Blogueira sai na Marie Claire

Não foi na Marie Claire desse mês: foi na edição de junho que, por acaso, ainda estava na banca esta semana. Também não foi blogueira brasileira. Na capa, a chamada:

UMA NOVA CUBA

Nossa repórter foi à ilha conversar com a blogueira mais famosa do mundo.

A blogueira em questão é Yoani Sánchez, autora do Generácion Y, um dos dois blogs em idioma estrangeiro que mantenho no agregador de feeds (morro de preguiça de ler em outra língua).

A reportagem de 6 páginas (de Rosane Queiroz, com fotos de Edu Simões e outros) é ótima e não fica só na entrevista com Yoani. As opiniões do escritor Pedro Juan Gutiérrez também estão lá, além das de outras pessoas que não são celebridades. É de Gutiérrez uma frase que resume bem o que aconteceu em Cuba: “a revolução foi apenas uma ilusão bonita”. É ele, também, que traz a dura realidade de um regime ditatorial:

Ter um computador em Cuba é como ter um carro sem gasolina. A internet é proibida em casa.

O Senador Azeredo iria adorar uma coisa dessas por aqui.

Yoni afirma: “vivemos uma frustração porque o futuro que nos prometeram nunca chegou”. A quem diz que, pelo menos, não há fome na ilha, Yoni responde:

Você não tem fome apenas de comida. Você tem fome de sabores que não pode comer, fome de poder temperar a comida à sua maneira. Esse é o tipo de fome que temos. Fome de escolher.

E pensar que é esse o modelo que ainda inspira muitos comunistas de cartilha – que não conhecem de Cuba nada além do que a ditadura permite, nem tiveram a chance de conversar com cubanos.

Eu tive essa chance. Uma colega de faculdade cubana veio pra cá com os pais. Ela contava que, nos primeiros meses, tudo que ela queria era voltar à ilha, ao movimento jovem comunista do qual fazia parte. Chegou a fugir da casa dos pais, mas não conseguiu sair de Brasília.

Com o tempo, com a convivência com jovens locais, com a visível melhoria das condições de vida, ela mudou de idéia. Passou a valorizar a democracia (embora capenga e sempre ameaçada) que temos por aqui, a possibilidade de ascensão social, a liberdade de manifestação do pensamento. Morria de saudades de Cuba, sua terra natal, mas sentia repulsa pelo mal que Fidel fez à ilha. Sobre seu período no movimento comunista, dizia que, como tantos outros jovens, havia sofrido “lavagem cerebral”.

Na reportagem de Marie Claire, o amor dos cubanos por sua pátria é evidente e tocante. Alguns deles poderiam sair de Cuba (só alguns – viajar é privilégio concedido a poucos), mas optam por ficar e fazer o possível para transformar o país, escrevendo, falando, formando opinião.

Eu poderia escrever mil lições de moral, mas a finalidade deste texto não é essa. Fiquei contente por ver uma blogueira na capa de uma revista, trazendo conteúdo relevante. Fiquei comovida pelas dificuldades que ela enfrenta para fazer algo que me parece tão natural, como acessar a internet.

Deu vontade de compartilhar com você – só isso.

Eu não conheço o Políbio Braga

O Políbio Braga abriu um processo contra o Nova Corja, mas eu não conheço o Políbio Braga nem seu site, seu blog ou seu jornal. Nunca ouvi falar em Políbio Braga, você já?

Então entre aqui e conheça tudo o que eu sei do Políbio Braga.

(O texto acima e a idéia de criar o protesto são do Bender.)

Não entendeu? O tal Políbio Braga é um jornalista e advogado que resolveu processar o blog Nova Corja, escrito por Valdevino Silva, também jornalista. O que Valdevino fez de errado? Nada. Como cidadão, usa seu próprio blog para exercer seu direito à livre manifestação do pensamento. Como jornalista, tem o dever de informar – doa a quem doer, como diria Boris Casoy.

Na realidade, nem sei se esse tal Políbio tem o rabo preso ou não; o que sei é que quando alguém – blogueiro, jornalista, jornaleiro, bloguista, o raio que seja – é processado por exercer o direito constitucional de dizer o que pensa sobre outra pessoa, há algo de errado.

Aliás, já reparou como há um movimento esquisito – para dizer o mínimo – no ar? Uma tendência à censura? Uma vontade de estabelecer uma ditadura branca? Já tentaram silenciar o Judiciário, o Ministério Público e, mais recentemente, os jornalistas. Exageros à parte, cometidos por uns poucos membros das citadas classes, ainda vivemos em um Estado Democrático de Direito. Puna-se o exagero quando ocorrer. Tomar “medidas preventivas” contra a liberdade de manifestação é o mesmo que inverter o brocardo e proclamar “culpado até prova em contrário”.

A bola da vez é a internet. O Sarney conseguiu tirar do ar o blog da Alcinéa Cavalcante, lembra da confusão? Nem vou citar casos como o da Cicarelli ou o da Preta Gil que, no fim das contas, são menores se comparados ao da Alcinéa versus Sarney, embora tenha-se feito mais barulho em torno deles.

A coisa ainda pode piorar – vide o tal projeto de lei do Azeredo, que parte do pressuposto de que todo mundo que está na web é mal-intencionado, para não dizer criminoso. Aliás, já que estamos falando disso, que tal participar do abaixo-assinado pelo veto ao projeto de cibercrimes? O link traz um bom texto sobre as conseqüências nefastas caso esse projeto se torne lei, vale a pena ler.

Seja lá como for, só sei do seguinte: eu não conheço o Políbio Braga.

Vá pentear macaco-aranha, Obama!

Macaco-aranha Não bastassem os ecochatos, que prestam um desserviço ao debate ambiental há décadas, destaca-se atualmente uma outra espécie irritante: os ecodemagogos. Semana passada foi a vez do quase-candidato democrata à presidência dos Estados Unidos, Barack Obama proclamar que a Amazônia é um “recurso global”. O recado, pra lá de óbvio, não passou batido ao jornal The New York Times, que publicou em 18 de maio a matéria De quem é a Amazônia, afinal? (em inglês – no Último Segundo há uma tradução), destacando opiniões favoráveis à internacionalização da floresta – da nossa floresta.

Soberania nacional? Integridade territorial? Pelo visto, Obama e outros formadores de opinião por aí desconhecem esses conceitos – quando se referem ao país alheio, claro. Quer apostar que a reação seria bem diferente se alguém sugerisse a internacionalização da Floresta Boreal do Alasca, por exemplo?

Que se fale em proteção da Amazônia, em responsabilidade do Brasil por cuidar dela, em estipulação de padrões mínimos de conduta, até aí, tudo bem. Não defendo a falácia “ah, eles destruíram o que é deles, logo podemos destruir o que é nosso” – embora a premissa seja verdadeira, um erro não justifica o outro.

Mecanismos de controle do desmatamento, aliás, existem. Na verdade, o simples boicote do comércio internacional a produtos oriundos da exploração predatória da Amazônia já faria um belo trabalho, sensibilizando os produtores onde realmente dói – mas ninguém quer isso, não é? Todos lucram com a devastação da floresta. A diferença é que uns são mais demagogos que outros.

Enfim. É justo e necessário que haja uma preocupação com a preservação e que se discutam regras de exploração racional dos recursos florestais. Agora, dizer que a Amazônia é “do mundo”, que se trata de um “recurso global”, um “patrimônio natural” ou o que quer que seja já é passar dos limites do discurso sensato. Brasília, a cidade em que moro, é patrimônio cultural da humanidade e nem por isso está aberta ao domínio estrangeiro.

Do jeito que a coisa vai, acabo virando republicana.

Foto: Sir. Keko (link para a imagem).

Big Brother também é cultura

Big Brother is watching you Essa aconteceu há quase um mês; porém, como a ignorância é atemporal, vale comentar.

O Caje (o equivalente à Febem no Distrito Federal) fez concurso público, dia 27 de abril, para o preenchimento de 127 cargos de agente. Uma das questões da prova dizia o seguinte:

O reality show Big Brother (do inglês ‘grande irmão’ ou ‘irmão mais velho’) tem sido há quase uma década um fenômeno da televisão brasileira. Qual a origem do nome do programa?

Aí, o ilustre (?) deputado distrital Chico Leite, autor de uma tal Lei dos Concursos (um tanto vazia, decididamente eleitoreira – lembre-se, Brasília é a terra dos concursos públicos – e atualmente suspensa devido a uma ação de inconstitucionalidade) enviou à imprensa local a seguinte nota:

O candidato que se dedica horas a fio para se preparar não tem tempo para assistir ao Big Brother. Esse tipo de questão não avalia conhecimento algum.

Puxando a brasa para a sua sardinha, afirmou que a falta de uma lei que dê transparência aos concursos públicos é que gera esse tipo de questão, que considerou “vexatória aos concorrentes que se preparam com afinco e seriedade”.

Ora, excelentíssimo (??) deputado, vexatória é a vossa ignorância.

O uso do termo Big Brother para designar o reality show em que um grupo fica confinado numa casa cercada de câmeras, sob a vigilância constante da audiência, não surgiu do nada. A referência é pra lá de óbvia: “Big Brother”, ou “Grande Irmão“, era o nome dado ao Estado totalitário apresentado no livro 1984[bb], um clássico de George Orwell.

Orwell inspirou-se em seu próprio tempo, dominado por tiranos como Stalin e Hitler, para compor o romance que, publicado em 1948, já é considerado um clássico, dada a qualidade da obra e seu aspecto visionário.

Na ficção de Orwell, o Estado havia se tornado todo-poderoso: onipresente, onisciente e onipotente, o Grande Irmão controlava cada passo de cada ser humano, regulando todos os aspectos da sua vida, mesmo seus pensamentos. Ninguém nunca via o Grande Irmão, mas por toda parte havia cartazes espalhados que proclamavam “Big Brother is watching you” – “O Grande Irmão está observando você”.

Alguma semelhança com o reality show da Endemol que faz sucesso na programação global?

(E, cá entre nós, alguma semelhança com o Google?)

A questão da tal prova era daquelas que privilegiam o conhecimento real, não meramente a decoreba tediosa de leis e regras gramaticais. Era, sim, autorizada no edital, no item Atualidades, sob a expressão “artes e literatura e suas vinculações históricas”. Um simples “Conhecimentos Gerais” já bastaria. Como é que o deputado diz que a pergunta “não avalia conhecimento algum”?! Certamente, avaliou o dele.

Ademais, era uma questão de múltipla escolha. Ninguém precisava escrever um tratado sobre 1984. Só marcar um X.

É certo que o espectador médio do Big Brother nem desconfia que o nome do seu programa favorito veio de um clássico da literatura. Talvez vários candidatos ao cargo de agente do Caje também desconhecessem o fato.

Agora, que o professor (???) Chico Leite desconheça a obra e, ainda por cima, dê provas cabais de sua ignorância é, realmente, de surpreender.

Pena que não é preciso fazer prova para ser político.