Esse Folgando é extraordinário por sair durante e semana e porque só traz três notícias – mas você pode considerá-lo extraordinário porque são notícias imperdíveis, maravilhosas e vitaminadas. 😉
A primeira delas é que no próximo dia 30 de agosto acontece o Segundo LuluzinhaCamp Nacional. Será novamente em São Paulo, na Oca Tupiniquim (facinho de chegar), das 11h às 18h. Para participar, você, mulher interneteira e antenada, precisa fazer sua inscrição e pagar uma taxa de 15 reais.
Quem já foi a um LuluzinhaCamp, seja nacional ou regional, pode atestar como ele é bacana. Quem nunca foi, pode tratar de ir chegando: deixe de lado a timidez, traga sua caneca, sua comidinha para compartilhar e sua vontade de conhecer gente e trocar idéias. Mais detalhes (inclusive link para o formulário de inscrição) na chamada da Lu Freitas.
A segunda notícia é que já está no ar mais um exemplar da Revista Deusas. Nesta Edição de Inverno, afinamos o modelo colaborativo que rendeu ótimos frutos na Edição Especial – Dia Internacional da Mulher. A revista traz dicas para aquecer a casa no inverno, dicas de sopas rápidas, crônicas, comentários de filmes “invernais” etc. e tal. Está realmente recheada de textos fantásticos escritos por mulheres maravilhosas – e pelo Tucori, bendito fruto. Baixe agora mesmo!
Para fecharcom chave de ouro, um livro pra lá de especial: A Casa das Fadas, de Danilo Donzelli, padrasto da querida Lu Freitas. Danilo conta a história de Dudu, uma criança vítima do abandono, como tantas por aí. O sofrimento, o medo, a vida no abrigo, o sonho de uma família de verdade – está tudo lá, narrado com muita sensibilidade. O lançamento foi ontem. A Lu sorteia um exemplar HOJE e, se você correr, ainda consegue participar. Se não der mais tempo, pode comprar o seu no site do autor (com direito a trilha sonora) ou direto na editora. Vale a pena!
No colégio, História era minha matéria favorita. No dia-a-dia, o interesse por comida (e por comer, obviamente) é constante. Claro que um livro juntando essas duas delícias chamaria minha atenção. Apesar disso, Brasil 1500/2000: 500 Anos de Sabor mofou na minha estante por anos (talvez desde 2000, de fato). Eu não sabia o que estava perdendo.
O livro é um verdadeiro passeio pela história gastronômica do Brasil. Da Colônia até os dias atuais, passando pelas contribuições dos índios, dos negros e das várias correntes migratórias, 500 Anos de Sabor é uma leitura fascinante, nada diet e capaz de agradar até quem não curte esquentar a barriga no fogão ou ler sobre batalhas, datas e figuras históricas. Afinal, todo mundo gosta de uma boa mesa (aliás, eis aí um bom jeito de motivar o estudo da História).
Conta-se, por exemplo, que a onipresente mandioca veio dos índios (ao passo que sua bebida preferida, o cauim, não caiu nas graças dos europeus – felizmente); que a mesa portuguesa só ganhou sabor de verdade com os temperos trazidos pelos negros em honra aos seus orixás; que entradas e bandeiras enriqueceram a culinária nacional com pratos rápidos e de fácil conservação, como a paçoca de carne-seca; que as Grandes Guerras, assolando a Europa, fizeram os olhos e o paladar brasileiros voltarem-se para os vizinhos norte-americanos.
A discussão sobre a origem da feijoada também está presente, claro:
Quem resiste?
Como toda paixão, a feijoada costuma gerar acaloradas polêmicas. Teria mesmo nascido na senzala? Não teria muito mais a ver com receitas portuguesas mesmo, das regiões da Estremadura, do Alto Douro e Trás-os-Montes, que misturam feijão de vários tipos, menos o feijão preto, a linguiças, orelhas e pés de porco, e que se recomenda comer com arroz, especialmente na terça-feira de carnaval? Não seria uma receita muito mais moderna, surgida ali pelo final do século passado [XIX], a partir de informações culinárias de outros países, já então mais frequentes no Brasil, inspiradas por outros cozidos, como o cassoulet francês, que também leva feijão – branco – no seu preparo?
(…)
O que se pode fazer com segurança, para chegar mais perto da verdade, é relembrar um pouco os hábitos alimentares da senzala brasileira, nos dois primeiros séculos de colonização. (…)
Quando a escassez de comida não era tanta, suas refeições básicas juntavam a onipresente farinha de mandioca à carne ou peixe, além dos vegetais que estivessem à mão. E quando podiam, os escravos procuravam manter sua alimentação de origem, que não prescindia do feijão preto, trazido por eles da África, mais muita pimenta-malagueta como tempero. Dos senhores de engenho recebiam às vezes restos de carnes, mais a permissão para entrar nos pomares, servindo-se das frutas disponíveis, entre elas a laranja. E a aguardente costumava ser distribuída até com fartura, menos por generosidade e mais para estimular a alegria, aumentando assim, quem sabe, o empenho na lida dos canaviais.
Feijão preto, restos de carnes, farinha de mandioca, pimenta, laranja, até a bebida – não é difícil reconhecer na união desses elementos um parentesco bem próximo com a nossa feijoada contemporânea. (…) Não deve ser mera coincidência.
Às margens do texto, poesia, prosa, ditos populares e canções ilustram a fusão entre culinária e cultura.
500 Anos de Sabor foi patrocinado pelo Pão de Açúcar em 2000 e não é mais vendido; quase nem escrevo sobre ele. O Neto Cury (que me lembrou dos sebos), a Cynthia Semíramis (que falou sobre a preservação da memória do livro) e a Júlia Reis (que nem sabia que o livro tinha a ver com a praia dela) disseram que isso não é razão suficiente pra não falar dele. Estão certos. O texto é bacana, as receitas (mais de duzentas) vão da maniçoba à charlotte russe e, veja só, dá pra comprá-lo na Estante Virtual, meu sebo favorito.
O texto da Gabi foi o mais inspirador pra mim. Não só porque sou uma descendente de italianos apaixonada por massas, mas porque macarrão ao molho de tomate é um dos pratos favoritos da minha mãe.
A todos os participantes, muito obrigada! Espero que tenham gostado de fazer os textos como gostei de os ler.
Gabi, o pessoal da editora vai entrar em contato contigo e mandar os livros para a sua casa logo, logo. 🙂
Li Alta Fidelidadehá alguns anos e ele entrou fácil na minha lista de Top 5. Não é à toa que passei a correr atrás dos outros livros do Nick Hornby. Como Ser Legal é o segundo que leio e, embora não seja tão formidável quanto Alta Fidelidade, traz uma história muito bem contada.
Já de início, chama a atenção a escolha de uma mulher como personagem narradora. Nick Hornby foi tão bem-sucedido descrevendo relacionamentos do ponto de vista masculino… será que conseguiria o mesmo do lado oposto? A resposta é sim, ele conseguiu. Captou, inclusive, a facilidade das mulheres para elocubrações, em contraponto à secura (objetividade?) masculina.
Se bem que, lá pelas tantas, a coisa muda de figura – não por inabilidade do autor, mas por exigência mesmo da história. Kate passa a ser a metade objetiva do casamento, cabendo a David alimentar delírios, rompantes messiânicos e uma incrível esperança no ser humano.
Enquanto David, acompanhado de seu recém-descoberto guru Boas Novas e de sua filha de oito anos, faz planos para salvar o mundo (e parte para a prática), Katie, médica competente e mãe dedicada, começa a se perguntar o que é ser legal, de fato. Ela, que se achava tão contribuidora para o bem da sociedade, passa a rever seus conceitos e comportamentos, buscando descobrir o que é ser, realmente, uma boa pessoa.
Nesse ponto, o livro resvala perigosamente numa filosofia pretensiosa, mas recupera-se a tempo. O humor do texto, o cinismo dos personagens e as tentativas inusitadas de David para salvar o mundo mantêm a história num tom casual e pra lá de divertido.
Pinceladas
Falhei com minha filha. Molly só tem oito anos de idade, e anda triste… Eu não queria isso. Quando ela nasceu, eu tinha certeza de que poderia evitar isso, e não consegui. Percebo que a tarefa que assumi era irrealista e irrealizável, mas isso não faz diferença: acabei contribuindo para a criação de mais um ser humano confuso e assustado. (p. 144)
Casar e criar uma família é como emigrar. Eu vivia no mesmo país que meu irmão, e compartilhava os valores, gostos e atitudes dele; depois fui embora. Apesar de não notar, comecei a falar com um sotaque diferente e a pensar de forma diferente. Embora recordasse minha terra natal afetuosamente, já perdera todas as características dela. Atualmente, porém, quero voltar para casa. Vejo que cometi um grande erro, que o novo mundo não é aquilo que se supõe e que as pessoas de lá são muito mais saudáveis e sábias do que as pessoas que vivem no país que eu adotei. Quero que meu irmão me leve com ele. Nós podíamos ir para a casa da mamãe e do papai. Seríamos mais felizes lá. Mark não era um suicida quando morava lá, e eu não era cheia de preocupações e culpas. Seria ótimo. Provavelmente brigaríamos para escolher os programas de televisão, mas fora isso… E não cometeríamos os erros de antes. Não resolveríamos que queríamos crescer e viver vidas próprias. Já tentamos isso e não deu certo. (p. 247-248)