O Rei das Fraudes

O Rei das Fraudes - capaMais um livro “de tribunal” de John Grisham – ou quase. Na verdade, dessa vez é um livro de advogado, mas não de tribunal.

Clay Carter II seguiu a carreira jurídica movido pelo sucesso do pai. Aos 30 anos, contudo, trabalha na Defensoria Pública, ganha pouco, não vê grandes perspectivas profissionais e, para completar, seu namoro vai de mal a pior.

Ao pegar um caso de assassinato, sua sorte muda. Clay é procurado por um sujeito misterioso que lhe apresenta o Tarvan, um medicamento que parece ter sido o responsável pelo crime cometido por seu cliente. A partir daí, Clay adentra o fascinante mundo das indenizações milionárias: processos iniciados contra grandes companhias que lançaram um produto defeituoso no mercado e prejudicaram milhares de pessoas. Os processos representam publicidade negativa para as empresas que, portanto, preferem fechar acordos extrajudiciais – e uma boa porcentagem do dinheiro desses acordos vai para o bolso dos advogados na forma de honorários.

Receoso no início, Clay logo deixa de lado seus pudores e preocupações, motivado pelos milhões de dólares prestes a entrar na sua conta corrente. Sua vida dá um salto. Outros casos aparecem – mais dinheiro relativamente fácil, sem sequer ter de pisar num tribunal.

Claro que esse mar de rosas não dura para sempre, ou não haveria história a ser contada.

Grisham vai fundo no ramo das indenizações coletivas, tão populares nos Estados Unidos (e uma das principais razões para advogados serem tão odiados por lá). Aliás, o título foi mal traduzido: algo como “O Rei dos Danos” ou “O Rei das Indenizações” seria mais apropriado.

Embora não esteja entre os livros mais envolventes do autor,  O Rei das Fraudes consegue prender a atenção e fazer o leitor torcer pelo personagem principal, um anti-herói que até tem boas intenções. Pelo menos, torce para que nada de muito ruim aconteça com ele.

Ficha

  • Título original: The King of Torts
  • Autor: John Grisham
  • Editora: Rocco
  • Páginas: 372
  • Cotação: 3 estrelas
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Cara, Cadê o Meu País?

Cara, cadê o meu país? - capaGosto muito dos documentários do Michael Moore, mas para definir o livro Cara, Cadê o Meu País? só me ocorre uma palavra: tedioso.

Talvez o problema seja o assunto, ou a forma de abordá-lo. O livro discorre sobre o cenário pós-onze-de-setembro, com todas as implicações governais e teorias/fatos da conspiração que você pode imaginar.  Há um verdadeiro desfile de nomes, datas, fontes, pesquisas, notícias. Moore investiga as longas relações entre a família Bush e a família Bin Laden, escancara as mentiras sobre a existência de armas de destruição em massa iraquianas, levanta toda a questão do petróleo, o principal motor econômico para as intervenções dos Estados Unidos no oriente médio desde sempre e questiona a política de terror implantada por George W. Bush após o 11/09, em que todos podem ser declarados culpados até prova em contrário.

Ao fim, Moore conclama os liberais a convencerem os republicanos de que mudar de lado vale a pena, apelando para o valor mais eficaz possível: o bolso.  Essa série de argumentos finais é, provavelmente, a parte mais interessante do livro.

Cara, Cadê o Meu País? é um livro absolutamente voltado para o público norte-americano. Embora traga um ótimo resumo sobre os primeiros anos após o 11/09/2011 e tenha, portanto, valor histórico, a leitura é chata, emaranhada demais na política interna dos Estados Unidos. Fica mais envolvente quando puxa meadas da política internacional, claro, mas ainda assim não se segura. Nem a ironia típica de Michael Moore é capaz de evitar momentos de tédio ao longo das várias páginas que retratam a economia, a política e a história recente dos Estados Unidos.

O livro foi escrito cinco anos antes da vitória de Barack Obama. Moore já achava, então, que os Estados Unidos estavam prontos para um presidente negro. Também acreditava que estavam prontos para uma presidente. Contudo, não cogitou os nomes de Obama ou Hillary para a presidência, mas o de… Oprah! Sim, ele falava sério.

Trechos

A maioria de nós não consegue localizar vocês [brasileiros] no mapa – e, pior, também não conseguimos localizar nosso inimigo. De acordo com uma pesquisa recente, 85% dos americanos adultos com idade entre 18 e 25 anos não conseguem achar o Iraque em um mapa. Eu acho que o primeiro parágrafo do código de leis internacionais deveria ser o seguinte: se um povo não consegue encontrar o seu inimigo sobre o globo terrestre, ele não tem permissão para bombardeá-lo. (p. XIII)

Só por uma vez, não seria bom vencer, especialmente considerando-se que a maioria dos americanos é liberal? Está na hora de começar a pensar fora da caixinha que existe em nossas mentes. Para começar, vamos parar de acreditar que o presidente tem de ser um sujeito branco. Os brancos são uma minoria cada vez menor neste país – constituem apenas 38% dos eleitores. Além disso, como já apontei antes, todos os democratas que ganharam a presidência, desde Franklin Roosevelt (com exceção da avalanche de Lyndon Johnson em 1964), ganharam perdendo o voto masculino branoc. Eles ganharam recebendo um número avassalador de votos de mulheres brancas e homens e mulheres negros e hispânicos. (p. 213)

Os americanos estão prontos para uma mulheres presidente. Que tal uma de nossas governadoras ou senadoras disputando a Presidência? Os eleitores querem votar em mulheres – passamos de apenas duas mulheres para 14 no Senado dos Estados Unidos em pouco mais de uma década. O eleitorado está cansado dos mesmos velhos homens que parecem um bando de prepotentes e mentirosos. Não existe neste país uma mulher entre as 66 milhões de mulheres em idade de votar capaz de derrotar esse rapazinho [George W. Bush]? Não existe uma? Eu também acredito que o país está pronto para um presidente negro. Já temos um na TV em 24 horas, um dos programas de maior audiência na Fox. Depois houve Morgan Freeman como presidente em Impacto profundo (e na última vez em que o vi ele estava interpretando Deus em O Todo-Poderoso). Hollywood não faria um homem negro ser Deus se achasse que ele não poderia se dar bem em Pittsburgh. E 12 milhões de americanos em 2003 votaram em um negro, Ruben Studdard, para nosso próximo “American idol”. (p. 214)

O que precisamos agora é de alguém que arrase Bush! Alguém que já seja tão amado pelo povo americano que no dia da posse em 2005 estaremos livres do Sorrisinho Afetado. Alguém que seja o nosso Reagan, uma figura bem conhecida que comandará com seu coração e escolherá as pessoas certas para fazer o trabalho do dia-a-dia.
Quem é essa pessoa que pode nos levar à terra prometida?
Seu nome é Oprah. (p. 214)

Ficha

  • Título original: Dude, where’s my country?
  • Autor: Michael Moore
  • Editora: Francis
  • Páginas: 271
  • Cotação: 2 estrelas
  • Encontre Cara, Cadê o Meu País?.

Seda

Seda - capa

Eis um livro perfeitamente definido pelo título. Seda é como o tecido: fluido, suave, leve, quase etéreo.

Hervé Joncour é um francês comum que compra e vende ovos de bichos-da-seda, em meados do século XIX. Quando o comércio com os países próximos entra em crise, a alternativa é trazê-los diretamente do Japão. Tratava-se de empreendimento de risco: o homem precisava deixar seu lar na Europa, submeter-se a uma extenuante viagem e contar com um tanto de sorte para não se deixar sucumbir (ou ao frágil contrabando) por guerras e outros percalços. Trabalho de meses e meses.

O homem faz a viagem. Justamente ele, pacato, tedioso, placidamente casado, encara a missão espinhosa de trazer à sua cidade os bichos-da-seda. Nesta aventura, a vida começa a descortinar-se diante de quem, até então, fora mero espectador; e continua desabrochando a cada nova viagem. O Japão é um mundo desconhecido, mágico. Do encontro entre oriente e ocidente emerge uma forte paixão.

O texto é lírico como foram as viagens para o protagonista. É necessário lê-lo com esse mesmo lirismo, apreciando a prosa como se fosse poesia, sem a pretensão de desvendar cada metáfora, cada descrição. Como num sonho, a história vai-se revelando mais ao coração que ao intelecto.

Prefiro, do mesmo autor, Sem Sangue, preciso como Seda, porém bruto; mas Seda é, sem dúvida, um livro fascinante. O romance deu origem ao filme Silk em 2007, traduzido no Brasil como Paixão Proibida, com Keira Knightley no elenco.

Trechos

Era, além disso, um daqueles homens que amam observar a própria vida, julgando imprópria qualquer ambição de vivê-la. Deve-se registrar que esses homens observam seu próprio destino da maneira como os outros, mais numerosos, costumam observar um dia de chuva. (p. 11-12)

– A primeira vez que vi Hara Kei, ele vestia uma túnica escura, estava sentado com as pernas cruzadas, imóvel, num canto do cômodo. Estendida ao lado dele, com a cabeça apoiada em seu colo, havia uma mulher. Seus olhos não tinham o corte oriental, e o rosto era o de uma menina.
Baldabiou continuou a escutar, em silêncio, até o fim, até o trem de Eberfeld.
Não pensava em nada.
Escutava.
Fez-lhe mal ouvir, no fim, Hervé Joncour dizer devagar
– Nunca mais ouvi nem ao menos sua voz.
E pouco depois:
– É uma dor estranha.
Devagar.
– Morrer de saudade de algo que nunca voltará. (p. 99-100)

Ficha

  • Título original: Seta
  • Autor: Alessandro Baricco
  • Editora: Companhia das Letras
  • Páginas: 121
  • Cotação: 4 estrelas
  • Encontre Seda ou o filme Paixão Proibida.

As Madonas de Leningrado

As Madonas de Leningrado - capa

Marina é uma sobrevivente de guerra. Na juventude, foi guia do Hermitage, o fantástico museu de arte de Leningrado, um dos maiores do mundo. Quando os alemães cercaram a cidade, ficou confinada no museu junto a tantos outros que tentavam sobreviver com a parca ração diária de 200 gramas de pão (para os que trabalhavam; os demais ganhavam a metade), complementada muitas vezes por cola de madeira. Para manter um fiapo de lucidez em meio à fome, às doenças e à morte, Marina constrói um “palácio da memória”: um refúgio interno, uma fuga para tempos melhores, em que se podia passear pelos salões do museu e ver as obras de arte antes de serem evacuadas.

Décadas depois, Marina mora nos Estados Unidos com seu marido – seu amor de adolescência, ele mesmo um sobrevivente da guerra. Tem filhos, netos e uma vida feliz. Algo, porém, está acontecendo dentro dela: as lembranças se perdem, os fatos recentes se embaralham, ela está tão confusa… aos 80 anos, Marina sofre do mal de Alzheimer. O palácio das memórias é, novamente, seu único porto seguro.

As Madonas de Leningrado se passa nesses dois tempos: o presente de Marina, confuso para ela e aflitivo para os que a amam; e o passado da Segunda Guerra Mundial, cheio de dores e morte, mas também de amizade e beleza – um passado lembrado por Marina em termos quase poéticos. A melancolia é a nota principal do livro. Vidas se acabam de tantas formas, às vezes imperceptivelmente… quando o presente é tão difuso que a mente escolhe refugiar-se num passado enegrecido pela guerra, que vida resta?

A autora não era nascida durante a Segunda Guerra, mas fez uma extensa pesquisa. Reconstituiu o terror dos que resistiram ao Cerco de Leningrado (que durou 900 dias), o constante bombardeio, a luta pela sobrevivência; e, principalmente, fez um belo trabalho de descrição do Hermitage, dando ao leitor a sensação de ver o que Marina vê em sua memória. Este é o primeiro romance de Debra Dean, que já publicou mais um livro: Confessions of a Falling Woman, ainda sem tradução em português.

O site do Museu Hermitage proporciona um tour virtual pelas suas magníficas salas, além de trazer informações sobre o cerco e depoimentos dos sobreviventes.

Vale lembrar que Leningrado recobrou seu nome original após a derrocada do regime comunista: São Petersburgo.

Trechos

Ela tende a ficar presa a coisas por mais temo do que qualquer pessoa sensata, que a esta altura já teria desistido e seguido em frente. Um exemplo relevante: o seu casamento. Ou a arte. Qualquer outra pessoa na mesma situação teria desistido do fingimento e escolhido entre aceitar a arte como um passatempo ou começar a pintar coisas para as quais havia um mercado – paisagens e abstratos aguados. Em vez disso, ela insiste em fazer suas figuras humanas e depois ficar indignada porque as pessoas que compram arte nas lojas de presente e de moldura locais não estão pretendendo pendurar quadros de estranhos nus em seus lares. Ela tem 53 anos. Quanto tempo mais vai esperar até que um marchand de Nova York a descubra? Cada um a seu modo, ela e os pais parecem ter simultaneamente chegado aos limites de se esconder como estratégia de vida. (p. 61)

Nenhuma explicação se segue. Quando Helen se vira para o pai, ele diz:
– Algumas coisas ficam melhores se forem esquecidas. (p. 62)

Embora em teoria todos soubessem que os alemães estavam próximos, quando as primeiras bombas soaram na cidade, alguns dias atrás, foi como uma fantasia, surreal e chocante. Aturdidas, as pessoas olhavam umas para as outras, descrentes. Isto não podia estar acontecendo. Não aqui, não em Leningrado. É uma loucura. Eles atiraram mísseis de longo alcance na cidade, matando mulheres, crianças e velhos, aleatoriamente. Para quê? E por que tentar queimar a cidade? De que vale uma vitória se não fica nada como crédito? (p. 66)

É estranho como se pode acostumar com as coisas. Todos os dias agora, pessoas ao redor dela morriam, pessoas que ela conhecia. No início, isto era motivo para lágrimas, mas acontece que o ser humano tem uma capacidade limitada de tristeza. (p. 187)

Ninguém chora mais, ou então chora por pequenas coisas, por momentos sem importância que as pegam desprevenidas. O que mais parte o coração? Não é a morte: a morte é banal. O que parte o coração é a visão de uma única gaivota levantando vôo facilmente de cima de um poste de rua. As asas se desfraldam como echarpes de seda contra o céu cor de malva e Marina ouve o rufar das penas. O que parte o coração é que ainda há beleza no mundo. (p. 192)

Ficha

  • Título original: The Madonnas of Leningrad
  • Autor: Debra Dean
  • Editora: Record
  • Páginas: 269
  • Cotação: 4  estrelas
  • Encontre As Madonas de Leningrado.