Samantha Sweet, Executiva do Lar

Samantha Sweet, executiva do lar
Chick lit de primeiro nível.

Samantha Sweet, executiva do lar é um dos melhores livros chick lit (ou “literatura mulherzinha”) que já li – provavelmente, o melhor.

Dessa vez, a história não gira em torno de namoros atrapalhados, consumismo desenfreado, roupas, divórcio ou maternidade. Samantha é uma profissional muito bem-sucedida que comete um erro e vê seu mundo desmoronar. Então, quase sem dar-se conta (mas não sem sofrer), reconstrói sua vida novamente, de um jeito mais doce, mais simples e, obviamente, melhor.

Minha predileção pelo livro pode ter a ver com as mudanças por que passei nos últimos meses e que me levaram a repensar hábitos e comportamentos, num ritmo muito semelhante ao da protagonista (não, minha vida não desmoronou; às vezes, a gente não precisa de tragédias pra realinhar perspectivas). De qualquer modo, Samantha Sweet, executiva do lar é uma história bem escrita e envolvente.

Sim, é claro que há clichês. Se você parar pra pensar, todo gênero literário tem clichês – são eles que, ora essa, moldam esse tal de “gênero”. Só que este livro de Sophie Kinsella, diferentemente de outros da mesma autora,  tem o grande mérito de dar uma roupagem mais amadurecida aos chavões.

Para quem gosta de chick lit, é um livro imperdível; para quem tem preconceito contra esse tipo de literatura, é um bom lugar pra começar a quebrá-los. De qualquer maneira, é diversão garantida.

Trecho

Se aprendi uma coisa com tudo que me aconteceu, é que não existe essa coisa de maior erro da existência. Não existe essa coisa de arruinar a vida. Por acaso a vida é uma coisa muito resistente. (p. 424)

Ficha

Sem Sangue

Escrito originalmente para a Revista Paradoxo, em 04/11/2008.

É apenas para efeito didático que se marca data para começo e fim de uma guerra. As sementes da Segunda Guerra Mundial começaram a germinar muito antes da invasão da Polônia por Hitler em setembro de 1939 – há quem a defina como mais um capítulo da guerra iniciada em 1916. Da mesma maneira, não se imagina que quando o último soldado norte-americano se retirar do Iraque a guerra terá, de fato, chegado ao fim para os sobreviventes. Na vida que se desenrola além dos livros de História, não existem linhas pontilhadas marcando pontualmente o início e o fim de uma guerra para aqueles que sofrem seus efeitos devastadores. Sejam eles classificados formalmente como vitoriosos ou vencidos.

O término oficial de uma guerra é o ponto de partida para o romance Sem Sangue, do italiano Alessandro Baricco. O escritor faz questão de deixar claro que o texto é ficcional e não fornece informações geográficas ou temporais que permitam ao leitor situar a história. Todas as guerras são, afinal, iguais na dor, nas feridas e nos traumas que causam.

No livro, alguns homens vão à caça de um médico. O ronco do Mercedes anuncia a aproximação e o doutor trata de esconder sua filha num buraco, sob a casa de fazenda isolada. Entrega a ela uma arma, conservando outra para si, e prepara-se para o embate. A primeira impressão é a de que os tais homens no carro são os inimigos, os implacáveis vilões – até que se descobre o envolvimento do médico nos horrores da guerra da qual saiu derrotado.

Décadas depois do confronto na casa isolada, ainda há sobreviventes. A guerra, para eles, não havia acabado no dia determinado pelas autoridades passadas; não acabara na casa de fazenda; e não tem fim até o dia em que se encontram. O curto romance apresenta uma história de morte e vingança em que não é possível tomar partido.

Baricco não se apega a descrições, mas suas frases precisas constroem imagens vívidas e mergulham o leitor numa trama que surpreende e atordoa. É livro com cara de filme, de roteiro pronto para pular para as telas. Enquanto Seda (esse sim, transformado em filme em 2007) conquista pelo lirismo, Sem Sangue impressiona pela dureza. Uma dureza poética.

Trechos

Por mais que a gente se esforce para viver uma única vida, os outros verão outras mil dentro dela, e é por essa razão que não conseguimos evitar de nos machucarmos.

Já não se podia voltar atrás, quando as pessoas começam a se matar não se volta mais atrás. Não queríamos chegar àquele ponto, os outros começaram, depois não houve mais nada a fazer.

Ficha

  • Título: Senza Sangue
  • Autor: Alessandro Baricco
  • Editora: Companhia das Letras
  • Páginas: 81
  • Cotação: 5 estrelas
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Paraíso Perdido

Escrito originalmente para a Revista Paradoxo, em 06/08/2008.

Há livros que, mesmo em prosa, transbordam poesia. Assim é Paraíso Perdido, de Cees Nooteboom, escritor holandês de destaque e um dos convidados da FLIP 2008. Não por acaso, ele empresta o título do poema épico do inglês John Milton ao livro, referenciado em diversos momentos da história.

A protagonista da história de Nooteboom é Alma, uma paulistana que embarca após sofrer um estupro para a Austrália em busca de um mundo mitológico. Sonhadora, ela idealiza os aborígenes, habitantes ancestrais da região, elevando-os à categoria de anjos – mais um grupo na narrativa que exerce fascínio.

A primeira parte do livro é narrada sob o ponto de vista de Alma e o leitor é tragado por seus pensamentos e sonhos líricos. A amiga Almut, que a acompanha na aventura, é sua única ligação com a realidade. É ela quem se ocupa das questões pragmáticas, como por exemplo a logística da viagem e as formas de se conseguir dinheiro. O que prevalece, no entanto, é sempre o devaneio, somado pelo mergulho de Alma em si mesma e numa cultura em que, afinal, não corresponde ao seu idealismo. Não que uma mudança não se transcorra: ela se torna um anjo aos olhos de outros.

Nooteboom muda o tom e o fluxo da escrita várias vezes. Da primeira para a terceira pessoa; do presente ao passado e novamente ao presente; de uma ponta do planeta à outra; da concretude à subjetividade. As alterações estruturais enriquecem e tornam o texto mais envolvente, transmitindo com maior precisão o sentimento que o permeia: a vida é imprevisível, feita de desencontros, caminhos errados e mal-entendidos. Nada se molda às nossas expectativas – ao contrário, as crenças precisam ser refeitas a partir do que vamos encontrando a cada curva. Clichês têm validade limitada e cedem frente à realidade crua.

O próprio ato da escrita e suas decorrências são objeto de análise de Nooteboom. Como a crítica literária, profissão a que se dedica Erik Zondag, personagem da segunda metade do livro.

Paraíso Perdido consegue ser leve e melancólico a um só tempo. Ao leitor, cabe fugir à tentação de racionalizar os meandros da história – melhor é senti-la, perdendo-se na sua fluidez.

Trechos

Tornei-me inabordável, soberana. Se fosse um instrumento musical, produziria a mais bela das músicas. Sei que não posso dizer nada dessas coisas a quem quer que seja, mas juro que é verdade. Pela primeira vez na vida entendi o que queriam dizer na Idade Média quando falavam da harmonia das esferas. Estou fora, e não apenas vejo as estrelas, também as ouço.

Nesse mundo tudo se dá ao mesmo tempo: poesia, a maneira integral como vivem; é muito sedutor para as pessoas que vêm de algum lugar onde quase tudo está errado. A conseqüência é que tudo, ou quase tudo, se aniquila. Não é isso o que todo mundo vem buscando desde sempre, o paraíso perdido?

Ficha

  • Título original: Lost Paradise
  • Autor: Cees Nooteboom
  • Editora: Companhia das Letras
  • Páginas: 153
  • Cotação:  estrelas
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O Escafandro e a Borboleta

“Decidi parar de ter pena de mim mesmo. Além do meu olho, há duas coisas que não estão paralisadas: minha imaginação e minha memória.”
(Jean-Dominique Bauby)

Ficha Técnica

  • Título original: Le Scaphandre et le Papillon
  • País de origem: França/EUA
  • Ano: 2007
  • Gênero: Drama
  • Duração: 112 minutos
  • Direção: Julian Schnabel
  • Roteiro: Ronald Harwood, baseado em livro homônimo de Jean-Dominique Bauby.
  • Elenco: Mathieu Amalric (Jean-Dominique Bauby), Emmanuelle Seigner (Céline Desmoulins), Marie-Josée Croze (Henriette Durand), Anne Consigny (Claude), Patrick Chesnais (Dr. Lepage).
  • Sinopse: Jean-Dominique Bauby (Mathieu Amalric), editor da Revista Elle, sofre um derrame cerebral e, quando acorda do coma, o único movimento que lhe resta no corpo é o do olho esquerdo. Bauby aprende a comunicar-se piscando e recria seu mundo a partir do que lhe resta: a imaginação e a memória.

Comentários

O Escafandro e a Borboleta À primeira vista, O Escafandro e a Borboleta lembra um grande sucesso de 2004, Mar Adentro.  Ambos baseiam-se em histórias reais de homens com mentes lúcidas, inteligentes e ativas presas a corpos inúteis.

As diferença entre esses dois vitimados pelo destino, porém, são muitas. Ramón Sampedro (Mar Adentro) passou a maior parte de sua vida preso a uma cama, ao contrário de Jean-Dominique Bauby. Por outro lado, Ramon era capaz de falar, enquanto Bauby só tinha seu olho esquerdo para comunicar-se com o mundo. Ramón luta pelo direito de morrer, enquanto Jean-Dominique decide agarrar-se à vida. Ambos escreveram livros: o de Ramón (Cartas do Inferno) narra seu sofrimento dentro de uma casca; já para Jean-Do, a feitura de O Escafandro e a Borboleta é o meio que ele encontra para sentir-se vivo.

As perspectivas diversas de Ramón e Jean-Dominique refletiram-se em filmes completamente diferentes. Mar Adentro é pesadíssimo. Lembro-me de ter chorado rios durante a exibição. Praticamente todas as cenas são construídas em torno do desespero de Ramón, mesmo quando ele não está presente. Achava que O Escafandro e a Borboleta seguiria pelo mesmo caminho, mas fui surpreendida.

Sim, O Escafandro e a Borboleta entristece. Claro que a visão de um homem totalmente paralisado parte o coração. As cenas em que Jean-Do encontra familiares e amigos são particularmente comoventes. Incrivelmente, no entanto, é possível rir em alguns momentos – por exemplo, quando Jean-Do  torce para que a enfermeira curve as costas só mais um pouquinho, a fim de dar-lhe uma melhor visão do seu decote. Os pensamentos de Jean-Do são partilhados com o público e revelam um sujeito bem-humorado, dono de um raciocínio mordaz e debochado e de uma tenacidade que se recusa a ceder diante da autopiedade.

À parte a excelente história, o que se destaca realmente  é a perspectiva escolhida pelo diretor Julian Schnabel para contá-la. Durante meia hora, o espectador é forçado a ver o mundo como Bauby, por meio de seu olho esquerdo, numa experiência angustiante. Você quer ver outra imagem, quer um novo ângulo e mais nitidez, mas precisa contentar-se com a visão limitada de Jean-Do. Não há trilha sonora, também – aliás, durante o filme são vários os momentos de completa ausência de música, alternados com um repertório de muito bom-gosto (a abertura, por exemplo, é ao som da clássica La Mer, de Charles Trenet).

Como sempre, fui ao cinema sem ler nada sobre o filme. Passei todo o tempo desejando a recuperação de Jean-Do, a superação da locked-in syndrome (ou “síndrome do encarceramento”, nome do raro estado que o acometeu após o derrame). Torci para que ele se libertasse do escafandro que encarcerava seu espírito, torci para que as metafóricas borboletas se tornassem reais.

Ele se recupera? Veja o filme para descobrir. De todo modo, o que importa é a perseverança heróica de Jean-Do e sua determinação de permanecer em contato com o mundo, mesmo restando-lhe apenas o olho esquerdo.

Cotação: 5 estrelas

Curiosidades

O Escafandro e a Borboleta concorreu em quatro categorias ao Oscar 2008: melhor diretor, melhor fotografia, melhor edição e melhor roteiro adaptado. Não levou nada, mas ganhou o Globo de Ouro 2008 por melhor diretor e por melhor filme estrangeiro.

No Festival de Cannes de 2007, ganhou o prêmio de melhor diretor e o Grande Prêmio Técnico, pelo trabalho de Janusz Kaminski. Kaminski é responsável, entre outras obras, pela fotografia de todos os filmes de Steven Spielberg[bb] desde A Lista de Schindler[bb].

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A síndrome “locked-in” é a completa paralisia de praticamente todos os músculos do corpo, exceto dos que controlam o movimento dos olhos. O paciente permanece alerta, mas confinado a um corpo inerte. Há diversas ocorrências no Google sobre o tema.

Serviço