É Agora… ou Nunca

Primeiro livro da Marian Keys que leio, só caiu nas minhas mãos porque veio de um sebo a um precinho camarada – afinal, ora bolas, quem precisa de mais um livro à la Helen Fielding? Por mais que goste de Bridget Jones (e gosto muito do primeiro livro) ou, a propósito, de Becky Bloom, não estava a fim de investir meu tempo em outra história parecida.

Para minha surpresa, porém, o livro de Marian Keyes tem pouco a ver com os outros.

Sim, todos pertencem ao que se convencionou chamar de “literatura mulherzinha”, mas as semelhanças páram por aí. Em É Agora… ou Nunca há três protagonistas, em vez de uma só. Todos na casa dos 30, cada qual tem problemas que vão bem além de aguentar a mãe na festa de fim de ano ou resistir a impulsos consumistas.

Katherine é conhecida no trabalho como “Miss Gelo” e tem claros entraves para se relacionar com o sexo oposto. Tara acomodou-se num relacionamento infeliz. Fintan é o mais bem-resolvido, até que algo acontece para tirar-lhe do prumo.

Ainda há suas famílias, seus colegas de trabalho, a amiga sueca e vários outros personagens. Alguns parecem totalmente irrelevantes mas, cedo ou tarde, encontram seu lugar na trama.

Keyes conta uma história simples (mas nem sempre leve), com lances cotidianos e um tanto de situações pelas quais já passamos ou vimos alguém passar. Seu mérito é fazê-lo com excelente ritmo. Você pensa “só vou ler mas 5 páginas” e, quando nota, já se foram 5 capítulos. Já estou de olho em outros livros da autora.

Ficha

  • Título original: Last Chance Saloon
  • Autor: Marian Keyes
  • Editora: Bertrand Brasil
  • Páginas: 588
  • Cotação: 3 estrelas
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Tempo de Matar

Capa antiga de Tempo de Matar
Capa antiga.

Primeiro livro de John Grisham, publicado em 1988, Tempo de Matar é considerado por muitos críticos o melhor da sua carreira.

A história é semelhante à de vários dos seus livros: advogado recém-formado precisa construir reputação e ganhar dinheiro, portanto aceita um caso difícil, com alto risco de derrota; a vitória, ainda que improvável, significaria fama e fortuna.

A trama começa quando dois homens brancos drogados violentam Tonya, uma menina negra de dez anos em Clanton, cidadezinha do Mississipi (sul dos Estados Unidos). Inconformado e certo de que não haverá justiça para os estupradores de sua filha, Carl Lee Hailey mata os dois – e, claro, vai a julgamento. É aí que entra Jack Brigance, advogado em início de carreira que tentará defender Hailey contra as provas, a opinião pública e a Ku Klux Klan. Os motivos de Brigance não são os mais altruístas no início, mas pouco a pouco o advogado vê-se envolvido e comovido pela situação da família de Hailey.

O foco do livro é a questão racial norte-americana, em evidência até hoje e muito mais nos anos 80. Naquela sociedade, é aceitável que homens brancos estuprem uma garotinha negra? Para a maioria, talvez não; para alguns, certamente sim. O que parece intolerável, porém, é que seu pai resolva se vingar. Não pelo justiçamento, mas por ser negro – como um operário negro se acha no direito de matar dois jovens brancos?

Além da questão racial, Tempo de Matar destaca-se pela discussão em torno do sistema legal, da pena de morte, da sua eficácia e dos valores a serem defendidos pelo Direito. O tribunal do júri também é posto em debate.

A história é densa, provoca a reflexão e tem viradas emocionantes. Não acho que seja o melhor livro de Grisham, no entanto. Prefiro textos posteriores, conduzidos com mais agilidade e fluência pelo advogado-escritor. Na reta final do romance, Grisham parece ansioso por terminá-lo, justo quando seria bom enrolar um pouco. Talvez a crítica incense Tempo de Matar por trazer um tema tão sensível à sociedade norte-americana, não propriamente por seus méritos literários. De toda a forma, é um livro muito bom.

A história virou um ótimo filme em 1996, com Matthew McConaughey, Sandra Bullock e Samuel L. Jackson. O livro passou anos esgotado no Brasil (meu exemplar veio da Estante Virtual), mas foi relançado em 2008.

Leia Sobre

Ficha

  • Título original: A Time to Kill
  • Autor: John Grisham
  • Editora: Rocco
  • Páginas: 535
  • Cotação: 3 estrelas
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Leite Derramado

O escritor faz jus ao talento do compositor.
O escritor faz jus ao talento do compositor.

Os dois primeiros romances do Chico Buarque não me empolgaram*. Na verdade, foram decepcionantes, não exatamente por serem ruins, mas por não estarem à altura das belíssimas contribuições de Chico à música popular brasileira.

Estorvo (1991) é opressivo. O clima de devaneio da narrativa torna-se, de fato, um estorvo. O livro incomoda, mas não se trata daquele incômodo “bom”, questionador, que desafia a inteligência. Incomoda porque é fraco.

Benjamim (1995) não me pareceu muito melhor. Considero-o o mais insignificante dos romances de Chico, incapaz de despertar prazer ou desagrado – morno, mesmo. O filme é preferível ao livro.

Em Budapeste (2004), a coisa muda de figura. A sensação de deslocamento do protagonista, de figurar em dois mundos sem saber ao certo a qual deles deseja pertencer, é ricamente transmitida na prosa-quase-poesia do livro. Quem resolveu dar mais uma chance ao Chico escritor foi recompensado.

Esse ano, Leite Derramado é uma recompensa ainda maior.

O ponto de partida é singelo: o centenário Eulálio Assumpção recorda sua vida inteira enquanto está preso a um leito de hospital.

A história da ilustre família Assumpção – que confirma ao bordão “pai rico, filho nobre, neto pobre” – mescla-se à história do Brasil. O leitor passeia pelas riquezas do império e pelo senado republicano, pelo período escravocrata e pela miséria cotidiana. Críticas sociais e de costumes permeiam a narrativa, embora não seja esta a intenção de Eulálio, que chega à ingenuidade em certos momentos. É de arrancar risadas irônicas, por exemplo, seu comentário sobre o avô, “grande benfeitor da raça negra. Creiam que ele visitou a África em mil oitocentos e lá vai fumaça, sonhando fundar uma nova nação para os ancestrais  de vocês” (p. 51).

São tantas recordações entre gerações passadas e futuras da família Assumpção que os personagens se misturam e o leitor mais aplicado terá dificuldades em traçar sua árvore genealógica, assemelhando-se à confusão que Gabriel García Márquez cria em Cem Anos de Solidão.

O moribundo repete histórias, cria versões, perde-se em reminiscências sobre casas que já não existem, riquezas incertas, eventos confusos e pessoas misteriosas. Conta fatos para negá-los em seguida, imagina (ou admite?) traições. Eulálio divaga, conduzindo o leitor à divagação. O que será verdade, dentre todas as lembranças? Não importa. O que vale é deixar-se levar pela correnteza narrativa.

Em comum, os quatro romances de Chico Buarque têm o onirismo, a descontinuidade narrativa e a prosa bem-cuidada. Em Leite Derramado, Chico fez excelente uso desses três elementos e somou-os a uma história emocionante, sem esquecer-se do humor. Enfim, o romancista mostra-se tão talentoso quanto o compositor.

Em tempo: Leite Derramado inspira-se abertamente na canção O Velho Francisco.

Ficha Técnica

  • Título: Leite Derramado
  • Autor: Chico Buarque
  • Editora: Companhia das Letras
  • Páginas: 195
  • Cotação: 5 estrelas
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* Chico Buarque tem outros três livros, anteriores à sua fase de romancista: A bordo do Ruy Barbosa (poesias), Fazenda Modelo (fábula política) e Chapeuzinho Amarelo (infantil).

Folgando na Rede Extraordinário

Esse Folgando é extraordinário por sair durante e semana e porque só traz três notícias – mas você pode considerá-lo extraordinário porque são notícias imperdíveis, maravilhosas e vitaminadas. 😉

A primeira delas é que no próximo dia 30 de agosto acontece o Segundo LuluzinhaCamp Nacional. Será novamente em São Paulo, na Oca Tupiniquim (facinho de chegar), das 11h às 18h. Para participar, você, mulher interneteira e antenada, precisa fazer sua inscrição e pagar uma taxa de 15 reais.

Quem já foi a um LuluzinhaCamp, seja nacional ou regional, pode atestar como ele é bacana. Quem nunca foi, pode tratar de ir chegando: deixe de lado a timidez, traga sua caneca, sua comidinha para compartilhar e sua vontade de conhecer gente e trocar idéias. Mais detalhes (inclusive link para o formulário de inscrição) na chamada da Lu Freitas.

A segunda notícia é que já está no ar mais um exemplar da Revista Deusas. Nesta Edição de Inverno, afinamos o modelo colaborativo que rendeu ótimos frutos na Edição Especial – Dia Internacional da Mulher. A revista traz dicas para aquecer a casa no inverno, dicas de sopas rápidas, crônicas, comentários de filmes “invernais” etc. e tal. Está realmente recheada de textos fantásticos escritos por mulheres maravilhosas – e pelo Tucori, bendito fruto. Baixe agora mesmo!

Para fechar com chave de ouro, um livro pra lá de especial: A Casa das Fadas, de Danilo Donzelli, padrasto da querida Lu Freitas. Danilo conta a história de Dudu, uma criança vítima do abandono, como tantas por aí. O sofrimento, o medo, a vida no abrigo, o sonho de uma família de verdade – está tudo lá, narrado com muita sensibilidade. O lançamento foi ontem. A Lu sorteia um exemplar HOJE e, se você correr, ainda consegue participar. Se não der mais tempo, pode comprar o seu no site do autor (com direito a trilha sonora) ou direto na editora. Vale a pena!