Cabine Para Mulheres

Cabine Para Mulheres - capaPode uma mulher independente ser feliz? É esta a pergunta que a capa de Cabine Para Mulheres faz, adiantando o tema do livro.

Akhila não tem a resposta. Ou melhor, tem-na, mas não quer conformar-se a ela. Desde pequena, foi criada para acreditar que a mulher só está completa quando tem um homem ao seu lado. Apesar disso, resolve deixar sua família e viver sozinha. No trem, na cabine reservada para mulheres (que me lembra, tristemente, o vagão para mulheres do metrô do Rio de Janeiro), Akhila conhece outras cinco – que viajam acompanhadas por homens, mas segregadas ao vagão especial -, cada qual com sua história. Ao longo da viagem, as revelações de suas companheiras de cabine a farão refletir sobre a própria vida.

A história de Akhila se passa na Índia dos fim dos anos 90. Ela tem 45 anos. Ter de cuidar, desde adolescente, da mãe e dos irmãos. Toda a felicidade era para eles; nada sobrava para Akhila. Perdeu as oportunidades de se casar. Dona de um emprego público razoável, acostumou-se a ser a provedora e a ser sozinha. Aos 45, ela decide que quer seguir sozinha pela vida. Será que pode envelhecer sozinha? Será que pode deixar para trás os parentes que até hoje a tolhem e impedem-na de encontrar a felicidade?

As mulheres que partilham suas vidas com Akhila são muito diferentes entre si, mas têm em comum a energia para tentar romper as barreiras sexistas, para fazerem-se ouvir, para dizerem a que vieram. Não querem submeter-se à sociedade indiana patriarcal. Não querem viver à margem de pais, filhos ou maridos que não permitem que desenvolvam seu potencial, suas ideias e suas emoções.

De todas, Akhila é a mais radical em suas opções – talvez não por escolha, mas porque a vida lhe colocou situações que a forçaram neste caminho. Como todas, tem inseguranças e medos. Como todas nós, só quer ser feliz.

Trechos

– Essa coisa de igualdade no casamento não existe – disse amma. – É melhor aceitar que a mulher é inferior ao marido. Assim, não haverá atritos, nem desarmonia. É só quando alguém quer provar que é igual aos outros que passa o tempo todo lutando e combatendo. É tão mais simples e tão mais fácil aceitar nosso próprio lugar na vida, e viver de acordo com ele. A mulher não foi feita para assumir o papel do homem. Se fose, os deuses a teriam feito assim. Portanto, que história é essa de os dois serem iguais, num casal? (p. 28)

Entende o que estou querendo dizer? São mulheres legais, mas daquelas que não se sentem completas sem um homem. Podem até dizer o contrário, mas eu as conheço, e outras como elas. No fundo do coração, acham que o mundo não quer saber de uma mulher sozinha. (p. 133)

“E eu?” Foi o que quis perguntar. Será que não tenho o direito de esperar nada dele? Eu não trabalho, tanto quanto ele, e mais ainda, porque tenho de cuidar também da casa? Por que você acha que ele é ocupado e eu tenho todo o tempo do mundo? Sendo minha mãe, não deveria ficar do meu lado? Não deveria ouvir o meu ponto de vista? O que aconteceu com essa coisa chamada amor incondicional que, supostamente, os pais sentem por seus filhos? (p. 155)

Nenhum dos dois me amava. Mas ambos precisavam de mim. Quem não pode ter amor deve se contentar com a necessidade. O que é o amor, senão uma necessidade disfarçada? (p. 343)

Ficha

  • Título Original: Ladies Coupé
  • Autor: Anita Nair
  • Editora: Nova Fronteira
  • Páginas: 364
  • Cotação: 3 estrelas
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Uma Pálida Visão dos Montes

Uma Pálida Visão dos Montes - capaUma Pálida Visão dos Montes é o primeiro romance de Kazuo Ishiguro, japonês nascido em Nagasaki e criado na Inglaterra, autor de um dos meus livros favoritos, Não me abandone jamais. Nesse primeiro texto, já dá pra ver o potencial do escritor para criar dramas sem apelar para cores fortes. Ele economiza nos adjetivos, escolhe a dedo cada palavra e faz uma prosa contida, contemplativa e quase lírica, cuja delicadeza joga um véu sobre a tragédia que narra.

O livro é feito das reminiscências de uma sobrevivente de Nagasaki há muitos anos radicada na Inglaterra. Etsuko recorda o verão em Nagasaki em que estava grávida de sua primeira filha e conheceu Sachiko, uma vizinha que foi sua amiga por alguns meses. Sachiko tivera a vida arruinada pela Segunda Guerra Mundial e fazia o que podia para criar sua filha Mariko, enquanto mantinha as esperanças numa futura mudança para os Estados Unidos. De vez em quando, a história se volta para o presente de Etsuko e indica que sua própria mudança para a Inglaterra não transformou sua vida no mar de rosas com que Sachiko sonhava.

Ishiguro faz os dias parecerem cotidianos na Nagasaki pós-bomba atômica, ao mesmo tempo em que revela as feridas causadas pelo ataque: as mudanças de rumo, de vidas, de paisagem, de perspectivas. O autor faz as vidas de seus protagonistas parecerem até banais na maior parte do tempo – então, pontua algum detalhe que dá a verdadeira dimensão do drama em que vivem. Esse talento narrativo faz o leitor se envolver com a história quase sem perceber.

Uma Pálida Visão dos Montes não é brilhante como Não me abandone jamais, mas dá uma boa ideia do que Ishiguro ainda iria produzir.

Atualização: esse livro guarda interpretações que apenas um leitor muito atento – ou um que faça uma segunda leitura – apreenderá (o Sr. Monte precisou me alertar sobre a mais importante delas). Se entender inglês e não se importar com “spoilers” (ou já tiver lido o livro), há um trabalho muito interessante sobre Uma Pálida Visão dos Montes.

Ficha

O Carrasco do Amor

O Carrasco do Amor - capaQuem já fez terapia passou por isso: a insegurança ao ver o terapeuta mudo na sua frente, apenas anotando, acenando a cabeça ou simplesmente encarando você. Dá vontade de sacudi-lo pelos ombros e, embora ninguém chegue a esse ponto (acho eu), muita gente pergunta “Ei, o que você está pensando sobre tal ou qual coisa que eu te disse?”. Em geral, a única resposta dada pelo terapeuta é… outra pergunta.

O Carrasco do Amor sacia um pouco da curiosidade dos pacientes em saber o que pensam os terapeutas. O escritor, psiquiatra há mais de 30 anos, selecionou dez casos para explorar questões centrais recorrentes em terapia e, por tabela, o relacionamento paciente-terapeuta.

A faceta que Yalom mostra é até humana demais. Em alguns momentos, peguei-me revivendo as minhas sessões e me perguntado “Será que era isso que minha terapeuta pensava? Será que aquela cara impassível escondia sentimentos tão fortes? Será que em algum momento ela sentiu desprezo ou uma profunda antipatia por mim?” A resposta, na verdade, não importa. Não podemos controlar como as outras pessoas nos percebem, e isso vale também para o nosso terapeuta; e como ele nos percebe é, simplesmente, problema dele – algo que ele, se achar necessário, deve trabalhar como paciente diante de outro terapeuta. Para seus próprios pacientes, basta que seja dedicado e profissional.

Um efeito colateral das histórias é que o leitor provavelmente se identificará com algum (ou alguns) dos pacientes, ou com fragmentos das vivências de alguns deles. Assim, embora sejam examinadas vidas alheias, os ensaios provocam uma autoanálise, um movimento para dentro de si mesmo que deveria ser praticado com mais frequência em busca do autoconhecimento. Justamente por esse movimento auto-reflexivo, o livro é interessante para qualquer pessoa, tenha ou não passado por um processo terapêutico (cá entre nós, acho que todo mundo se beneficiaria por fazer um ano ou dois de terapia, no mínimo).

Trechos

Descobri que quatro dados são particularmente relevantes para a psicoterapia: a inevitabilidade da morte para cada um de nós e para aqueles que amamos, a liberdade de viver como desejamos, nossa condição fundamental de solidão e, finalmente, a ausência de qualquer significado ou sentido óbvio para a vida. (p. 12)

A liberdade significa que a pessoa é responsável por suas próprias escolhas, ações e condição de vida. Embora a palavra responsável possa ser utilizada de várias maneiras, prefiro a definição de Sartre: ser responsável é “ser o autor de”, cada um de nós sendo assim o autor de seu próprio plano de vida. Nós somos livres para sermos qualquer coisa, exceto não livres – nós estamos, diria Sartre, condenados à liberdade. (p. 16)

Todo terapeuta sabe que o primeiro passo crucial na terapia é a aceitação por parte do paciente da responsabilidade pela sua condição de vida. (p. 16)

A liberdade não apenas requer que aceitemos a responsabilidade por nossas escolhas de vida, como também pressupõe que a mudança demanda um ato de vontade. (p. 17)

Um dos grandes paradoxos da vida é que a autoconsciência provoca angústia. A fusão elimina a angústia de modo radical – eliminando a autoconsciência. A pessoa que se apaixonou e ingressou em um bem-aventurado estado de fusão não é auto-reflexiva, pois o eu solitário questionador (e a concomitante angústia do isolamento) se dissolve no nós. Assim, a pessoa se livra da angústia, mas perde a si mesma. (p. 19)

Somente quando sentimos um insight na carne é que o reconhecemos. Somente então podemos agir e mudar. Psicólogos populares falam continuamente sobre “aceitação da responsabilidade”, mas essas são só palavras: é extremamente difícil, inclusive aterrorizante, chegar ao insight de que você, e apenas você, constrói seu próprio plano de vida. Assim, o problema na terapia é sempre como ir de uma apreciação intelectual ineficaz de uma verdade a respeito de si próprio até uma experiência emocional dessa verdade. É somente quando a terapia provoca profundas emoções que ela se torna uma poderosa força para a mudança. (p. 43)

Talvez o credo terapêutico mais importante para mim seja que a vida não examinada não vale a pena ser vivida. (p. 55)

Jamais tire qualquer coisa se você não tiver nada melhor para oferecer em troca. Tome cuidado ao desnudar um paciente que não pode suportar o frio da realidade. E não se canse combatendo o encantamento religioso: você não é páreo para ele. A sede pela religião é forte demais, suas raízes profundas demais, seu reforço cultural poderoso demais. (p. 167)

Ficha

  • Título Original: Love’s Executioner
  • Autor: Irvin D. Yalom
  • Editora: Ediouro
  • Páginas: 286
  • Cotação: 3 estrelas
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Vivendo no Limite

Vivendo no Limite - capaFrank Pierce é um paramédico acostumado a salvar vidas no violento Hell’s Kitchen (Cozinha do Inferno), bairro de Nova Iorque – mas sua própria vida está indo pelo ralo.

Em toda esquina, vê o fantasma de uma garota de 18 anos que atendeu e não conseguiu salvar. Seu casamento está acabando. Seus nervos estão em frangalhos e só a bebida lhe dá alguma paz. O ambiente de trabalho está além do que poderia ser definido como estressante e não é incomum que seus colegas surtem.

As ruas de Nova Iorque são vistas sob a perspectiva de Frank. O paramédico sobe prédios decadentes para salvar quem nem sempre quer (ou deve ser salvo). Cumpre seu dever, mas não há consolo nisso. Ao contrário, Frank fica cada vez mais doente. Ele sequer tenta melhorar (embora peça demissão quase todos os dias), busca apenas sobreviver – e fazer seus pacientes, aos quais se apega demais, ganharem um tempo extra sobre a Terra.

O livro é bem escrito, cru, algo frenético e um tanto deprimente. Virou filme, com Nicholas Cage no papel principal. Não suporto Cage, mas até acho que ele deve ter dado um bom Frank Pierce, com aquela cara de ausente que lhe é peculiar.

O autor foi paramédico em Nova Iorque, portanto escreveu o romance com conhecimento de causa.

Ficha

  • Título Original: Bringing out the dead
  • Autor: Joe Connely
  • Editora: Companhia das Letras
  • Páginas: 342
  • Cotação: 3 estrelas
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