Dewey – um gato entre livros

Dewey, um gato entre livros.
Prato cheio para gateiros.

Apaixonada por livros e por gatos, claro que me interessei assim que ouvi falar de Dewey – um gato entre livros. Demorou um tanto até comprar o livro, mais outro até ler… mas valeu a espera.

Se você não gosta de gatos, não vai achar muita graça na história de Dewey Readmore Books. Como uma mãe coruja, Vicki, funcionária da Biblioteca Pública de Spencer, conta com todo o desvelo o cotidiano do gato da biblioteca durante 19 anos, desde que foi encontrado na caixa de coleta. Para quem ama felinos, é uma delícia ler sobre esse gatão laranja afetuoso e louco por colo, que se deita sobre a mesa cheia de papéis para pedir atenção, adora um colo na hora de dormir e tem verdadeiro horror ao veterinário. Se você tem gatos, certamente vai rir uma hora ou outra das travessuras de Dewey, identificando-as com as dos seus próprios felinos, ou vai lançar aquele olhar típico de reconhecimento que sempre acontece entre dois gateiros que conhecem muito bem as idiossincrasias desses adoráveis animais.

A história vai um pouco além de Dewey. Vicki conta sobre sua vida, problemas de saúde, dramas familiares. Também faz uma detalhada exposição da cidadezinha de Spencer, localizada no estado agrícola de Iowa. São duas décadas na vida da pacata cidade, perturbada principalmente pela crise na agricultura dos anos 80 (que guarda, aliás, bastante semelhança com a crise de crédito imobiliário de 2008), da qual foi difícil reerguer-se. A cidade conseguiu, como já tinha conseguido superar outras crises; mas, desta vez, tinha a ajuda de Dewey, devotado à biblioteca e aos seus usuários, sempre pronto a receber carinho, brincar e confortar.

O livro é modesto, sem qualquer pretensão literária. Se você não ama gatos, pode se entediar; se não vê graça em bibliotecas, talvez não se interesse; se não gosta de História, vai achar enfadonhas  as partes dedicadas a Spencer. Gostei de todas as histórias paralelas, mas morri de amores mesmo pela história do protagonista.

Dewey é a história simples de um simples gato que foi capaz de tocar os corações de uma cidadezinha – e depois de um estado, de um país e do mundo todo (Dewey ficou famoso até no Japão!). Justamente por ser um enredo simples, é tão emocionante. Deixe a caixa de lenços por perto.

Trechos

Ali estava um gato vira-lata, deixado como morto em uma caixa de coleta congelada, aterrorizado, sozinho e agarrando-se à vida. Ele sobreviveu àquela noite escura, e esse evento terrível acabou sendo a melhor coisa que lhe aconteceu. Jamais perdera a confiança, não importa em que situação, ou seu apreço pela vida. Era humilde. Talvez humilde não seja a palavra certa – ele era um gato, afinal -, porém não era arrogante. Era confiante. Talvez fosse a confiança do sobrevivente que quase morreu: a serenidade adquirida quando se chegou ao fim, além de qualquer esperança, e conseguiu voltar. Não sei. Tudo o que sei é que, a partir daquele momento que o encontramos, Dewey acreditou que tudo ia dar certo. (p. 33)

Essa é a sutil diferença entre cachorros e gatos, e especialmente um gato como Dewey: os gatos podem precisar de você, porém não são carentes. (p. 73)

Quando os gatos não sabem que algo existe, é fácil mantê-los afastados. Se eles não conseguem chegar a alguma coisa e é algo que eles resolveram querer, é quase impossível. Gatos não são preguiçosos. Eles se esforçam por frustrar até os planos mais elaborados. (p. 128)

Muitos gatos odeiam o veterinário no consultório, mas o tratam como qualquer outra pessoa fora de lá. Dewey não. Ele temia o doutor Esterly incondicionalmente. Se escutasse a voz dele na biblioteca, Dew rosnava e se mandava para o outro lado da sala. Se o doutor Esterly conseguisse chegar até ele, despercebido, e estendesse a mão para afagá-lo, o gato pulava, olhava em torno em pânico e fugia. acho que ele reconhecia o cheiro do doutor Esterly. Aquela mão, para Dewey, era a mão da morte. Ele encontrara seu arquiinimigo e, por acaso, era um dos homens mais legais da cidade. (p. 181)

Em tempo: no youtube, você encontra reportagens (em inglês) sobre Dewey e pode ver esse gato lindo em ação. Dois exemplos: Memories of Dewey Readmore Books (matéria citada no livro) e Dewey the Cat (filmada após o lançamento do bestseller).

Ficha

  • Título original: Dewey – the small-town librery cat who touched the world
  • Autora: Vicki Myron com Bret Witter
  • Editora: Globo
  • Páginas: 271
  • Cotação: 3  estrelas(mas, se você ama gatos, vale quatro estrelas facilmente)
  • Encontre Dewey – um gato entre livros.

O Diabo Veste Prada [livro]

O Diabo Veste Prada
Bom livro, filme ainda melhor.

Eis um dos raros casos em que o filme supera o livro que lhe deu origem: a versão cinematográfica de O Diabo Veste Prada é, de longe, bem melhor que o livro de Lauren Weisberger.

Isso não quer dizer que O Diabo Veste Prada seja um livro ruim. Penetrar no mundo da moda, cheio de frivolidades, podridões e puxa-saquismo, é fascinante. O livro tem o ponto forte de, sem as limitações que o cinema impõe, fazer o leitor imiscuir-se ainda mais nesse universo.  Só que o livro não conta, obviamente, com Meryl Streep como Miranda Priestly, que rouba a cena na versão filmada. Nem com a leveza de Anne Hathaway, que interpreta a protagonista Andrea Sachs com muito mais carisma do que tem sua original de papel. É esse mesmo o ponto: falta carisma aos personagens do livro.

Por outro lado, a assistente sênior de Miranda, Emily, é muito mais desenvolvida e divertida no livro – superando a própria Andrea em vários momentos – e Lily, melhor amiga de Andrea, tem papel muito mais importante no texto que no cinema.

Ao fim e ao cabo, O Diabo Veste Prada escrito tem pouco ritmo e é bem menos engraçado que o filme, contando com uma protagonista sem graça e situações pouco criativas. Mesmo assim, vale a leitura pela dimensão dada a personagens sem destaque no filme e, que não seja por outra razão, para podermos imaginar Meryl Streep ao longo de 400 páginas.

Ponto negativo, pra variar, para a tradução da editora Record, sempre fraca nos best sellers. Não culpo a tradutora – imagino como a editora deve pagar mal e exigir o trabalho pra ontem.

Trechos

De certa maneira, eu ainda não entendia e, certamente, não podia explicar – nem pedir que outras pessoas entendessem – como o mundo exterior havia se fundido na não-existência, que a última coisa que havia permanecido quando tudo o mais desaparecera era a Runway. Era realmente difícil explicar esse fenômeno sendo a única em minha vida que eu desprezava. E, ainda assim, era a única que tinha importância. (p. 254)

Ficha

  • Título original: The Devil Wears Prada
  • Autora: Lauren Weisberger
  • Editora: Record
  • Páginas: 410
  • Cotação: 3 estrelas
  • Encontre O Diabo Veste Prada em livro e em dvd.

Sushi

Depois de É Agora… ou Nunca, parti para mais um livro de Marian Keyes: Sushi. Dessa vez, já sabia o que esperar e tive exatamente o que pretendia.

O tema é, novamente, a busca da felicidade, acompanhada das devidas reflexões balzaquianas. A história está nas mãos de três protagonistas: Lisa, a implacável diretora de uma revista feminina megabadalada, subitamente transferida para um emprego que está longe de ser o dos seus sonhos; a gentil e doce Ashling, sempre pronta a ajudar, para quem os astros ainda não sorriram nessa vida; e Clodagh, melhor amiga de infância de Ashling, linda, bem-casada, bem de grana e infeliz. As três precisam lidar com suas respectivas famílias – pais pobres, mãe depressiva, filhos endiabrados -, com suas ocupações (carreira, lar, casamento) e consigo próprias, seus valores e prioridades.

Ao redor das protagonistas gravitam variados personagens masculinos, com destaque para o executivo Jack Devine e o sem-teto Boo. Aliás, parece que Marian Keyes sempre coloca alguma questão social em seus livros: em É Agora… ou Nunca, abordava gays e tangenciava a AIDS; em Sushi, cuida da pobreza e dos sem-teto; sempre sem encher a paciência do leitor.

Marian Keyes sabe contar histórias banais sobre pessoas comuns, tornando-as interessantes. A estrutura em capítulos curtos contribui para a fluidez da leitura: você pensa “ah, só mais um capítulo, acaba rapidinho” e, quando percebe, já se foram dez.

Com menos reviravoltas que É Agora… ou Nunca e um tanto a mais de clichês, Sushi não é memorável, mas é divertido.

Ficha

  • Título original: Sushi for Beginners
  • Autora: Marian Keyes
  • Editora: Bertrand Brasil
  • Páginas: 569
  • Cotação: 3 estrelas
  • Compre Sushi.

Jean Charles

Ficha Técnica

  • Título: Jean Charles
  • País: Brasil
  • Ano: 2009
  • Gênero: Drama
  • Duração: 1 hora e 30 minutos
  • Direção: Henrique Goldman
  • Roteiro: Marcelo Starobinas e Henrique Goldman
  • Elenco: Selton Mello, Vanessa Giácomo, Luís Miranda, Patrícia Armani, Maurício Varlotta, Sidney Magal, Daniel de Oliveira, Marcelo Soares, Rogério Dionísio.
  • Sinopse: Jean Charles de Menezes (Selton Mello) é um eletricista mineiro que mora em Londres e ajuda na chegada de sua prima Vivian no país onde já vive com Alex e Patrícia. Muito comunicativo, Jean Charles conhece muita gente se envolve em várias situações. Em 22 de julho de 2005 ele é morto por agentes do serviço secreto britânico no metrô local, confundido com um terrorista. O fato abala a vida dos primos, que precisam reconstruir a vida ao mesmo tempo em que buscam por justiça.

Comentários

Jean Charles

A história todo mundo conhece: o mocinho morre no final. Então, por que assistir a Jean Charles?

Porque é um filme redondo, em que atores e cenografia se complementam para desenvolver um enredo que, embora obviamente previsível, emociona. Ao longo do filme, o espectador se envolve com as aventuras de Jean Charles, um de milhares de mineiros que emigram ilegalmente para tentar ganhar a vida. Jean divide um apartamento pequeno com dois primos e ajuda a trazer mais uma para viver com eles a fim de juntar dinheiro para tratar da mãe que tem diabetes.

Jean não é um modelo de cidadão. Dá o perdido nos funcionários da imigração no aeroporto de Londres, enrola o próprio chefe (também brasileiro), encarna o típico malandro – não daqueles que habitam o Congresso Nacional, bem entendido, mas daqueles que fazem trambiques pra levar o dia-a-dia. É bem-humorado, esperto, divertido e disposto a ajudar os amigos, embora nem sempre as coisas corram da forma desejável.

Esse é um dos méritos do filme, aliás: não querer santificar Jean Charles. Ele era apenas um brasileiro como tantos outros. O que o diferencia é o assassinato estúpido de que foi vítima pelas mãos da polícia londrina, paranóica com o terrorismo. Outro mérito da produção é, justamente, resgatar uma história que ainda não teve fim, visto que ninguém foi responsabilizado pela morte de Jean Charles. Mas a tragédia e o que seguiu-se a ela ocupa pouco mais de um quarto do filme. O foco está mesmo na luta pela sobrevivência do grupo de brasileiros ilegais ao qual pertence Jean. Por isso mesmo o filme captura a atenção e emociona, mesmo conhecendo-se o desfecho.

Cotação: 3 estrelas

Curiosidades

Sidney Magal especializou-se em pontas. Lá está ele, como ele mesmo, durante uma festa para brasileiros em Londres. (A festa até aconteceu, mas o cantor na ocasião foi Zeca Pagodinho).

Jean Charles é a primeira coprodução Brasil/Inglaterra.

Patrícia Armani é realmente prima de Jean Charles, interpretando a si mesma no filme.

Não contente com a morte absurda de Jean Charles, o sujeito que chefiava a polícia londrina na época do incidente, Ian Blair, tenta reescrever a história em autobiografia a ser lançada em breve. Segundo ele, se Jean Charles fosse o terrorista procurado, os agentes mereceriam uma medalha de honra. Bem, se aqui nevasse todo mundo usava esqui.

Em 23 de novembro de 2009, foi paga uma indenização de cem mil libras para a família de Jean Charles, a título de acordo. O valor corresponde a cerca de um terço do que os advogados da família pediram e, segundo o jornal Daily Mail, seria maior se Jean Charles viesse de família rica.

O tal Ian Blair recebeu 400 mil libras ao renunciar ao cargo de chefe da polícia metropolitana de Londres.

Até hoje, nenhum policial foi responsabilizado pela morte de Jean Charles.

Serviço

Imagem: divulgação.