O Marido Humilhado

O Marido Humilhado - capaVocê pode odiar Nelson Rodrigues, mas o fato é que o cara tinha uma habilidade impressionante para contar histórias em poucas páginas. Seus contos são curtíssimos, ele não precisava de mais de três ou quatro páginas para criar personagens marcantes e tramas sórdidas.

Outra coisa que impressiona é a atualidade dos seus textos. É verdade que por um lado são datados quando falam de futebol ou usam gírias (ninguém fala “Fulano é um broto” há mais de 40 anos); mas, por outro lado,  o espírito e as motivações dos seus personagens sobreviveram à passagem das décadas. Talvez porque a sordidez humana seja uma característica atemporal.

Os personagens rodriguianos são reféns de seus próprios sentimentos, dos julgamentos alheios, das aparências e, principalmente, dos ciúmes. Não espere sentimentos nobres – os protagonistas são essencialmente mesquinhos. Tenho a impressão que os programas sensacionalistas e os jornais que espirram sangue devem a Rodrigues sua maior inspiração na hora de narrar com tintas fortes a miséria da vida real.

Nos contos de O Marido Humilhado, você encontrará um homem que mutila outro por ciúmes, uma garota de 17 anos que chega ao extremo para castigar sua paixão platônica, uma mulher que se aproveita cinicamente do desespero de uma colega de trabalho, uma esposa que adora apanhar (afinal, essa é a obsessão de Nelson Rodrigues), um garoto que se apaixona pela madrasta e muitas outras perversões, bizarrices e taras – mas, olhando à distância, todos os personagens rodriguianos parecem normais, cotidianos. Poderiam ser nossos colegas.

Eu, hein.

Ficha

  • Título: O Marido Humilhado – Histórias Inéditas da Vida Como Ela É
  • Autor: Nelson Rodrigues
  • Editora: Agir
  • Páginas: 171
  • Cotação: 3 estrelas
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Um Grande Garoto

Um Grande Garoto - capaWill Freeman (adoro esse nome) é um quase quarentão bon vivant. Sua vida é arranjar o que fazer durante o dia, já que não precisa trabalhar. É divertido, fã de música pop e um tanto alienado. Marcus é um garoto de 12 anos  que tem uma mãe hippie depressiva e mal consegue sobreviver à nova escola. Em comum entre eles, apenas a idade mental. Esses dois garotos têm muito a aprender um com o outro.

A relação inusitada que surge entre Will e Marcus é o centro de Um Grande Garoto, outro ótimo trabalho de Nick Hornby. A leitura demora um pouco para engrenar – Hornby usa nesse livro um estilo mastigadinho demais, que cansa no início, mas logo se encaixa perfeitamente à personalidade de Marcus, que insiste em analisar tudo, mas falha por não entender sarcasmo, ironia e outras linguagens, inclusive as próprias da sua idade.

Graças a Will e Ellie, a garota briguenta da escola de Marcus (e minha personagem favorita), o garoto começa a navegar melhor pela adolescência, essa fase que já é complicada pra todo mundo, mas pode ser ainda pior se você não tem uma rede de proteção. E uma rede de proteção é tudo o que Marcus quer.

Há elementos emocionantes no romance, mas o que me agrada mesmo é o humor irônico que permeia a análise de Hornby sobre a vida, a adolescência e os relacionamentos. Esse humor é a melhor característica do escritor inglês e é o que torna seus livros cativantes.

Ficha

  • Título Original: About a Boy
  • Autor: Nick Hornby
  • Editora: Rocco
  • Páginas: 267
  • Cotação: 4 estrelas
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O Recurso

O Recurso - capaA contracapa informa que este é o livro “mais radical” de John Grisham. Certamente, não é “radical” na gíria para “excelente”, porque há diversos livros melhores do mesmo autor. Também não é “radical” no sentido de dedicar-se às raízes do Direito porque, de todos os livros de Grisham, este é o menos jurídico – o foco dele está na política. Em todo caso, é um livro muito bom.

O tema jurídico é o processo indenizatório milionário que corre contra uma empresa acusada de lançar lixo tóxico nos arredores de uma cidadezinha do Mississipi, contaminando a água e o solo e levando câncer à população local – causando, inclusive, a morte de vários habitantes. Lembra a trama de Erin Brockovich, só que aqui, do lado da população desamparada, temos uma casal de jovens advogados inteligentes, dedicados, esforçados e quase falidos.

Após meses de um árduo julgamento, o tribunal local dá ganho de causa às vítimas e condena a corporação Krane Chemical a pagar 41 milhões de dólares de indenização. É nesse ponto que o livro começa – porque, como se sabe, você pode ganhar e não levar… e a corporação vai jogar sujo para não perder dinheiro. Em sede de apelação, o caso será julgado pela Suprema Corte do estado do Mississipi. Juridicamente, as chances estão contra a Krane – mas… e politicamente?

A Suprema Corte do Mississipi é composta de nove juízes eleitos para um mandato (o cargo não é vitalício). Basta, talvez, um juiz para mudar o destino do processo. As eleições para a magistratura se aproximam, e a Krane começa a mexer os pauzinhos financeiros para colocar no tribunal um juiz honesto, dedicado, mas absolutamente contrário ao sistema de indenizações milionárias que afeta os julgamentos norte-americanos.

A parte do livro dedicada ao processo eleitoral é longa demais. O leitor quer chegar logo ao resultado e à conclusão do processo. Os que estão acostumados com os livros de Grisham têm uma boa ideia do que esperar…

John Grisham carrega no conteúdo dramático de O Recurso, além de dar uma boa ideia das mazelas de ter um Poder Judiciário eleito. Se aqui no Brasil já temos tantos dissabores com o Legislativo e o Executivo, imagine o que aconteceria se a magistratura também fosse escolhida pelo sistema eleitoral?

Ficha

  • Título Original: The Appeal
  • Autor: John Grisham
  • Editora: Rocco
  • Páginas: 380
  • Cotação: 3 estrelas
  • Encontre O Recurso.

Fortaleza Digital

Fortaleza Digital - capaEste livro não é apenas o mais chato do Dan Brown: é também o mais chato que li nos últimos tempos.

O centro da história é a divisão de criptografia da NSA, a Agência de Segurança Nacional do governo norte-americano, e seu supercomputador TRANSLTR, capaz de quebrar a criptografia de qualquer email em poucos minutos – até que surge um novo código de criptografia que parece inquebrável. A chave para a sobrevivência do TRANSLTR e da segurança nacional está na Espanha, e para lá é enviado David, um professor universitário e par romântico de Susan, funcionária da NSA.

O livro divide suas páginas entre uma perseguição absolutamente inverossímil na Espanha (que serve pra quê, mesmo?) e muito blá blá blá teórico com a profundidade de um pires na NSA. Nenhuma das partes convence ou entretem. A encheção de linguiça é tão forte que você pode fazer uma leitura diagonal pelos capítulos sem perder uma fração do sentido geral.

Nem as reviravoltas típicas de Dan Brown são suficientes para capturar a atenção. Aliás, mesmo o enigma final do livro (um ponto forte das obras posteriores do escritor – este é seu primeiro livro) é ridículo: o leitor mata a charada em dois minutos e fica observando os supostos gênios da criptografia da NSA debaterem-se em soluções obviamente erradas pelas próximas dez páginas.

De bom, no livro, apenas o conhecimento extra que se pode adquirir sobre a história da criptografia – eu não conhecia a história do quadrado perfeito de César, por exemplo. Só que isso não é suficiente para fazer valer a leitura.

Ficha

  • Título Original:  Digital Fortress
  • Autor: Dan Brown
  • Editora: Sextante
  • Páginas: 330 (uma enormidade para esse livro)
  • Cotação: 1 estrela
  • Encontre (mas não compre!) Fortaleza Digital.