Com Sangue

Livro da vez: “Com Sangue”, o mais recente livro de Stephen King, lançado pela @editorasuma. São quatro contos excelentes, e não posso deixar de comentar: que capa maravilhosa!

Em “O telefone do Sr. Harrigan”, o pré-adolescente Craig é contratado por um velho ricaço para ler para ele diariamente, e dessa relação surge uma amizade que continua ao longo do tempo, de forma inusitada. King aproveita para relembrar o surgimento do iphone e a popularização da internet.

“A vida de Chuck” é contada em três atos, mas de forma inversa, começando pelo final. Uma forma incomum de falar sobre morte e, mais que isso, sobre a abrangência da vida.

“Com Sangue” está mais para novela, em razão do tamanho, e dá spoilers massivos dos livros “Mr. Mercedes”, “Achados e Perdidos” e “Outsider”, que não li ainda (a @soterradaporlivros me avisou e ignorei o aviso por minha conta e risco). Nessa história de suspense, a detetive particular Holly Gibney percebe algo estranho durante a cobertura jornalística de um atentado e resolve seguir seu faro, colocando-se em risco.

Em “Rato”, King revisita um velho clichê de suas obras, o professor de inglês e escritor. Drew é um escritor frustrado que acha que dessa vez conseguirá completar um romance e pra isso decide se isolar em uma cabana da família, mas claro que nada será tão simples assim. Acho que, apesar do clichê, foi meu conto favorito.

Na verdade é bem difícil escolher um favorito. King parte de vidas comuns para incorporar o elemento fantástico, e faz isso com perfeição, entregando histórias redondas com finais ótimos. Livro imperdível.

Estrelinhas no caderno: 5 estrelas

Ritos de Passagem

“Adulthood Rites” (“Ritos de Passagem”), de Octavia E. Butler, foi o sexto (e último) livro da maratona #JornadaLendoSciFi, organizada pela @soterradaporlivros. E que livro.

A história começa um livro antes, com “Dawn” (“Despertar”). Nele descobrimos que a humanidade finalmente conseguiu se destruir e quase destruiu a Terra no processo. A espécie humana foi salva da extinção por uma raça alienígena, os Oankali, que estão recuperando a espécie e o planeta, mas não de graça (eu ia dizer o que eles querem em troca, mas acho melhor que você descubra durante a leitura). Lilith é a primeira humana a ser acordada da animação suspensa pelos Oankali e tem a missão de ser a ponte entre essa espécie estranha e os humanos remanescentes. Se tudo der certo, terá a missão de guiá-los de volta à Terra.

“Adulthood Rites” não se centra em Lilith, mas em Akin, um de seus muito filhos – dela e de outros quatro pais biológicos, entre humanos e Oankali. Não posso falar mais da história sem dar spoilers do primeiro livro. Se “Despertar” pode ser lido isoladamente, “Ritos de Passagem” depende do primeiro da trilogia e deixa um gancho enorme para o terceiro, “Imago”. O gancho é tão grande que acabei emendando a leitura (e nada aconteceu como eu esperava).

“Imago” se passa uns cem anos depois de “Dawn” e demora a engrenar, mas vale a pena. É narrado em primeira pessoa por Akin, outro filho de Lilith, um ser único que terá desafios enormes pela frente.

A Trilogia Xenogênese é o que há de melhor na ficção científica: de um lado, a exploração dos limites da ciência e da criatividade (nunca li nada tão alien e que me causasse tanto estranhamento quanto os Oankali); de outro, indagações que podem ser transportadas para o cotidiano. A mais visível delas é a questão do consentimento, mas a trilogia aborda outros temas profundos, como racismo, eugenia, ecologia e a velha natureza humana. Será que temos conserto? Há esperança para a humanidade?

Os dois primeiros livros já estão traduzidos para o português e “Imago” estava previsto para 2020. Alguma novidade, @editoramorrobranco?

Estrelinhas no caderno: 5 estrelas para os dois primeiros e 4 estrelas para o terceiro.

A Curva do Sonho

“A curva do sonho” foi meu quinto livro da #JornadaLendoSciFi e foi indicação da @soterradaporlivros. E que indicação!

Em um futuro menos distante do que gostaríamos, George Orr tem “sonhos efetivos” – sonhos com o poder de mudar a realidade, inclusive em caráter retroativo, de modo que ninguém mais perceba que a realidade foi alterada.

Não por vontade própria, ele começa um tratamento para tentar resolver suas “alucinações” (é assim que os outros o veem: um sujeito alterado sofrendo de alucinações ou de algum outro distúrbio mental) com a ajuda do Dr. William Harber, que acaba percebendo que Orr não é tão louco quanto pensam.

Esse foi meu segundo livro da Ursula K. Le Guin. O primeiro foi “A mão esquerda da escuridão”. “A curva do sonho” é mais fino e, em certo sentido, mais “fácil” porque os conceitos não são tão alienígenas. Ainda assim, é intrigante. O que é um mundo ideal? Os fins justificam os meios? Quem pode dizer o que é melhor para a humanidade? Perguntas filosóficas se misturam a debates bem concretos e atuais, como as mudanças climáticas e o racismo.

Estrelinhas no caderno: 5 estrelas

Dreamblood – Duologia

Você acha que já leu todo tipo de fantasia? Leia N. K. Jemisin. Ela foge aos clichês do gênero e cria histórias poderosas com palavras exatas. O leitor é conduzido com esmero por um mundo novo e logo tem a sensação de ter nascido nesse mundo. É o que acontece na duologia Dreamblood.

O primeiro livro, “Killing Moon”, demora um pouco a engrenar, o que não é raro em livros de fantasia com worldbuilding complexo. Quando engrena, agarra o leitor e não solta mais. Senti-me no deserto com Ehiru e Nijiri, compartilhei suas incertezas e naveguei com eles no mundo dos sonhos – eles são Gatherers, sacerdotes da deusa Hananji e do templo Hetawa que usam magia para (entre outras coisas) conduzir a alma dos suplicante ao além-vida. Subitamente, veem-se envolvidos por uma intriga política que começa sutilmente e se revela uma grande ameaça.

O segundo livro, “The Shadowed Sun”, transcorre no mesmo mundo, dez anos depois. Dessa vez, acompanhei os Sharers, outra vocação no Hetawa. Numa simplificação, se Gatherers curam a alma, Sharers curam o corpo, também por meio de magia e do mundo dos sonhos. Hanani, única Sharer mulher, enfrenta um enorme desafio enquanto tenta se encontrar em meio às exigências do Hetawa e às suas próprias necessidades. Jemisin me fez sentir as angústias de Hanani com tanta força que às vezes era preciso interromper a leitura.

O worldbuilding é excelente e os personagens são complexos e multifacetados, mas a força da escrita de N. K. Jemisin é a construção de relacionamentos. Essa habilidade torna Dreamblood uma história inesquecível.

Infelizmente, ainda não há tradução para o português. O jeito é ler em inglês ou aguardar a tradução pela @editoramorrobranco.

@soterradaporlivros e a @livroseletricos também resenharam a duologia (era pra ser leitura coletiva, eu flopei), vai lá ver.

Estrelinhas no caderno: 5 estrelas