Urso de Ouro para Tropa de Elite

Parabéns ao diretor José Padilha, ao ator Wagner Mourae a toda a equipe de Tropa de Elite, um dos melhores filmes já feitos no Brasil. O Urso de Ouro no Festival de Berlim é o reconhecimento do seu incrível trabalho.

Aliás, a crítica alemã ao filme foi muito mais sensata que a norte-americana. Alguns jornais discordaram, outros concordaram com a visão do filme, mas todos afirmaram que Tropa de Elite não tem nada de fascista. Os críticos chegaram a comentar: “e de fascismo, nós, alemães, entendemos” (leia na matéria Tropa de Elite gera mais ódios que amores em Berlim). Realmente, eis um povo que não precisa ler os livros de História para entender o conceito político – ele mesmo escreveu a História.

Juno

Ficha Técnica

  • Título original: Juno
  • País de origem: EUA
  • Ano: 2007
  • Gênero: Comédia
  • Duração: 92 minutos
  • Direção: Jason Reitman, que também dirigiu Obrigado por Fumar.
  • Roteiro: Diablo Cody
  • Elenco: Ellen Page, Michael Cera, Jennifer Garner, Jason Bateman, Allison Janney, J.K. Simmons.
  • Sinopse: Juno, uma jovem de 16 anos, engravida sem querer e procura casal que queira adotar o bebê.

Comentários

Juno Juno é uma dramédia, como convencionou-se chamar histórias que misturam drama e humor em doses tão semelhantes que se torna difícil classificá-las em um ou outro gênero. Juno faz essa mistura muito bem, valendo-se de cenas ágeis e de uma protagonista muito talentosa, a canadense Ellen Page.

A forma como o filme lida com a gravidez na adolescência também é ótima. Também não há longas e tediosas lições de moral sobre a falta de cuidado dos adolescentes, o sexo irresponsável e sem compromisso, o perigo da transmissão de doenças sexualmente transmissíveis, os males da gravidez na adolescência. Juno não enche a paciência do espectador.

A discussão sobre o aborto tangencia a história, mas não há tomada de posição contrária ou favorável. Juno faz sua escolha e segue em frente. Ótimo. Discussões sobre o tema costumam vir encharcadas de preconceitos (no sentido literal mesmo, conceitos preexistentes) e dificilmente levam a algum lugar. Sou partidária do “cada um na sua”, e o filme segue essa linha.

O que me incomodou, especialmente na reta final, foi a romantização, a água-com-açúcar transbordante e melada. Juno desenvolve uma ótima e realista trama, para derrapar no final e sucumbir à pieguice desmedida. É o velho “nadou tanto e morreu na praia”. Seria um melhor filme se evitasse os clichês sobre o amor com a mesma maestria com que evita julgamentos. Do jeito como ficou, Juno é um filme bonitinho, mas falta-lhe um algo mais.

Juno concorre ao Oscar 2008 em 4 categorias: melhor filme, melhor direção, melhor roteiro original e melhor atriz. Não é para tanto: Juno é um filme fácil; não tem a complexidade de Desejo e Reparação, por exemplo, e não demanda uma direção primorosa. Por outro lado, o roteiro é a alma do filme e a interpretação é seu sopro de vida – sem dúvida, Ellen Page e Diablo Cody mereceram as indicações.

Cotação: 3 estrelas

Serviço

Meu nome não é Johnny

Ficha Técnica

  • País de origem: Brasil
  • Ano: 2008
  • Gênero: Drama
  • Duração: 128 minutos
  • Direção: Mauro Lima
  • Roteiro: Mariza Leão e Mauro Lima, baseado em livro homônimo de Guilherme Fiúza.
  • Elenco: Selton Mello, Cléo Pires, Júlia Lemmertz, Rafaela Mandelli, Eva Todor, André di Biasi, Giulio Lopes, Cássia Kiss.
  • Sinopse: conta-se a história de João Guilherme Estrella, carismático carioca de classe média que se tornou o maior vendedor de drogas do Rio de Janeiro.

Comentários

Meu nome não é Johnny Como um guri que solta uma bombinha dentro de casa e não é repreendido pode acabar em boa coisa?

Claro, estou sendo simplista, mas Meu nome não é Johnny[bb], de fato, conta a história de um garoto mimado de classe média que acha que pode tudo – inclusive traficar. O que me choca não é a história de João Estrella, porque tenho certeza de que é só uma de várias. O que me choca é a forma empolgada, aliviada mesmo com que a crítica recebeu o filme. Meu nome não é Johnny soa como uma resposta a Tropa de Elite[bb], mas não está à sua altura, nem tecnicamente nem no campo dos argumentos.

Tecnicamente, Meu nome não é Johnny é bem executado. Tem ritmo e humor. Selton Mello faz um bom trabalho, simples e sem esforço, já que seu tipo preferido é o bom moço. Cléo Pires já esteve melhor, mas não compromete. O filme não cansa, mas também não impressiona, não marca.

Já no que tange aos argumentos, a discussão é longa.

Que Tropa de Elite incomodou muita gente, não é novidade. A polícia militar ficou ofendidinha e chegou a chamar o diretor José Padilha a depor. A mídia não soube lidar com o estrondoso sucesso do filme. Mesmo Padilha e o protagonista Wagner Moura titubearam em entrevistas e declarações, batendo na tecla “só narramos os fatos, sem juízo de valor”. Por que tanta gente hesitou em fazer juízo de valor sobre Tropa de Elite? Ora, porque o filme responsabiliza claramente o usuário de drogas pelo estado de guerra civil no Rio de Janeiro e, claro, todo mundo conhece usuários de drogas. O meio artístico está cheio deles. As classes A e B consomem muito e pagam caro. Essas mesmas classes fazem passeatas hipócritas pela paz. Tropa de Elite foi um tapa na cara dessa gente.

Aí, poucos meses depois, vem Meu nome não é Johnny e passa a mão na cabeça da elite consumidora de cocaína (e maconha, claro, mas o “barato” do filme é a coca). A todos justifica, a todos desculpa, a todos perdoa. Meu nome não é Johnny se contrapõe a Tropa de Elite, fazendo a defesa de traficantes e usuários.

No filme, João Estrella é retratado como um bom moço, a começar da escolha do ator que o interpretou. Estrella é simpático, generoso, festeiro, gentil, bem-quisto, carismático. Quando a casa cai, assume sozinho toda a culpa, protegendo os amigos que o ajudavam no tráfico. Na cadeia, defende os mais fracos, torna-se uma espécie de líder do bem. Praticamente um herói.

Agora, veja a coisa sob outro ângulo.

Estrella era um típico playboy com dinheiro demais e freios de menos.Viciou-se em cocaína e passou a vender aos amigos para sustentar suas próprias compras. Com o tempo, passou a abastecer toda a classe média e alta do Rio sedenta por “viagens”, mas covarde demais para subir o morro. Tinha uma lábia incrível. Tornou-se o maior traficante da cidade. Iniciou uma rota de tráfico para a Europa. Ganhou os tubos. Gastou tudo. Subornou policiais corruptos. Jogou com o sistema.

Tinha comparsas, mas assumiu sozinho o crime, perante a Justiça, para descaracterizar o art. 14 da antiga Lei de Entorpecentes e, assim, escapar da pena por formação de quadrilha. Viveu muito bem e muito consciente até quando interessou. Gozou do dinheiro, do poder, da liberdade, da aventura. Depois de capturado, alegou capacidade reduzida para escapar da pena de prisão.

Tinha uma namorada cúmplice, que curtiu cada centavo obtido com as drogas (e, claro, deu-lhe um pé na bunda assim que foi preso). Tinha uma mãe que dizia não saber de nada, mas não fazia perguntas ao ganhar um colar de brilhantes do filho que não tinha curso superior ou profissão.

Sustentou sua defesa em dois pilares: incapacidade de compreender seus atos (como se fosse tão difícil assim saber que a venda de drogas é crime) e falta de profissionalismo. Afirmou que, se fosse traficante, teria patrimônio, carro novo, imóveis. Como se a má gestão dos seus “negócios” diminuísse, de alguma forma, os seus crimes.

Pegou pela frente uma juíza, provavelmente vinda da classe média ou alta, sensível às suas súplicas. Ganhou uma medida de segurança, pena muito mais branda que a prisão, por reles dois anos. Pergunto-me se a juíza teria sido tão compreensiva se João fosse negro e favelado, se ela não identificasse sua realidade com a ele.

Ninguém, no filme, tem problemas por consumir drogas. João cheirava 100 gramas por semana, mas não tem síndrome de abstinência. Ninguém emagrece terrivelmente, ninguém perde a família, furta, rouba ou mata para cheirar. Ninguém sobe o morro. Ninguém troca tiros. Ninguém perde nada (exceto, talvez o personagem do psicólogo). A cocaína propicia diversão e dinheiro, sem exigir nada em troca.

Estrella se recuperou. Bom para ele. Alguém se perguntou quantas vidas ele arruinou facilitando o consumo de cocaína? Quantas famílias ele destruiu? Quantos traficantes mataram e morreram no morro para que a droga chegasse ao asfalto? Quantos policiais foram feridos no combate ao tráfico? Alguém se perguntou sobre a dimensão do prejuízo social causado pelos atos de João Estrella?

Esse cara, esse produtor musical que alguns tomam como modelo para dizer “ei, a realidade não é tão ruim quanto Tropa de Elite mostrou”, esse cidadão recuperado encontra justificativa para o tráfico e dá-lhe um lugar no ordenamento social:

Na minha opinião, se tirarmos as drogas de circulação, teremos um exército de desassistidos armados até os dentes, precisando de dinheiro. Se olharmos por um outro ângulo, podemos dizer que esses jovens ajudam a cidade a ficar mais calma, uma vez que geram receita para o crime , diminuindo, assim, as ondas de seqüestros e assaltos a bancos e evitando confrontos em áreas urbanas.

Não, esse trecho não está no filme, mas no Blog do João Estrella, mas precisamente no texto em que critica Tropa de Elite. Esse texto foi publicado numa revista. Johnny também falou algo semelhante no programa da Marília Gabriela na GNT e, pasme, nem ela nem Selton Mello, entrevistado junto com Estrella, retrucaram. Acharam, pelo contrário, brilhante o argumento.

Tem algo muito errado numa mídia e numa sociedade que conseguem justificar a guerra civil causada pelo tráfico.

Meu nome não é Johnny não faz apologia do tráfico e do consumo das drogas. Não diz, com todas as letras, “use drogas e seja feliz, venda drogas e seja rico”. No entanto, ao apresentar um universo tão sedutor, em que, apesar dos pesares, todos vivem felizes para sempre, atenua a realidade e romanceia o crime. Brasileiro, aliás, adora aliviar a barra de tudo, amenizar problemas, contemporizar. É nossa maior qualidade e, paradoxalmente, nosso maior defeito. Essa tolerância, esse olhar de “coitado, ele não fez por mal”, esse paternalismo nos faz aceitar tudo, até condutas criminosas.

Concordo com quem afirma que o Capitão Nascimento não serve de modelo para ninguém e não creio que Tropa de Elite tivesse essa proposta. João Estrella também não é exemplo e acho estranho que a mídia o considere como tal. Estrella é um perdedor. Recuperado, mas ainda assim perdedor.

Pessoalmente, entre a truculência honesta do Capitão Nascimento e a malandragem bandida do João Estrella, fico com o primeiro.

Cotação: 2 estrelas

Serviço

A Variety é uma fanfarrona

Capitão Nascimento e colegas do BOPE O filme Tropa de Elite[bb] estreou no Festival de Berlim na última segunda-feira sob aplausos mornos. Até aí, nenhuma novidade. Não se esperava uma recepção calorosa da platéia alemã e, sem dúvida, a dobradinha legenda em alemão + tradução simultânea não ajudou.

A Variety, famosa revista norte-americana de entretenimento, aproveitou a ocasião para fazer uma resenha sobre o filme. Eis alguns trechos (a matéria completa está no site da Variety, em inglês):

O filme celebra policiais psicopatas e ridiculariza qualquer tentativa de ativismo social, ou mesmo de emoção. Acusações de facismo por críticos do filme não são meramente reações tolas de liberais, mas a inafastável constatação de um fato.

[Capitão Nascimento] explica como funciona o sistema: policiais convencionais são fáceis de levar, assistentes sociais são ingênuos e inúteis e garotos ricos que fumam maconha são tão maus quanto os traficantes. Enquanto policiais sobem a favela para tomar o arrego, membros no BOPE sobem para matar sem perguntar. Afinal, é o que essa escória merece, não é mesmo?

As interpretações são apropriadamente intensas mas, como o filme, carecem de nuances. A câmera de Lula Carvalho nunca pára de sacudir (…) Uma filmagem mais calma teria criado um resultado mais suave, embora Tropa de Elite não seja exatamente candidato ao prêmio de sutileza.

Espanta-me que o crítico Jay Weissberg exija sutileza ou suavidade num filme baseado na realidade cotidiana de uma cidade em estado de guerra civil. Talvez Weissberg esteja encharcado da água-com-açúcar típica dos filmes italianos que o conduziram ao posto de crítico da Variety. Talvez precise de um pouco do cinema norte-americano inspirado nas guerras desenvolvidas pelos Estados Unidos para ter alguma noção do que se passa nos morros cariocas.

Por outro lado, não me admira que Weissberg atribua um caráter fascista a Tropa de Elite. Claro, indiretamente, o filme brasileiro é uma lição para as classes privilegiadas norte-americanas (como foi para as nossas), largamente consumidora de maconha e cocaína. A classe artística dos Estados Unidos, então, povoa as páginas policiais e de fofocas de revistas e jornais mundo afora, graças ao seu amor por drogas ilícitas.

Para um jornalista confortavemente instalado numa sala distante, em uma cidade situada a milhares de quilômetros das favelas cariocas deve ser mesmo difícil entender a relação entre consumo e tráfico. Ninguém deve ter dito a ele que os “garotos ricos” que ele menciona com condescendência são o combustível de uma enorme indústria criminosa.

Suponho que ninguém explicou a Weissberg que o “ativismo social”, as passeatas pela paz e as ONGs demagógicas são controlados e fomentados pelas mesmas pessoas que, no fim de semana, fumam um baseado e perpetuam o ciclo de violência. Isso para não mencionar os milhões de reais que descem pelos ralos das ONGs todos os anos, sem qualquer prestação de contas, e que seriam muito melhor empregados no aparelhamento das polícias.

Em alguns trecho da crítica, até parece que o repórter viu outro filme. Ou, quem sabe, tenha saído da sala de exibição nos momentos em que as atitudes do Capitão Nascimento são criticadas por seus pares, ou em cenas de intensa comoção, como o discurso contra a polícia protagonizado por estudantes do curso de Direito. Em momento algum o filme faz apologia da tortura empregada pelo protagonista ou elogia seu comportamento brutal. Esses elogios partiram espontaneamente de uma sociedade cansada de impunidade e enojada diante de tanta violência e corrupção.

Talvez Weissberg devesse fazer um estágio cobrindo os morros cariocas. Ou, possivelmente, devesse ler um pouco do que acontece no Brasil e estudar mais a fundo o problema das drogas e do tráfico. Assim, quem sabe ele compreenderia melhor a história contada por Tropa de Elite, que de fascista não tem nada. Estudar História, aliás, faria bem aos que insistem no uso desse termo histórico. O fascismo pregava a absorção total do indivíduo pelo Estado, a abolição de qualquer liberdade ou direito civil; os policiais que lutam contra o tráfico arriscam suas vidas para, justamente, dar um pouco de segurança aos indivíduos que formam a sociedade civil; lutam uma guerra para evitar que traficantes se tornem o Estado nas favelas e, conseqüentemente, no asfalto. É o tráfico, não a polícia, que visa ao controle da sociedade.

O senhor é um moleque, senhor Weissberg. Pede pra sair. Ou, como traduziram no Festival de Berlim: “You’re a punk, ask to quit”.

P.S.: nada justifica os comentários ofensivos deixados por uma turba de brasileiros ignorantes no site da revista. Brasileiros já são detestados internet afora por agirem como gafanhotos, vandalizando o caminho por onde passam, lançando mão de insultos como se isso lhes conferissem alguma credibilidade. Quer discordar da crítica de Weissberg? Faça-o com elegância.

P.S. 2: siga o link para ler minha resenha sobre Tropa de Elite.