Depois que morre, todo mundo vira bonzinho…

…até o Saddam Hussein.

Desde o seu enforcamento por crime contra a humanidade, em trinta de dezembo passado, líderes políticos pelo mundo afora vêm criticando a condenação do ex-ditador iraquiano. Mais ainda: organizações de defesa dos direitos humanos protestam contra o julgamento e a execução de Saddam. É politicamente correto repudiar o fim que foi dado a ele.

Ora, bolas. O sujeito foi um dos maiores violadores dos direitos humanos da história recente mundial. As barbáries que o Saddam Hussein perpetrou ao longo de quase vinte e cinco anos no poder são incontáveis. Será que as tais organizações pelos direitos humanos não têm mais nada o que fazer, nenhuma outra bandeira a defender? Será que não existem causas infinitamente mais justas ao redor do globo?

Não cabe, aqui, a discussão sobre a correção moral da pena de morte. Decidir por incluí-la entre as possíveis punições é ato soberano de cada nação. Ela é prevista na legislação iraquiana, e ponto. Saddam foi julgado por seus pares, ou seja, por um tribunal iraquiano (especificamente, pelo Alto Tribunal Penal Iraquiano) e executado segundo as leis do país. Até se pode aproveitar o caso para discutir a pena de morte abstratamente (aceita por vários países e rejeitada por outros tantos), mas criticar a sua aplicação no julgamento de Saddam é misturar alhos com bugalhos.

Nesse história toda, só lamento as provocações lançadas pelos carrascos contra o condenado, não por ter pena dele, mas por considerar indigno o comportamento de pisar em quem está caído. Ou de chutar cachorro morto.

Eu voto NÃO!

“Um homem não pode abandonar o direito de resistir
àqueles que o atacam com força, para lhe retirar a vida…”
(“Leviatã” Thomas Hobbes)

Em 23 de outubro, os eleitores brasileiros responderão ao referendo sobre a comercialização de armas de fogo e munição. O Estatuto do Desarmamento, em vigor desde 2003, estipulou o referendo no parágrafo primeiro do artigo 35.

Convictamente, sou contra o desarmamento da população civil. Sou mais contrária ainda à forma como esse referendo foi organizado.

Para começar, a pergunta a que vamos responder no dia 23 de outubro próximo é fortemente tendenciosa: “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”. A questão é tortuosa, longa, feita para confundir. Acreditando-se na boa-fé de quem a redigiu, pode-se dizer que é, no mínimo, mal formulada. Com uma palavra negativa na sentença – “proibido” -, o eleitor é obrigado a escolher SIM para dizer NÃO ao comércio de armas de fogo; e deve dizer NÃO para responder SIM.

Ressalte-se que a “Campanha do Desarmamento”, feita ao longo dos últimos meses (com aquela história de entregar sua arma de fogo e patati-patatá) desequilibrou a balança em desfavor dos que apóiam o direito de ter armas em casa, já que durante longo tempo não tiveram na mídia o mesmo destaque. Além disso, a Campanha leva o cidadão a crer que a proibição do comércio de armas e munição contribuirá para a redução da violência.Grande falácia. Veja:

1. Quem vai ser desarmada é a população honesta. Bandido vai continuar tendo arma. Marginal não compra arma em lojas. Traficante não registra arma.

2. Os bandidos vão votar “SIM”, sabia? É claro. Uma população indefesa é tudo que eles mais querem. Na Austrália, o índice de invasões a residências aumentou drasticamente após a proibição do comércio de armas. Na Inglaterra, onde as armas foram banidas em 1997, o índice de homicídios aumentou 25%; o número de roubos cresceu 36%.

3. Você pode contar com a polícia brasileira? Acredita que ela chegará a tempo numa situação de emergência?

4. No Canadá e nos Estados Unidos, o acesso a armas de fogo é igualmente fácil. Entretanto, o índice de mortes por arma de fogo no Canadá é tremendamente menor que nos EUA. O problema não está na arma, mas em quem a utiliza – clichê, sim, mas verdadeiro. A grande questão que diferencia os EUA do Canadá é a cultura da violência e do medo que, por sinal, predomina no nosso país também. No Brasil, gostamos de atacar as conseqüências sem tratar as causas. É exatamente o que se está tentando fazer com o desarmamento da população.

5. A legítima defesa é um direito natural. Matar em legítima defesa é autorizado pelo Código Penal. Ninguém é preso por reagir e matar um assaltante, estuprador ou assassino.

6. Eu jamais teria uma arma de fogo em casa. É a minha opção, é meu direito não ter armas. Da mesma forma, é direito do meu vizinho ter uma arma, se ele assim quiser. Não tiremos de ninguém o livre arbítrio.

7. Como bem lembrou a Bel, d’O Pásssaro Raro, Hitler desarmou a população antes de iniciar sua perseguição aos judeus.

Reflita: quem ganha com o desarmamento? Quem ganha com a certeza de que você não tem uma arma em casa? Hoje em dia, um assaltante pensa duas vezes antes de entrar numa casa ocupada, porque sabe que pode encontrar resistência. Ele gostaria muito de ter a certeza da desproteção de sua vítima.

É fácil defender o desarmamento quando se vive em condomínio fechado e anda-se com seguranças pra cima e pra baixo, como os artistas globais que apóiam o “sim”.

Existem dois grandes grupos que sairão lucrando com o desarmamento da população civil: os criminosos e os detentores de firmas de segurança privada.

Pense, analise, discuta. O Dia de Folga está aberto à polêmica. Tenho certeza de que os argumentos prós e contras serão postos com o máximo respeito.

Não deixe de responder a enquete ao lado: você acredita que a proibição do comércio de armas e munição, caso aprovada, contribuirá para a redução da violência no Brasil?

Filme recomendado: Tiros em Columbine, de Michael Moore.
Site recomendado: Eu voto NÃO; Desarmamento Civil? Não caia nessa armadilha.
Atualização em 10 de outubro:

– Alguns amigos questionam o próprio referendo em si. Serão gastos, na consulta popular, 600 milhões de reais. O mesmo governo que está fazendo a pergunta gastou apenas 180 milhões de reais com segurança pública no último ano. Concordo com quem diz que o referendo é inadequado e dispendioso demais e que há coisas muito mais importantes a serem resolvidas no país. Ocorre que essa discussão é inócua: o referendo vai acontecer, e ponto. A questão, agora é quanto aos seus resultados. Isso ainda vale a pena discutir.

– Uma das frases de efeito da campanha pelo SIM é mais ou menos esta: “O referendo é a forma mais democrática de você decidir se quer ou não ter armas”. Agora, diga-me: democrática para quem? Democracia é o que se tem hoje: eu posso decidir por ter uma arma ou por não tê-la – em termos, claro, já que as condições impostas pelo Estatuto do Desarmamento já são extremamente restritivas, com o que concordo. A prevalecer o SIM, entretanto, não teremos mais essa liberdade de escolha. Não haverá democracia, mas a ditadura da maioria – que, afinal, é uma boa definição para o termo “democracia” (pelamordedeus, que ninguém pense que sou favorável ao totalitarismo ou coisa do gênero!).

– Por sugestão da Luma, estou participando da iniciativa do Nós na Rede que, nesta segunda, 10 de outubro, voltou-se para a discussão sobre a proibição da venda de armas e munição no Brasil. Lá, você poderá ler ótimos textos contrários e favoráveis à proibição. Vale a pena conferir, informar-se e colher subsídios para um voto consciente, seja em que sentido for.

Esporte pode virar contravenção penal

A morte da da estudante Letícia Santarém Amaro Rodrigues em 03 de julho, ao praticar o “bungee jump” (o “ioiô humano”) motivou o deputado federal João Paulo Gomes da Silva (PL-MG) a apresentar projeto de lei visando à proibição da prática do esporte. A alegação: trata-se de esporte de risco, podendo causar a morte.

Ótimo. Faz mesmo todo o sentido.

Deveriam proibir, também, o paraquedismo, os vôos de asa delta, o mergulho, as provas de automobilismo e moto-velocidade. Aliás, deveriam urgentemente enquadrar como crime (e não mera contravenção) o jogo de futebol. Tantos jogadores já morreram em campo que é um absurdo que esporte tão arriscado ainda seja permitido e até incentivado.

Ironias à parte, o projeto de lei é tão absurdo quanto o que pretende poibir a venda de artigos de RPG (Role Playing Game), assunto que já foi tratado neste blogue. Neste país, parece mais fácil culpar quaisquer atividades em que ocorra uma fatalidade do que procurar os verdadeiros (ir)responsáveis pelas mortes.

Se é pra radicalizar…

Depois do assassinato de uma família no Espírito Santo, motivado por aposta entre jogadores de RPG (role playing game), deputados capixabas protocolaram projetos de leis que visam à proibição da venda de livros para o jogo. O mesmo rebu já tinha acontecido em 2001, quando a estudante Aline Silveira Soareso foi assassinada em meio a uma partida do jogo. Os vereadores de Vila Velha chegaram a aprovar projeto de lei proibindo a comercialização dos livros (não encontrei confirmação de que o projeto tenha sido sancionado pelo Executivo local).

É isso aí. Vamos proibir a venda de livros de RPG. Vamos marginalizar os seus jogadores e taxá-los de bandidos.

Aproveitemos para banir, também, a exibição de filmes violentos e os desenhos animados de combates e tiros. Proibamos, ainda, as facas de cozinha, instrumentos de tantos crimes, e as banheiras, que podem servir para o afogamento. Ah, não esqueçamos de condenar todo e qualquer jogo de cartas, fonte potencial de apostas macabras.

Pessoas desequilibradas existem em qualquer meio. De uma forma ou de outra, acabam por extravasar sua insanidade. Podem usar como válvula de escape um jogo, um romance, uma novela ou o raio que os parta.

O que não faz sentido é tomar alguns loucos e usá-los como padrão para condenar todo um passatempo que, para noventa e nove por cento dos seus usuários, é lúdico e recreativo.

Ignorância e preconceito motivaram, ao longo da História, infinitamente mais mortes que todas as atividades de lazer somadas.