Ficha Técnica
Shrek The Third. EUA, 2007. Animação. 93 minutos. Direção: Chris Miller. Com as vozes de Mike Meyers, Eddie Murphy, Cameron Diaz, Antonio Banderas, Julie Andrews, John Cleese, Rupert Everett, Eric Idle e Justin Timberlake.
O rei Harold (John Cleese), pai de Fiona (Cameron Diaz), morre repentinamente. Com isto Shrek (Mike Myers) precisa ser coroado rei, algo que ele jamais pensou em ser. Juntamente com o Burro (Eddie Murphy) e o Gato de Botas (Antonio Banderas), ele precisa encontrar alguém que possa substituí-lo no cargo de soberano do Reino de Tão, Tão Distante. O principal candidato é Artie (Justin Timberlake), um jovem desprezado por todos em sua escola, que é primo de Fiona.
Mais informações: Adoro Cinema.
Comentários
Parece que a Dreamworks perdeu a mão nesta edição da franquia Shrek. Não que o terceiro filme seja ruim – não é. Mas também não chega aos pés dos dois primeiros.
O primeiro episódio da vida do ogro contou com o elemento-surpresa. Para começar, um monstro é o herói. Os personagens de conto-de-fadas são tirados de seu habitat, tira-se um sarro com cantoria típica da Disney, as tradiçõessobre histórias encantadas são ignoradas. De quebra, Eddie Murphy encarna um Burro Falante – com as feições do ator, além da sua voz – pra lá de engraçado. Shrek faz o bem, mesmo agindo por motivos inicialmente egoístas. A moral da história, “quem vê cara não vê coração” contraria os estereótipos da Disney, que valoriza o belo (ninguém nunca se perguntou sobre o caráter da Branca de Neve).
Em Shrek 2, o Gato de Botas rouba a cena. Antonio Banderas empresta sua voz latina ao felino malandro e cativante – quem nunca se derreteu ao ver seu olhar carente, atire a primeira pedra, ou a primeira bola de pêlo. O Burro está de volta, mais falante (e irritante) que nunca. O trio de inusitado precisa lutar contra o Príncipe Encantado e a Fada Madrinha, tradicionais heróis nos contos-de-fadas. Novamente, a desconstrução dessas tradições é bem feita. Recheado de referências a outros filmes, como Missão Impossível, o segundo filme da franquia conseguiu ser mais divertido que o primeiro e criou expectativas em relação ao próximo episódio.
Finalmente, chega Shrek Terceiro. O Burro e o Gato estão lá. O dragão do primeiro filme, também. Shrek, Fiona, Fada Madrinha, Príncipe Encantado, um bando enorme de vilões, as princesas-dondocas, todos os elementos e outros mais estão presentes. Mesmo assim, falta algo.
Há cenas engraçadíssimas, sim, especialmente no início da película. O rei que vira sapo ao se aproximar da morte é uma grande sacada. As referências à cultura norte-americana também são divertidas. O grau de realismo do filme é impressionante, superando largamente seus antecessores. Na primeira cena, vemos um galopante Príncipe Encantado tão caprichado que parece de carne e osso. O detalhismo é marcante em várias cenas e nas curiosidades de produção: movimentos de líderes de torcida foram exaustivamente estudados para dar realismo às mocinhas do colegial; desfiles de roupas de época ajudaram a compor o figurino da animação.
O que falta, então?
Roteiro.
A impressão que Shrek Terceiro passa é que tudo foi muito bem pensado e executado, menos o argumento. A história simplesmente não cativa, mal conseguindo prender a atenção do público. Algumas cenas são tediosamente longas. As boas tiradas dos primeiros filmes não são tão constantes aqui. A ironia cede espaço para a tentação de contar uma história muito explicadinha.
Se para os adultos o filme carece de ritmo, para crianças pequenas o desinteresse deve ser ainda maior. Nós ainda achamos graça no sapo moribundo, lembrando dos sapos que viram príncipes; rimos com as dondoquinhas Cinderela, Bela Adormecida, Rapunzel e Branca de Neve e divertimo-nos com o movimento feminista puxado pela Rainha; recordamos a adolescência vendo as cenas na escola de Artie . As crianças não aproveitam esses momentos e não são agraciadas com um filme ágil.
Ainda tive o azar de assistir à versão dublada – em Brasília, não estava sendo exibida a legendada. Fazem muita falta as vozes de Eddie Murphy e Antonio Banderas. A dublagem do ogro, que era a melhor de todas, também se ressentiu da ausência de Bussunda, falecido em 2006 e substituído pelo dublador profissional Mauro Ramos – excelente, mas não tão carismático quando o Casseta.
Apesar dos defeitos, Shrek Terceiro é sucesso de bilheteria, garantindo a execução de Shrek 4 (provavelmente em 2010) e Shrek 5. Não posso deixar de duvidar da qualidade destas seqüências. Caça-níqueis também tem limites.
O ponto alto, além da riqueza de detalhes da animação, é a trilha sonora recheada de rock, tão boa quanto as dos dois primeiros episódios.
Além da Tela
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Falando no Gato… Em maio a Revista Época publicou matéria em que questionava a desconstrução dos contos-de-fadas feita por Shrek e apresentada a um público mirim que ainda nem teve a chance de conhecer as versões “normais” dos tais contos. A matéria era bem interessante e concluía perguntando: será que alguma criança ainda lê a história original do Gato de Botas?
Bem, eu li quando criança uma bela adaptação do conto de Charles Perrault sobre o esperto gatinho do Marquês de Carabás. Recomendo. Há algumas versões na web. A do site Projeto Contos de Fadas é curta e simples; uma versão um pouco mais elaborada da história é recomendada para crianças mais adiantadas na leitura. A leitura do conto confirma que nada se cria, tudo se copia: o Gato de Botas malandro de Shrek está bem presente nele.
A ilustração ao lado foi feita por Gustave Doré (1832-1886); encontrei-a na Wikipédia que, aliás, traz um verbete sobre Charles Perrault, autor de outros contos famosos, como Cinderela e Chapeuzinho Vermelho.