As Crônicas de Nárnia

As Crônicas de Nárnia - volume único

Da série para o cinema, só vi o primeiro, O Leão, A Feiticeira e o Guarda-Roupa. Lembro-me de ter gostado do filme, mas não o suficiente para ver os seguintes. Ouvia falar que a obra original era muito mais interessante que a filmagem. Agora, após ler o volume único das Crônicas de Nárnia (o primeiro filme para o cinema é, na verdade, a segunda história, na cronologia estabelecida pelo autor), entendo bem por que: o filme é apenas uma sombra do mundo criado por C. S. Lewis. Uma bela sombra, cheia de contornos cativantes, mas pálida diante do texto – bem como acontece aos mundos contidos dentro dos mundos de Nárnia.

Talvez esse seja o destino inescapável de todos os livros de fantasia. Já ouvi muitas vezes que os livros que formam O Senhor dos Anéis são bem mais impactantes que os filmes (terei a chance de verificar isso daqui a uns meses). A saga de Harry Potter foi muito bem filmada, mas os livros são tremendamente mais envolventes.  Se todas as adaptações de textos tendem a perder conteúdo quando reduzidas a pouco mais de duas horas de imagens, o fenômeno é ainda mais cruel com histórias de fantasia. A imaginação permite infinitas dimensões e camadas aos mundos fantasiosos, enquanto o cinema as mastiga, sintetiza e apresenta uma única versão.

Nárnia é, sim, um livro para crianças. Encontra-se de tudo um pouco nas suas páginas: heróis, vilões, animais falantes (como nas antigas fábulas), feiticeiras, capa-e-espada, aventuras por mar e terra, contos de fadas. Não é, no entanto, um livro condescendente. Exige que as crianças imaginem, completando as lacunas que felizmente existem nas descrições; e impõe perdas, despedidas e mortes. Presume que o leitor-mirim tenha inteligência para aproveitar ao máximo suas páginas. Aliás, pergunto-me se as crianças que estão por aí lêem as Crônicas – e, principalmente, se gostam. Terão paciência para um livro longo? Terão foco, imaginação, curiosidade? Conseguirão se interessar por uma diversão tão arcaica quando comparada ao jogos eletrônicos?

Claro, há lições de moral nas páginas de Nárnia, como cabe aos bons livros infantis. A traição, a ganância e a covardia são censuradas. A coragem e a lealdade sempre são recompensadas. O moralismo está longe de ser sutil, mas não estraga a fantasia. Está, aliás, muito bem colocado e seria realmente ótimo que as crianças de hoje crescessem com lições de moral passadas de forma lúdica (tenho a impressão que poucos pais se preocupam em ensinar “educação” ou “bom comportamento”). O livro traz, também, uma forte tendência mística, religiosa mesmo. Quando esse viés ameaçava incomodar-me, fixava-me nas aventuras nos valores universais por elas enaltecidos, que são anteriores e superiores a qualquer crença: honra, amizade, compaixão, perdão. (O curioso é que, embora o livro tenha forte tendência cristã, seu autor recebeu fortes críticas de grupos cristãos que consideram o texto herege por citar temas bíblicos misturados a elementos da “mitologia pagã”.)

Escrito nos anos 50 (na mesma época do Senhor dos Anéis), os sete livros que compõem o volume único não escapam totalmente ao seu tempo: há uma conotação sexista, uma tendência a ver a mulher como frágil demais, menos capaz que o homem, um tanto boba. O próprio autor parece lutar contra esse estereótipo em algumas passagens e é bem verdade que se esforça por colocar homens e mulheres numa situação que seus contemporâneos julgariam igualitária (e, provavelmente, o criticariam por isso). Dada a pouca importância atribuída às mulheres na época em que os livros foram escritos, As Crônicas de Nárnia podem ser perdoadas por seus deslizes e merecem ser valorizadas pelas tentativas de igualdade de gêneros.

Está aí uma excelente sugestão de leitura para quem gosta de viajar por outros, independentemente da idade.

Trechos

Oh, Filhos de Adão, com que esperteza vocês se defendem daquilo que lhes pode fazer o bem! (p. 91)

– O punhal é para a sua defesa, em caso de extrema necessidade. Porque você também não deve entrar na luta.
– Por que não, meu senhor? – disse Lúcia. – Acho que… bem, não sei… mas acho que eu era capaz de não ter medo!
– O problema não é esse. É que as batalhas são mais feias quando as mulheres tomam parte nelas.” (p. 151)

O coração de Shasta quase parou ao ouvir essas palavras, pois já não lhe restavam reservas de força. Por dentro rebelava-se contra o que lhe parecia a crueldade da missão. Ainda não aprendera que a recompensa de uma boa ação é geralmente ter de fazer uma outra boa ação, mais difícil e melhor. (p. 255)

Minha filha: já vivi cento e nove invernos e jamais encontrei uma coisa chamada sorte. (p. 256)

O rei obedece às leis, pois as leis o fizeram rei. (p. 287)

Depois disso, os amigos da diretora perceberam que ela não prestava para diretora, e nomearam-na inspetora-geral. Quando viram que ela não era também grande coisa como inspetora-geral, conseguiram elegê-la para a Câmara dos Deputados, onde ela viveu para sempre feliz. (p. 625)

Ficha

Este texto faz parte do Desafio Literário 2011, cujo tema em janeiro é literatura infanto-juvenil. Conheça o Desafio Literário.

9 comentários on “As Crônicas de Nárnia

  1. Eu li o volume único para o Desafio Literário do ano passado e fiquei realmente srpresa com o que encontrei. Um mundo mágico, de aventura e ensinamentos. Eu me incomodei um pouco mais com o sexismo e o cristianismo, mas de forma nenhuma diminui o valor dos livros para mim.

    Ótima resenha. Adorei sua participaão no DL 2011.

    Beijos

  2. Gostei muito da sua resenha, alia’s foi a primeiraque me fez ter curiosidade de ler o livro. AS pessoas falam bem mas nunca me empolgaram. Beijos

  3. Olá Lu, foi lendo seu blog que tive a ideia de escrever um blog chamado de 1 Livro por Semana. Eu estou fazendo o maior esforço para cumprir a meta de leitura. Gostaria desde já lhe dar os parabéns pelo seu blog. A forma que você faz o post sobre o livro me inspirou em ideias, posso aproveitar o formato?

    Eu já ia me esquecendo – o livro Cronicas de Narnia Volume Unico faz parte da minha lista de leitura semanal.

    Desde já muito obrigado pela atenção e sucesso ahe pra você…

  4. Olha, não quero jogar um balde de gelo, mas as achei cronicas de Narnia bem fraquinho, principalmente se comparado ao mundo de Tolkien ou o universo de Phillip Pullman. E já que citou, achei o primeiro filme extremamente fiel, o que fica difícil separar os dois. E já no segundo filme, fizeram um ótimo trabalho, de uma história parada e cheia de tramas, conseguiram fazer algo agradável de ver, sem ser cansativo, e sem alterar a história, o terceiro filme eu não vi.

    Resumindo, eu esperava mais, de um amigo de pub de Tolkien…

  5. @Daniela, pois é, o sexismo e o cunho religioso foram o que me impediram de dar 5 estrelas ao livro.

    @Larissa, que bom que minha resenha despertou a curiosidade pelo livro! Já descobri boas obras lendo críticas alheias. 🙂

    @lesilva, fique à vontade para usar o formato e sucesso com o projeto! Eu adoraria ler um livro por semana, mas falta-me disciplina…

    @Roberta, obrigada pela sua opinião (que, aliás, deixou-me com vontade de ver o segundo filme) – o que seria do azul se todos gostassem do amarelo? 😉

  6. Meu livro preferido de Nárnia é A Viagem no Peregrino da Alvorada. Fizeram uma excelente adaptação no filme, aliás. Sempre choro no final, seja lendo ou assistindo o filme.

  7. @Marina, não sei se esse chega a ser meu preferido, mas sem dúvida é muito bonito! Preciso ver o filme…

Comments are closed.