Livro: Procurando Jane

Livro da vez: Procurando Jane, de Heather Marshall.

Evelyn, Nancy e Angela estão ligadas por histórias de maternidade que remontam aos anos 60 e chegam até os dias atuais. A autora costura as vivências dessas três mulheres canadenses, desde as horrendas “casas de amparo maternal”, que faziam tudo menos dar amparo, até as tentativas de um casal para conceber um filho, passando pela legalização do aborto no Canadá, em 1988, após muita luta.

O texto por vezes descamba para o melodrama, mas ainda assim – ou justamente por isso – vi-me enredada pelas histórias das protagonistas, por seus anseios, expectativas, sofrimentos e conquistas. Foram vários os capítulos que me fizeram fungar (ou chorar mesmo). Procurando Jane é uma história de ficção, mas construída a partir de experiências bem reais, e é difícil não se emocionar em alguns momentos.

Como diz a autora, Procurando Jane não é sobre aborto, mas “sobre maternidade. Sobre querer ser mãe e não querer ser mãe e todas as áreas cinzentas entre os dois extremos. É sobre até onde as mulheres estão dispostas a ir para dar fim a uma gravidez ou para ficarem grávidas. (…) E o mais importante: é sobre mulheres se apoiando em suas escolhas individuais e sobre as consequências dessas escolhas”. É também sobre amor: amor platônico, romântico, maternal, filial, amor por uma causa. Sendo sobre amor, termina por ser sobre sacrifício.

Foi coincidência ler Procurando Jane semanas antes de vir a lume o movimento norte-americano para revogar o direito das suas cidadãs ao aborto seguro. Não existe lei ou jurisprudência capaz de efetivamente proibir mulheres de abortarem. O que a proibição e o tabu fazem é que algumas podem pagar profissionais decentes, ou viajar para países em que o procedimento é legal, enquanto outras, as pobres, a maioria, caem nas mãos de açougueiros ou charlatães, ou tentam por conta própria, correndo risco de morte ou de sequelas. Proibir o acesso ao aborto é elitista, segregacionista e cruel.

Indico para quem quer desenvolver uma visão compassiva sobre o tema e para quem busca um romance que, embora não seja leve, é fluido e interessante.

Estrelinhas no caderno: 5 estrelas

Filmes: os melhores de abril de 2022

De volta à programação normal, mesclando filmes antigos e recentes. Meu favorito do mês foi um antigo, o que tem acontecido com certa frequência.

Para saber onde assistir, baixe o app JustWatch, já que volta e meia alguns filmes desaparecem ou migram de streaming.

Recentes

Frida (2002): acabo de decidir que tudo que seja deste século é “recente”. Eu sabia da relação conflituosa de Frida Kahlo com Diego Rivera, mas foi excelente ter uma ideia mais completa da artista, da sua obra, das suas dificuldades e experiências. Não ganha 5 estrelas por ser falado em inglês com sotaque, péssima escolha. Em compensação, manda bem no elenco, na fotografia e no figurino. 4 estrelas

Suspeita (2019): filme tcheco para a televisão (o título original é “Klec”). Uma idosa solitária é procurada por um sobrinho distante e se sente ouvida e acolhida como há muito não se sentia, mas o sobrinho não é o que parece. 4 estrelas

O Mistério de Henri Pick (2019): uma jovem editora encontra um manuscrito soberbo em uma biblioteca especializada em guardar textos rejeitados. Mas quem teria rejeitado um livro tão bom? Um crítico literário fica intrigado, ainda mais quando descobre que o autor não costumava escrever (nem ler). Dramédia bem conduzida. 4 estrelas

Os Rapazes da Banda (2020): Nova Iorque, 1968. Um grupo de amigos gays se reúne para celebrar o aniversário de um deles. Um antigo colega de faculdade (hétero) do anfitrião aparece e gera conflito. Bom, na verdade o conflito já estava lá, só esperando um pretexto. Ressentimentos, inveja, crises existenciais… Mistura explosiva. Comecei pelo Jim Parsons e pelo Zachary Quinto, fui fisgada pelo roteiro. 4 estrelas

O Golpista do Tinder (2022): sucumbi ao hype e sim, o documentário é ótimo. Também é um tanto deprimente, especialmente pelo final. A ingenuidade de algumas vítimas é surpreendente e a audácia de uma delas é coisa de cinema. 4 estrelas

Direto do Túnel do Tempo

O Terceiro Homem (1949): um homem resolve investigar a morte de um velho amigo e aos poucos descobre que esse amigo não era exatamente flor que se cheirasse. Excelente suspense, com trilha sonora conhecidíssima. 5 estrelas

Quem tem medo de Virginia Woolf? (1966): um professor universitário frustrado e sua esposa, a filha do diretor mais frustrada ainda, travam conhecimento com um jovem professor casal. Segue-se uma sucessão de jogos cada vez mais violentos emocionalmente. 4 estrelas

Filmes: os melhores de março de 2022

Vinte filmes em abril, na tentativa de ver todos os indicados ao Oscar antes da cerimônia. Vai daí que só vi filmes recentes este mês, nada de túnel do tempo dessa vez.

Identidade: esse não foi indicado ao Oscar, mas devia ter sido. Na Nova Iorque do fim dos anos 20, uma negra se passa por branca, mas se reconecta com o passado ao reencontrar uma amiga de sua outra vida. Atuações excelentes. 4 estrelas

Attica: o documentário relata a rebelião de 1971 na penitenciária de Attica. Todas as mortes decorrentes foram pelas mãos dos policiais e nenhum deles foi condenado. Sim, lembra bastante Carandiru, mas em proporções menores – o massacre no Brasil foi muito maior. 4 estrelas

Cyrano: história contada e recontada, mas com uma forte carga dramática nessa versão. Peter Dinklage provavelmente teria sido indicado ao Oscar se o filme não fosse um musical. 4 estrelas

Sem Tempo para Morrer: não botei fé no Daniel Craig quando ele foi escolhido para encarnar o 007 e paguei a língua – seus filmes viraram meus favoritos da saga. A despedida é em grande estilo, com as traquitanas tecnológicas que amamos, pouca objetificação feminina (essa nova fase é muito melhor nesse quesito) e uma dose bem-vinda de drama. 4 estrelas

Belfast: não era meu favorito ao Oscar de melhor filme (era Ataque de Cães), mas é muito bom. Kenneth Branagh mostra, pelos olhos da criança que ele foi, os primeiros momentos do conflito entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte. 5 estrelas

Livro: Billy Summers

Livro da vez: Billy Summers, de Stephen King.

Billy Summers é um matador de aluguel e meu primeiro pensamento quando comecei o livro foi “não faltava mais nada, agora vou torcer por um matador de aluguel” – porque a gente sempre acaba torcendo pelos protagonistas do King.

Para aliviar a consciência (do personagem e do leitor), Billy só mata homens ruins. E este é seu último trabalho. A grana é boa e ele vai se aposentar. Mas… há algo de errado nesse trabalho, e Billy pressente isso desde o começo.

Esse não é um livro típico de Stephen King. Não há monstros, fantasmas ou outros elementos sobrenaturais. Por outro lado, esse é um livro muito típico de Stephen King se você, como eu, virou fã do escritor não exatamente por causa das tramas, mas dos personagens. Em Billy Summers, há os flashbacks que geram familiaridade, os dilemas interiores e as contradições que estão presentes nos melhores trabalhos do rei. Billy é apaixonante. Mas ei, não pense que a trama não é boa! É sim, bem amarradinha e com umas guinadas surpreendentes.

Uma excelente porta de entrada para quem nunca leu nada do King e, ao mesmo tempo, uma história certeira para agradar os Leitores Fiéis.

Estrelinhas no caderno: 5 estrelas