Livro: “As Meninas”

Livro da vez: As Meninas, de Lygia Fagundes Telles.

Lorena, Ana Clara e Lia são muito diferentes entre si, mas muito amigas, como somente na juventude é possível. Lorena vem de família rica e é toda certinha, mas sua vida familiar está longe de ser perfeita. Lia é revolucionária, militante de esquerda. Ana Clara tem origem pobre e seu sonho é se tornar rica, mas vive numa espiral de drogas e dívidas. As três são estudantes universitárias e moram no mesmo pensionato.

A história se desenvolve em poucos dias e mostra os dramas pessoais de cada uma: o vício de Ana, os problemas familiares de Lena e a militância de Lia. As histórias se entrelaçam, com cada qual tentando ajudar a outra da melhor forma possível. Lena é a provedora financeira, Lia é a questionadora e Ana… Ana tenta se manter inteira em um período de profundas mudanças sociais e de costumes. O pano de fundo é o momento mais duro da ditadura brasileira.

Lygia Fagundes Telles lança mão do fluxo de consciência como estilo narrativo. Isso, somado, às constantes trocas de pontos de vista, às vezes na mesma página, tornam a leitura um tanto confusa no início. Não demoramos, porém, a reconhecer cada uma das vozes narrativas: Lia, Lena e Ana têm personalidades tão bem delineadas que ainda na primeira metade do livro já é possível identificar quase de imediato quem está narrando (há, também, um narrador onisciente).

Há muitos livros bons e ótimos, mas poucos excelentes, livros cujos personagens ficam conosco várias semanas após a leitura. Lião, Lena e Ana Turva ainda estão aqui comigo e creio que ficarão por um bom tempo.

Indico para quem aprecia Virginia Woolf e Clarice Lispector, para quem quer conhecer uma das melhores autoras brasileiras e para qualquer pessoa interessada em literatura de primeira grandeza. 5 estrelas

Livro: “A Casa dos Espíritos”

Livro da vez: A Casa dos Espíritos, de Isabel Allende.

A Casa dos Espíritos é o primeiro livro da escritora, lançado em 1982, em plena ditadura chilena. Quem já leu Cem Anos de Solidão perceberá semelhanças, especialmente nos primeiros 20%. As semelhanças até se justificam, já que ambas obras pertencem ao realismo fantástico, mas me incomodaram um pouco. Felizmente, depois desse início a autora encontra voz própria e passa a narrar com segurança e propriedade a saga de uma família, especialmente das suas mulheres cheias de força, Clara, Blanca e Alba.

O tema político permeia toda a história, com reflexões sobre a exploração e o capitalismo (as discussões políticas não são estranhas a Cem Anos, aliás), mas é nos 25% finais que a luta de classes, as manobras políticas e a sangrenta ditadura se tornam protagonistas. O lirismo dos primeiros capítulos cede lugar a sequestros, desaparecimentos e matanças. Algumas passagens são tão fortes que se tornam difíceis de ler.

Recomendo para quem gosta de realismo mágico, de literatura feminista e/ou de história latino-americana. 4 estrelas

Livro: “A Última Missão de Gwendy”

Livro da vez: A Última Missão de Gwendy, de Stephen King e Richard Chizmar.

Adorei o primeiro (A Pequena Caixa de Gwendy), achei o segundo apenas razoável (A Pena Mágica de Gwendy, escrito somente pelo Chizmar, parece um episódio filler de série, daqueles que não acrescentam muito à temporada) e fiquei gratamente surpresa com o terceiro.

Na sua última missão, Gwendy está na casa dos 60 anos, é viúva, senadora e atormentada por uma questão séria de saúde. Novamente visitada por Richard Farris, recebe de novo a caixa de botões e agora tem uma missão bem específica: destruí-la, antes que ela – a caixa – destrua o mundo (ou os mundos).

O mais esquisito foi ver um livro do King ambientado no espaço, mas no fim das contas ele não envereda pela ficção científica, mantendo-se na fantasia e no sobrenatural.

Embora o terceiro livro não tenha a magia do primeiro,  é um fecho à altura para a história de Gwendy, com um final emocionante.

Recomendo para quem leu os dois primeiros, e especialmente para quem leu A Torre Negra (será bem menos interessante para quem não leu). 4 estrelas

Livro: “Os Pilares da Terra”

A sabedoria não surge imediatamente quando alguém assume um cargo monástico – disparou Remigius.
– De fato, não – retrucou o irmão Paulo, devagar. Olhou diretamente para Remigius antes de completar: – Às vezes ela nunca surge.

Incrível, pensou Philip, como um caso claro de injustiça podia parecer equilibrado quando apresentado na corte.

Livro da vez: Os Pilares da Terra, de Ken Follett.

A @soterradaporlivros me deu o empurrão que faltava para finalmente ler esse calhamaço.

A história começa em 1135*, quando Tom Builder, um construtor talentoso que sonha em levantar uma catedral, perde o emprego e precisa sair da sua vila com mulher e filhos em busca da sobrevivência. Follett a acompanhar a história dessa família em meio a intrigas clericais, nobres mesquinhos, batalhas, violência e morte, mas também há espaço para a amizade, a compaixão e, claro, o amor.

A prosa é simples, o que torna a leitura rápida apesar das mais de mil páginas. O que torna o livro interessante são os personagens, seu amadurecimento, desventuras e lutas. Alguns são multifacetados e, claro, esses são os mais cativantes. Outros são verdadeiros vilões, quase caricatos, e desde as primeiras páginas torci por um final bem trágico e doloroso para alguns eles.

O livro termina em 1174, mas Follett escreveu outros dois romances no mesmo cenário, com diferença de séculos entre eles (e um prequel também), então é bem provável que eu revisite a Inglaterra medieval nos próximos anos.

Recomendo para quem curte ambientação medieval, mas já aviso que não é um livro de fantasia.  4 estrelas

*Na verdade, o prólogo narra um enforcamento em 1123.