Alô, Alô, Terezinha

Ficha Técnica

  • Título: Alô, Alô, Teresinha
  • País: Brasil
  • Ano: 2009
  • Gênero: Documentário
  • Duração: 1 hora e 30 minutos
  • Direção: Nelson Hoineff
  • Elenco: Russo, Boni, Dercy Gonçalves e inúmeros artistas, Rita Cadillac e várias ex-chacretes, ex-calouros etc. e tal.
  • Sinopse: Entre os anos 50 e 80, Chacrinha foi o apresentador de programas de auditório mais famoso do Brasil. Irreverente e com um estilo próprio, comandou programas que se tornaram recordistas de audiência e atraíram o gosto popular. Lançou diversos artistas que depois se firmaram na música brasileira e criou as chacretes, que ficaram no imaginário popular masculino.

Comentários

Para quem tem mais de 30, Alô, Alô, Terezinha é obrigatório pelo manancial de recordações e referências. Para quem ainda não chegou lá, é obrigatório pelo resgate de uma fase única da televisão brasileira.

O filme não pretende biografar Chacrinha. Na verdade, perde-se entre fatos e boatos da vida do comunicador. É proposital: o diretor Nelson Hoineff parafrasea Abelardo Barbosa e diz que o filme veio para confundir, não para explicar. Antes de ser uma biografia, é um apanhado sobre a televisão brasileira dos anos 60, 70 e, principalmente, 80.

Os vários bordões estão lá: “Quem não se comunica, se trumbica”, “Ganhou um abacaxi”, “Vocês querem bacalhau?” (surgido quando Chacrinha resolveu ajudar as Casas da Banha a venderem o produto encalhado) e, claro, “Terezinha!”, seguido do coro “uhuuuu”. A clássica “Na televisão nada se cria, tudo se copia” também é do Velho Guerreiro.

O visual era assumidamente kitsch, quase trash, sem outra pretensão além de divertir. Quem não se lembra dos maiôs com lantejoulas e dos shortinhos santropeito? E dos cabelões das chacretes? Nada da padronização da chapinha e do loiro de farmácia. Aliás, como mudou o padrão de beleza. Mulher bonita, hoje, tem que ser esquelética. Nenhuma chacrete era esquelética, e pergunte por aí se não eram consideradas lindas pelos homens.

Falando em chacretes, elas provam que o tempo passa para todos e, geralmente, passa mal. Hoje estão mais pra lá do que pra cá fisicamente, claro, mas o pior é perceber que várias não conseguiram aproveitar o sucesso. Uma ou outra lucrou algo além dos 15 minutos de fama. De todas, a mais bem-sucedida foi Rita Cadillac, sem dúvida. Nas palavras de Helmar Sérgio, “era a mais analfabeta, mas foi quem mais se deu bem”.

Há muitas curiosidades sobre as ex-dançarinas, como a declaração de Rita Cadillac de que o sujeito pra quem ela mais tem vontade de dar é o José Mayer e a informação quase inacreditável de que ela ficou mais de oito anos sem transar. Tem também a Índia Potira, quase como veio ao mundo (rapazes, não se empolguem), e outra chacrete que virou crente. É tanto material que deve sair uma minissérie só sobre elas.

A passagem do tempo refletiu-se também na forma de fazer televisão e, novamente, para pior. Há os que falarão que as chacretes eram um atentado contra o feminismo. Talvez fossem mesmo. Outros dirão que as piadas e trocadilhos do Chacrinha eram de baixo calão, que os calouros eram humilhados. Tudo verdade. Ao menos, porém, a coisa era escrachadamente natural. Não havia pasteurização. Não existia ainda a irritante preocupação com o politicamente correto. Eram tempos mais divertidos.

(Nem por isso, diga-se de passagem, faziam-se concursos para eleger a melhor chacrete-mirim ou coisa semelhante, como fizeram nos anos 90 para escolher a criança de 5 anos que mais descia na boquinha da garrafa, lembra?)

Alô, Alô, Terezinha promove um desfile de artistas. Tem Cauby Peixoto, Rogéria, Jerry Adriani, Wanderlei Cardoso, Roberto Carlos, Elba Ramalho, Biafra, Dercy Gonçalves, Nelson Ned, Elke Maravilha, Gretchen, Ney Matogrosso (“quanto mais nu eu me apresentava, mais o Chacrinha gostava”),  o insuportavelmente arrogante Agnaldo Timóteo, Dercy Gonçalves, Gilberto Gil. É Gilberto Gil quem diz, bem a propósito, que “o humor é cruel“; em vários momentos, o espectador não sabe se ri ou se lamenta a má sorte dos entrevistados, particularmente dos ex-calouros que ganharam abacaxis vida afora.

Tem também Baby Consuelo exorcizando demônios. Alheios, claro. Por telefone. E tem Fábio Jr. emocionado e emocionando ao agradecer seu sucesso ao Velho Guerreiro. E muito, muito mais gente.

Alceu Valença, conterrâneo de Chacrinha, aproveita para oferecer uma explicação para a origem das chacretes, das vestimentas e do comportamento do comunicador: o pastoril, tradicional festejo pernambucano, que traz, entre seus personagens, um Velho piadista (normalmente indecoroso) e pastoras enfeitadas (às vezes, sensuais).

O filme termina com Russo, assistente de palco que ganhou o emprego depois de vencer o concurso do homem mais feio do Brasil. Subindo a ladeira, melancolicamente. A melancolia, aliás, é uma constante no documentário, tanto quanto o riso.

Alô, Alô, Terezinha abusa do deboche, da ridicularização, da vergonha alheia, exatamente como fazia o Abelardo Barbosa. Não é um filme para puritanos, como nunca foi o Chacrinha – embora eu, na minha ingenuidade infantil, não visse nada de mais mesmo nos seus programas. Eram outros tempos, decididamente.

Cotação: 4 estrelas

Serviço

Imagem: divulgação.

Julie & Julia

Ficha Técnica

  • Título: Julie & Julia
  • País: EUA
  • Ano: 2009
  • Gênero: Drama
  • Duração: 2 horas e 3 minutos
  • Direção: Nora Ephron
  • Roteiro: Nora Ephron, baseado no livro Julie & Julia, de Julie Powell, e My Life in France, de Julia Child e Alex Prud’homme
  • Elenco: Meryl Streep, Amy Adams, Stanley Tucci, Chris Messina, Linda Emond.
  • Sinopse: 1948. Julia Child (Meryl Streep) é uma americana que mora em Paris devido ao trabalho de seu marido, Paul (Stanley Tucci). Para ocupar-se, estuda culinária e passa a apresentar um programa de tv sobre o assunto. Cinquenta anos depois, Julie Powell (Amy Adams), prestes a completar 30 anos, está frustrada com sua vida. Em busca de um objetivo, resolve passar um ano cozinhando as 524 receitas do livro de Julia Child, Mastering the Art of French Cooking, e cria um blog para relatar a experiência.

Comentários

Julie e Julia

Filmes de culinária estão se tornando uma categoria à parte. Julie & Julia é mais uma dessas histórias que têm na comida o ponto de partida e, sem querer fazer trocadilhos, é deliciosa.

Diga-se que Julie & Julia não é somente um filme sobre culinária, é um filme sobre blog(ueiros). Impossível não se identificar com os primeiros passos de Julie, a surpresas dos primeiros comentários, o prazer em saber que existe gente do outro lado da tela lendo o que ela escreve. Minhas partes preferidas do filme giram em torno do blog, não da cozinha.

Aliás, o problema de filmes que se passam em duas realidades diferentes é que costumo preferir uma delas e torcer loucamente para que a outra termine logo e tenha continuidade a minha eleita. Por incrível que pareça, embora Meryl Streep esteja ótima como sempre (bastante irritante, mas condizente com a Julia Child original), minha história favorita é mesmo a de Julie. Amy Adams está excelente no papel com o qual sou obrigada a me identificar: 30 anos, servidora pública frustrada com sua carreira e… blogueira.

Ao fim e ao cabo, Julie & Julia usa culinária e blog para falar sobre buscas, metas e realização pessoal. Pode-se dizer que, embora trate de cozinha, é um filme feminista, enfocando a força dessas duas mulheres separadas pela geografia e pelo tempo. Os homens estão lá, sim, como apoio. Elas são as estrelas de suas próprias vidas.

Cotação: 4 estrelas

Curiosidades

Julia Child foi a primeira mulher norte-americana a estudar na famosa escola de gastronomia Le Cordon Bleu.

Meryl Streep é bem mais baixa que Julia Child (que tinha impressionantes 1,90 m.), então foram necessários truques de câmera e de cenário, além de muito salto alto, para fazê-la parecer enorme.

O casal Meryl Streep e Stanley Tucci já havia contracenado no excelente O Diabo Veste Prada.

Nora Ephron, a roteirista e dirtora, é especializada em filmes fofos. Na lista estão, por exemplo, Mensagem para Você, Sintonia de Amor e, meu favorito, Harry e Sally – Feitos Um Para O Outro.

Ainda é possível ler algo do The Julie/Julia Project (o blog que inspirou o livro que inspirou o filme), e Julie Powell mantém outro blog em atividade, o What Could Happen?.

O primeiro post do blog original fala em 536 receitas. O filme repete o tempo todo que são 524.

Segundo o IMDB, Julie & Julia é o primeiro filme com importância baseado em um blog.

Serviço

Imagem: divulgação.

Budapeste

Única, intacta, intraduzível.
(Frase eternamente repetida por um dos personagens do filme.)

Ficha Técnica

  • Título: Budapeste
  • País: Brasil/Hungria/Portugal
  • Ano: 2009
  • Gênero: Drama
  • Duração: 1 hora e 53 minutos
  • Direção: Walter Carvalho
  • Roteiro: Rita Buzzar, baseado em livro de Chico Buarque
  • Elenco: Leonardo Medeiros, Giovanna Antonelli, Gabriella Hámori, Paola Oliveira, Débora Nascimento, Antonie Kamerling, Ivo Canellas.
  • Sinopse: José Costa é um ghost writer carioca bem-sucedido. Ao conhecer Budapeste, apaixona-se pelo idioma local. No Rio, sua vida torna-se cada vez mais infeliz. Costa passa a escrever autobiografias, na esperança de que a vida de outras pessoas o salve do tédio. Sua esposa acaba se apaixonando por um dos biografados sem saber que o marido é o verdadeiro autor das histórias. Costa divide-se entre o Rio e Budapeste, onde parece ser mais feliz.

Comentários

Budapeste

Certas histórias simplesmente não funcionam no cinema. É o caso de Budapeste, excelente livro de Chico Buarque que perdeu grande parte de sua força ao ser filmada.

O longa mal consegue traduzir a angústia de Costa, o ghost writer que sofre e, ao mesmo tempo, regozija-se no anonimato. Costa não tem nada que o torne memorável ou lhe dê orgulho,  sequer o filho. Por isso mesmo, Budapeste, um lugar completamente estranho, torna-se-lhe tão viável. Budapeste, para ele, é quase um portal para outra dimensão, uma chance de ser feliz.

O filme mastiga tudo isso, mas falha em envolver o espectador na angústia de Costa. Não consegue transmitir sua ambiguidade, a sensação de não pertencimento a lugar algum. A interpretação de Leonardo Medeiros, excessivamente comedida, dilui qualquer empatia que o público pudesse ter com o protagonista.

O roteiro toma rumos equivocados, como a inserção de cenas de sexo que nada acrescentam à trama. Por outro lado, pouca atenção é dada a uma situação tão marcante no livro de Chico: a perda do domínio do próprio idioma por Costa, que se embrenha tanto no húngaro (“a única língua que o diabo respeita”, segundo sua anfitriã e professora Kriska) que lentamente abandona o português. O livro é impregnado de uma vertigem que o filme não é capaz de transmitir.

Budapeste tem o mérito de uma fotografia belíssima com cenas marcantes, como a estátua de Lênin descendo o Rio Danúbio. Também traz um desfecho interessante (com um detalhe a mais que o livro). Infelizmente, porém, o fim demora demais a chegar.

Cotação: 2 estrelas

Serviço

Imagem: divulgação.

Homem no Escuro

Escrito originalmente para a Revista Paradoxo, em 06/01/2009.

Duas histórias em um só livro. Assim se constitui o último livro do consagrado escritor norte-americano Paul Auster, que já havia utilizado o mesmo recurso em fases anteriores da carreira e agora o retoma em Homem no Escuro. Não se trata, no entanto, de histórias desvinculadas ou independentes. Elas são interligadas e permeadas por outras pequenas tramas, fragmentos do passado das personagens afetados por guerras, amores, redenção e morte.

O narrador é August Brill, crítico literário de 72 anos, recentemente inválido após um acidente de carro. Brill mora com sua filha Miriam, sua neta Katya e vive um presente estável, embora profundamente melancólico. No entanto, o passado guarda fortes dores – tanto para Brill quanto para a filha e a neta – ocasionadas principalmente pela guerra no Iraque e pelo câncer. A vida não foi doce para Brill ou sua família.

E para fugir das lembranças, o crítico compõe, mentalmente, um romance – a segunda história do livro.

Owen Brick vive uma existência pacata, entretendo crianças em festinhas como mágico medíocre e morando com a esposa, até acordar dentro de um buraco e notar-se em uma realidade paralela (impossível não lembrar de Alice no País das Maravilhas). Nesse novo mundo, os Estados Unidos estão em plena guerra civil. Nada é como deveria ser e o desconcerto de Brick, repentinamente transformado em soldado, rende alguns momentos cômicos.

Enquanto tenta voltar para seu mundo, Brick descobre que tem papel importantíssimo na guerra e que dele depende a resolução do conflito. Descobre, ainda, que sua vida está em risco. O que realmente acontece com Brick? Esse é o grande suspense que movimenta a obra.

É no terceiro terço do livro que Brill dá-se, realmente, a conhecer e o leitor pode penetrar nas misérias, nos prazeres, nos erros, nas conquistas e nas perdas de sua vida e de sua família. Não há acontecimentos grandiosos na vida de Brill. Alguns acasos e um punhado de escolhas constituem a narrativa de sua vida, como seria na da maioria das pessoas.

Apesar dessa banalidade, Paul Auster consegue envolver o leitor em um texto vívido, sem apelar para a descrição enfadonha. Se não chega a arrebatar, certamente não entedia. Como bônus, Homem no Escuro traz discussões instigantes sobre cinema que lhe conferem um atrativo extra e agradam até mesmo o leitor não familiarizado com as referências.

Ficha

  • Título: Man in the Dark
  • Autor: Paul Auster
  • Editora: Companhia das Letras
  • Páginas: 165
  • Cotação: 4 estrelas
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