que os filmes (terei a chance de verificar isso daqui a uns meses). A saga de Harry Potter foi muito bem filmada, mas os livros são tremendamente mais envolventes.  Se todas as adaptações de textos tendem a perder conteúdo quando reduzidas a pouco mais de duas horas de imagens, o fenômeno é ainda mais cruel com histórias de fantasia. A imaginação permite infinitas dimensões e camadas aos mundos fantasiosos, enquanto o cinema as mastiga, sintetiza e apresenta uma única versão.

Nárnia é, sim, um livro para crianças. Encontra-se de tudo um pouco nas suas páginas: heróis, vilões, animais falantes (como nas antigas fábulas), feiticeiras, capa-e-espada, aventuras por mar e terra, contos de fadas. Não é, no entanto, um livro condescendente. Exige que as crianças imaginem, completando as lacunas que felizmente existem nas descrições; e impõe perdas, despedidas e mortes. Presume que o leitor-mirim tenha inteligência para aproveitar ao máximo suas páginas. Aliás, pergunto-me se as crianças que estão por aí lêem as Crônicas – e, principalmente, se gostam. Terão paciência para um livro longo? Terão foco, imaginação, curiosidade? Conseguirão se interessar por uma diversão tão arcaica quando comparada ao jogos eletrônicos?

Claro, há lições de moral nas páginas de Nárnia, como cabe aos bons livros infantis. A traição, a ganância e a covardia são censuradas. A coragem e a lealdade sempre são recompensadas. O moralismo está longe de ser sutil, mas não estraga a fantasia. Está, aliás, muito bem colocado e seria realmente ótimo que as crianças de hoje crescessem com lições de moral passadas de forma lúdica (tenho a impressão que poucos pais se preocupam em ensinar “educação” ou “bom comportamento”). O livro traz, também, uma forte tendência mística, religiosa mesmo. Quando esse viés ameaçava incomodar-me, fixava-me nas aventuras nos valores universais por elas enaltecidos, que são anteriores e superiores a qualquer crença: honra, amizade, compaixão, perdão. (O curioso é que, embora o livro tenha forte tendência cristã, seu autor recebeu fortes críticas de grupos cristãos que consideram o texto herege por citar temas bíblicos misturados a elementos da “mitologia pagã”.)

Escrito nos anos 50 (na mesma época do Senhor dos Anéis), os sete livros que compõem o volume único não escapam totalmente ao seu tempo: há uma conotação sexista, uma tendência a ver a mulher como frágil demais, menos capaz que o homem, um tanto boba. O próprio autor parece lutar contra esse estereótipo em algumas passagens e é bem verdade que se esforça por colocar homens e mulheres numa situação que seus contemporâneos julgariam igualitária (e, provavelmente, o criticariam por isso). Dada a pouca importância atribuída às mulheres na época em que os livros foram escritos, As Crônicas de Nárnia podem ser perdoadas por seus deslizes e merecem ser valorizadas pelas tentativas de igualdade de gêneros.

Está aí uma excelente sugestão de leitura para quem gosta de viajar por outros, independentemente da idade.

Trechos

Oh, Filhos de Adão, com que esperteza vocês se defendem daquilo que lhes pode fazer o bem! (p. 91)

– O punhal é para a sua defesa, em caso de extrema necessidade. Porque você também não deve entrar na luta.
– Por que não, meu senhor? – disse Lúcia. – Acho que… bem, não sei… mas acho que eu era capaz de não ter medo!
– O problema não é esse. É que as batalhas são mais feias quando as mulheres tomam parte nelas.” (p. 151)

O coração de Shasta quase parou ao ouvir essas palavras, pois já não lhe restavam reservas de força. Por dentro rebelava-se contra o que lhe parecia a crueldade da missão. Ainda não aprendera que a recompensa de uma boa ação é geralmente ter de fazer uma outra boa ação, mais difícil e melhor. (p. 255)

Minha filha: já vivi cento e nove invernos e jamais encontrei uma coisa chamada sorte. (p. 256)

O rei obedece às leis, pois as leis o fizeram rei. (p. 287)

Depois disso, os amigos da diretora perceberam que ela não prestava para diretora, e nomearam-na inspetora-geral. Quando viram que ela não era também grande coisa como inspetora-geral, conseguiram elegê-la para a Câmara dos Deputados, onde ela viveu para sempre feliz. (p. 625)

Ficha

Este texto faz parte do Desafio Literário 2011, cujo tema em janeiro é literatura infanto-juvenil. Conheça o Desafio Literário.

Cântico de Sangue

Cântico de Sangue - capa antiga.
Capa antiga.

Anne Rice já foi melhor. Muito melhor.

Numa época de Diários De Vampiro, Crepúsculo e sei lá o que mais, dá uma certa vergonha admitir que sou fã de histórias de vampiros. Não gosto nada desses vampiros galãs e bonzinhos interpretados por e para adolescentes, mas curto Anne Rice desde que vi Entrevista com o Vampiro (no cinema), não dispenso contos vampirescos sangrentos, já joguei muito Vampire (tanto o rpg quanto o jogo pra PC) e True Blood está na fila, esperando uma brecha na longa lista de seriados que tento acompanhar.

Li praticamente todas as Crônicas Vampirescas. Comecei por Entrevista com o Vampiro, pouco após o filme. Fiquei encantada. Devorei O Vampiro Lestat, A Rainha dos Condenados e A história do ladrão de corpos. Memnoch fisga pelo inusitado da história. O Vampiro Armand e Sangue e Ouro têm o mérito de aprofundar personagens pouco conhecidos, mas algumas passagens resvalam no tédio. Os outros livros… bem, simplesmente não valem a pena. A impressão que tenho é que, quando o negócio começou a dar dinheiro, Anne Rice começou a escrever qualquer coisa. O nível das histórias despencou.

Pandora e Vittorio são esquecíveis (o primeiro ao menos tem um pano de fundo histórico bacana). Cântico de Sangue, sua mais recente história vampiresca, não tem nenhum atributo. Seu único “mérito” é fundir as Crônicas Vampirescas à saga das bruxas Mayfair (composta de quatro livros que, a tomar pelo que vi em Cântico, prefiro continuar sem conhecer). Mistura que acabou virando um samba do crioulo doido.

Vampiros, bruxas, taltos (uma espécie não-humana bem parecida conosco, que teria se desenvolvido paralelamente), traficantes e não sei mais o quê compõem uma história forçada, previsível e monótona. Lestat é o narrador – mas cadê o Lestat carismático de outros tempos? Aqui, ele é apenas um vampiro resmungão, egocêntrico e com complexo de santo. Se essas características são interessantes quando aparecem pontualmente em outras histórias, tornam-se tediosas quando repetidas página após página. Aturar um vampiro com crise de consciência por quase trezentas páginas não é tarefa agradável.

No fim das contas, parece que Anne Rice foi a precursora dos vampirinhos bobos que povoam a ficção atualmente, com esse Lestat pós-adolescente-apaixonado-reclamão-em-crise de Cântico de Sangue.

Estou aqui pensando, folheando o livro, tentando encontrar pontos positivos, mas realmente está difícil. Talvez o problema seja perceber o quanto as histórias de Anne Rice decaíram. Se você não leu nenhuma das crônicas vampirescas, talvez não ache Cântico de Sangue tão ruim. Por outro lado, é bem provável que perca o interesse em ler os outros livros da autora se começar por esse…

Ficha

  • Título original: Blood Canticle
  • Autora: Anne Rice
  • Editora: Rocco
  • Páginas: 285
  • Cotação: 1  estrela
  • Encontre Cântico de Sangue.
ttp://www.submarino.com.br/produto/1/1888048/cantico+de+sangue:+as+cronicas+vampirescas/?franq=250773

O Diabo Veste Prada [livro]

O Diabo Veste Prada
Bom livro, filme ainda melhor.

Eis um dos raros casos em que o filme supera o livro que lhe deu origem: a versão cinematográfica de O Diabo Veste Prada é, de longe, bem melhor que o livro de Lauren Weisberger.

Isso não quer dizer que O Diabo Veste Prada seja um livro ruim. Penetrar no mundo da moda, cheio de frivolidades, podridões e puxa-saquismo, é fascinante. O livro tem o ponto forte de, sem as limitações que o cinema impõe, fazer o leitor imiscuir-se ainda mais nesse universo.  Só que o livro não conta, obviamente, com Meryl Streep como Miranda Priestly, que rouba a cena na versão filmada. Nem com a leveza de Anne Hathaway, que interpreta a protagonista Andrea Sachs com muito mais carisma do que tem sua original de papel. É esse mesmo o ponto: falta carisma aos personagens do livro.

Por outro lado, a assistente sênior de Miranda, Emily, é muito mais desenvolvida e divertida no livro – superando a própria Andrea em vários momentos – e Lily, melhor amiga de Andrea, tem papel muito mais importante no texto que no cinema.

Ao fim e ao cabo, O Diabo Veste Prada escrito tem pouco ritmo e é bem menos engraçado que o filme, contando com uma protagonista sem graça e situações pouco criativas. Mesmo assim, vale a leitura pela dimensão dada a personagens sem destaque no filme e, que não seja por outra razão, para podermos imaginar Meryl Streep ao longo de 400 páginas.

Ponto negativo, pra variar, para a tradução da editora Record, sempre fraca nos best sellers. Não culpo a tradutora – imagino como a editora deve pagar mal e exigir o trabalho pra ontem.

Trechos

De certa maneira, eu ainda não entendia e, certamente, não podia explicar – nem pedir que outras pessoas entendessem – como o mundo exterior havia se fundido na não-existência, que a última coisa que havia permanecido quando tudo o mais desaparecera era a Runway. Era realmente difícil explicar esse fenômeno sendo a única em minha vida que eu desprezava. E, ainda assim, era a única que tinha importância. (p. 254)

Ficha

  • Título original: The Devil Wears Prada
  • Autora: Lauren Weisberger
  • Editora: Record
  • Páginas: 410
  • Cotação: 3 estrelas
  • Encontre O Diabo Veste Prada em livro e em dvd.