Budapeste

Única, intacta, intraduzível.
(Frase eternamente repetida por um dos personagens do filme.)

Ficha Técnica

  • Título: Budapeste
  • País: Brasil/Hungria/Portugal
  • Ano: 2009
  • Gênero: Drama
  • Duração: 1 hora e 53 minutos
  • Direção: Walter Carvalho
  • Roteiro: Rita Buzzar, baseado em livro de Chico Buarque
  • Elenco: Leonardo Medeiros, Giovanna Antonelli, Gabriella Hámori, Paola Oliveira, Débora Nascimento, Antonie Kamerling, Ivo Canellas.
  • Sinopse: José Costa é um ghost writer carioca bem-sucedido. Ao conhecer Budapeste, apaixona-se pelo idioma local. No Rio, sua vida torna-se cada vez mais infeliz. Costa passa a escrever autobiografias, na esperança de que a vida de outras pessoas o salve do tédio. Sua esposa acaba se apaixonando por um dos biografados sem saber que o marido é o verdadeiro autor das histórias. Costa divide-se entre o Rio e Budapeste, onde parece ser mais feliz.

Comentários

Budapeste

Certas histórias simplesmente não funcionam no cinema. É o caso de Budapeste, excelente livro de Chico Buarque que perdeu grande parte de sua força ao ser filmada.

O longa mal consegue traduzir a angústia de Costa, o ghost writer que sofre e, ao mesmo tempo, regozija-se no anonimato. Costa não tem nada que o torne memorável ou lhe dê orgulho,  sequer o filho. Por isso mesmo, Budapeste, um lugar completamente estranho, torna-se-lhe tão viável. Budapeste, para ele, é quase um portal para outra dimensão, uma chance de ser feliz.

O filme mastiga tudo isso, mas falha em envolver o espectador na angústia de Costa. Não consegue transmitir sua ambiguidade, a sensação de não pertencimento a lugar algum. A interpretação de Leonardo Medeiros, excessivamente comedida, dilui qualquer empatia que o público pudesse ter com o protagonista.

O roteiro toma rumos equivocados, como a inserção de cenas de sexo que nada acrescentam à trama. Por outro lado, pouca atenção é dada a uma situação tão marcante no livro de Chico: a perda do domínio do próprio idioma por Costa, que se embrenha tanto no húngaro (“a única língua que o diabo respeita”, segundo sua anfitriã e professora Kriska) que lentamente abandona o português. O livro é impregnado de uma vertigem que o filme não é capaz de transmitir.

Budapeste tem o mérito de uma fotografia belíssima com cenas marcantes, como a estátua de Lênin descendo o Rio Danúbio. Também traz um desfecho interessante (com um detalhe a mais que o livro). Infelizmente, porém, o fim demora demais a chegar.

Cotação: 2 estrelas

Serviço

Imagem: divulgação.

Distrito 9

Ficha Técnica

  • Título original: District 9
  • País: Estados Unidos/Nova Zelândia
  • Ano: 2009
  • Gênero: Ficção Científica
  • Duração: 112 minutos
  • Direção: Neill Blomkamp
  • Roteiro: Neill Blomkamp e Terri Tatchell
  • Elenco: Sharlto Copley, Jason Cope, Nathalie Boltt, Sylvaine Strike, Vanessa Haywood e Johan van Schoor.
  • Sinopse: há 20 anos, uma nave espacial chegou a Joanesburgo, capital da África do Sul. Seus tripulantes foram confinados no Distrito 9, sob péssimas condições e sofrendo maus-tratos. Pressionado por problemas políticos e financeiros, o governo local deseja transferir os alienígenas para outra área. Para tanto, é preciso realizar um despejo geral, o que cria atritos com os extraterrestres.

Comentários

Distrito 9 Eu sei, o filme é badaladíssimo, cotadíssimo, todos os “íssimos” do mundo. O sucesso foi tanto que já se fala numa sequência. Baixo orçamento, história inovadora, yada yada yada. A propaganda pré-lançamento era realmente interessante. Fiquei com vontade de ver. Vi e… não gostei.

Distrito 9 começa bem, num tom de documentário e fazendo óbvias referências ao Apartheid. A seguir, caminha para um discurso sobre miséria, favelização, violência e suas interrelações. Depois… bem, depois começa a se perder. Navega por experimentos pseudomédicos, conspirações governamentais, críticas à indústria armamentista e por aí afora. São tantos assuntos que o filme tenta abordar que não consegue aprofundar nenhum deles e deixa uma sensação de colcha de retalhos.

Essa impressão se intensifica diante das inúmeras produções que o filme evoca: de Alien – O Oitavo Passageiro até X-Men, passando por A Mosca, Independence Day, Transformers, entre outros. Há muito pouco realmente original em Distrito 9.

Nem vou mencionar os furos no roteiro. Sim, ficção científica exige um exercício de abandono do real – toda produção de ficção, na verdade, exige. District 9, porém, força demais a barra, a ponto de a prosaica explicação “se não fosse assim não existira filme” fazer-se necessária umas duas vezes, no mínimo. Falta coerência interna à história.

Diga-se de passagem que outras produções foram muito mais felizes ao abordar temas pungentes como preconceito e favelização – basta lembras de Hotel Ruanda e Cidade de Deus, para ficar apenas com dois exemplos. Na ficção científica, o preconceito rendeu ótimos enredos, como Planeta dos Macacos ou o clássico Blade Runner e é tema recorrente em seriados como Star Trek.

De positivo, em District 9, destacam-se as ótimas atuações (a do estreante Sharlto Copley no papel principal é particularmente brilhante) e os efeitos visuais de altíssima qualidade, tornando os alienígenas gerados por computação gráfica tão convincentes quanto nojentos.

Cotação: 2 estrelas

Curiosidades

O ponto de partida para Distrito 9 foi o curta-metragem Alive in Joburg, do mesmo diretor.

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Algumas entrevistas que permeiam o filme foram feitas com sul-africanos pobres que, perguntados sobre o que achavam dos “aliens”, ligaram a expressão aos imigrantes ilegais vindos do Zimbábue (o idioma inglês permite a confusão e esse era mesmo o intento) e soltaram o verbo. O preconceito demonstrado pelos entrevistados é, portanto, bem real.

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Os nigerianos estão entre os “caras maus” da história – o chefão Obesandjo, inclusive, tem o nome muito parecido com o do ex-presidente Olusegun Obasanjo. O governo nigeriano manifestou-se oficialmente contra o filme, e ainda exigiu que fossem retiradas dele todas as referências à Nigéria (o que não foi feito, evidentemente).

Serviço

Imagens: divulgação.

Meu nome não é Johnny

Ficha Técnica

  • País de origem: Brasil
  • Ano: 2008
  • Gênero: Drama
  • Duração: 128 minutos
  • Direção: Mauro Lima
  • Roteiro: Mariza Leão e Mauro Lima, baseado em livro homônimo de Guilherme Fiúza.
  • Elenco: Selton Mello, Cléo Pires, Júlia Lemmertz, Rafaela Mandelli, Eva Todor, André di Biasi, Giulio Lopes, Cássia Kiss.
  • Sinopse: conta-se a história de João Guilherme Estrella, carismático carioca de classe média que se tornou o maior vendedor de drogas do Rio de Janeiro.

Comentários

Meu nome não é Johnny Como um guri que solta uma bombinha dentro de casa e não é repreendido pode acabar em boa coisa?

Claro, estou sendo simplista, mas Meu nome não é Johnny[bb], de fato, conta a história de um garoto mimado de classe média que acha que pode tudo – inclusive traficar. O que me choca não é a história de João Estrella, porque tenho certeza de que é só uma de várias. O que me choca é a forma empolgada, aliviada mesmo com que a crítica recebeu o filme. Meu nome não é Johnny soa como uma resposta a Tropa de Elite[bb], mas não está à sua altura, nem tecnicamente nem no campo dos argumentos.

Tecnicamente, Meu nome não é Johnny é bem executado. Tem ritmo e humor. Selton Mello faz um bom trabalho, simples e sem esforço, já que seu tipo preferido é o bom moço. Cléo Pires já esteve melhor, mas não compromete. O filme não cansa, mas também não impressiona, não marca.

Já no que tange aos argumentos, a discussão é longa.

Que Tropa de Elite incomodou muita gente, não é novidade. A polícia militar ficou ofendidinha e chegou a chamar o diretor José Padilha a depor. A mídia não soube lidar com o estrondoso sucesso do filme. Mesmo Padilha e o protagonista Wagner Moura titubearam em entrevistas e declarações, batendo na tecla “só narramos os fatos, sem juízo de valor”. Por que tanta gente hesitou em fazer juízo de valor sobre Tropa de Elite? Ora, porque o filme responsabiliza claramente o usuário de drogas pelo estado de guerra civil no Rio de Janeiro e, claro, todo mundo conhece usuários de drogas. O meio artístico está cheio deles. As classes A e B consomem muito e pagam caro. Essas mesmas classes fazem passeatas hipócritas pela paz. Tropa de Elite foi um tapa na cara dessa gente.

Aí, poucos meses depois, vem Meu nome não é Johnny e passa a mão na cabeça da elite consumidora de cocaína (e maconha, claro, mas o “barato” do filme é a coca). A todos justifica, a todos desculpa, a todos perdoa. Meu nome não é Johnny se contrapõe a Tropa de Elite, fazendo a defesa de traficantes e usuários.

No filme, João Estrella é retratado como um bom moço, a começar da escolha do ator que o interpretou. Estrella é simpático, generoso, festeiro, gentil, bem-quisto, carismático. Quando a casa cai, assume sozinho toda a culpa, protegendo os amigos que o ajudavam no tráfico. Na cadeia, defende os mais fracos, torna-se uma espécie de líder do bem. Praticamente um herói.

Agora, veja a coisa sob outro ângulo.

Estrella era um típico playboy com dinheiro demais e freios de menos.Viciou-se em cocaína e passou a vender aos amigos para sustentar suas próprias compras. Com o tempo, passou a abastecer toda a classe média e alta do Rio sedenta por “viagens”, mas covarde demais para subir o morro. Tinha uma lábia incrível. Tornou-se o maior traficante da cidade. Iniciou uma rota de tráfico para a Europa. Ganhou os tubos. Gastou tudo. Subornou policiais corruptos. Jogou com o sistema.

Tinha comparsas, mas assumiu sozinho o crime, perante a Justiça, para descaracterizar o art. 14 da antiga Lei de Entorpecentes e, assim, escapar da pena por formação de quadrilha. Viveu muito bem e muito consciente até quando interessou. Gozou do dinheiro, do poder, da liberdade, da aventura. Depois de capturado, alegou capacidade reduzida para escapar da pena de prisão.

Tinha uma namorada cúmplice, que curtiu cada centavo obtido com as drogas (e, claro, deu-lhe um pé na bunda assim que foi preso). Tinha uma mãe que dizia não saber de nada, mas não fazia perguntas ao ganhar um colar de brilhantes do filho que não tinha curso superior ou profissão.

Sustentou sua defesa em dois pilares: incapacidade de compreender seus atos (como se fosse tão difícil assim saber que a venda de drogas é crime) e falta de profissionalismo. Afirmou que, se fosse traficante, teria patrimônio, carro novo, imóveis. Como se a má gestão dos seus “negócios” diminuísse, de alguma forma, os seus crimes.

Pegou pela frente uma juíza, provavelmente vinda da classe média ou alta, sensível às suas súplicas. Ganhou uma medida de segurança, pena muito mais branda que a prisão, por reles dois anos. Pergunto-me se a juíza teria sido tão compreensiva se João fosse negro e favelado, se ela não identificasse sua realidade com a ele.

Ninguém, no filme, tem problemas por consumir drogas. João cheirava 100 gramas por semana, mas não tem síndrome de abstinência. Ninguém emagrece terrivelmente, ninguém perde a família, furta, rouba ou mata para cheirar. Ninguém sobe o morro. Ninguém troca tiros. Ninguém perde nada (exceto, talvez o personagem do psicólogo). A cocaína propicia diversão e dinheiro, sem exigir nada em troca.

Estrella se recuperou. Bom para ele. Alguém se perguntou quantas vidas ele arruinou facilitando o consumo de cocaína? Quantas famílias ele destruiu? Quantos traficantes mataram e morreram no morro para que a droga chegasse ao asfalto? Quantos policiais foram feridos no combate ao tráfico? Alguém se perguntou sobre a dimensão do prejuízo social causado pelos atos de João Estrella?

Esse cara, esse produtor musical que alguns tomam como modelo para dizer “ei, a realidade não é tão ruim quanto Tropa de Elite mostrou”, esse cidadão recuperado encontra justificativa para o tráfico e dá-lhe um lugar no ordenamento social:

Na minha opinião, se tirarmos as drogas de circulação, teremos um exército de desassistidos armados até os dentes, precisando de dinheiro. Se olharmos por um outro ângulo, podemos dizer que esses jovens ajudam a cidade a ficar mais calma, uma vez que geram receita para o crime , diminuindo, assim, as ondas de seqüestros e assaltos a bancos e evitando confrontos em áreas urbanas.

Não, esse trecho não está no filme, mas no Blog do João Estrella, mas precisamente no texto em que critica Tropa de Elite. Esse texto foi publicado numa revista. Johnny também falou algo semelhante no programa da Marília Gabriela na GNT e, pasme, nem ela nem Selton Mello, entrevistado junto com Estrella, retrucaram. Acharam, pelo contrário, brilhante o argumento.

Tem algo muito errado numa mídia e numa sociedade que conseguem justificar a guerra civil causada pelo tráfico.

Meu nome não é Johnny não faz apologia do tráfico e do consumo das drogas. Não diz, com todas as letras, “use drogas e seja feliz, venda drogas e seja rico”. No entanto, ao apresentar um universo tão sedutor, em que, apesar dos pesares, todos vivem felizes para sempre, atenua a realidade e romanceia o crime. Brasileiro, aliás, adora aliviar a barra de tudo, amenizar problemas, contemporizar. É nossa maior qualidade e, paradoxalmente, nosso maior defeito. Essa tolerância, esse olhar de “coitado, ele não fez por mal”, esse paternalismo nos faz aceitar tudo, até condutas criminosas.

Concordo com quem afirma que o Capitão Nascimento não serve de modelo para ninguém e não creio que Tropa de Elite tivesse essa proposta. João Estrella também não é exemplo e acho estranho que a mídia o considere como tal. Estrella é um perdedor. Recuperado, mas ainda assim perdedor.

Pessoalmente, entre a truculência honesta do Capitão Nascimento e a malandragem bandida do João Estrella, fico com o primeiro.

Cotação: 2 estrelas

Serviço

Mais Estranho que a Ficção

Ficha Técnica

Stranger than Fiction. EUA, 2006. Comédia. 113 minutos. Direção: Marc Forster. Com Will Ferrell, Tony Hale, Maggie Gyllenhaal, Emma Thompson, Queen Latifah, Dustin Hoffman.

Certa manhã, Harold Crick (Will Ferrell), um funcionário da Receita Federal, passa a ouvir seus pensamentos como se fossem narrados por uma voz feminina (de Emma Thompson). A voz narra não apenas suas idéias, mas também seus sentimentos e atos com grande precisão. Apenas Harold consegue ouvir esta voz, o que o faz ficar agoniado. Esta sensação aumenta ainda mais quando descobre pela voz que está prestes a morrer, o que o faz desesperadamente tentar descobrir quem está falando em sua cabeça e como impedir sua própria morte.

Mais informações: Adoro Cinema.

Comentários

2,5 estrelas

Filme do mesmo diretor de Em Busca da Terra do Nunca, excelente produção de 2004. Infelizmente, Mais Estranho que a Ficção não manteve a excelência, apesar de seu elenco de estrelas. Emma Thompson – sem maquiagem e perfeita no papel de escritora atormentada – e Dustin Hoffman – um tanto sub-aproveitado – não são suficientes para conferir dinamismo a um roteiro pretensioso, que não entrega o que promete.

A idéia que impulsiona a história – a discussão sobre o ato de escrever um romance, numa espécie de metalinguagem – sequer é original. Tema semelhante (especificamente, o processo de escrever um roteiro para cinema) foi explorado em Adaptação, do fantástico Charlie Kaufman. Mais Estranho que a Ficção também incorpora um pouco de O Show de Truman (sensação de perda do controle sobre a própria vida) e de Quero ser John Malkovich (tem gente na minha cabeça!),outro filme imperdível de Kaufman. Não é à toa que, como me disse um amigo, tem gente definindo o filme como “um Kaufman para quem não entende Kaufman”.

Só que é simples assim: se você quer ver surrealismo com tensão bem colocada e generosas doses de humor negro – drama e comédia ao mesmo tempo e na medida certa -, não aceite imitações: só Kaufman é original.

Em Mais Estranho que a Ficção, falta, além de criatividade, ritmo. O filme é tão irremediavelmente lento que nem mesmo a vivaz personagem de Maggie Gyllenhaal consegue animá-lo, embora a ela sejam devidos bons momentos poéticos.

A história ainda poderia ser salva por um desfecho incomum, mas nem no último momento o filme se recupera. O espectador é levado a ansiar pelo final perfeito, apenas para ver-se frustrado.

Um dos diálogos finais vem sob medida para definir o filme:

– It’s ok.
– But not great?
– No; it’s ok.

Esse trecho, dito no contexto do filme e referindo-se ao seu elemento principal, ao lado da cena em que Harold afirma ter gostado especialmente de uma determinada parte da história – que é, de fato, uma das melhores -, são as grandes piadas do filme sobre si próprio. Essa brincadeira seria interessante, se fosse honesta. Não é o caso aqui. Mais Estranho que a Ficção, longe de ser um roteiro que confortavelmente ri de si mesmo, propõe-se a ser uma história cult, “cabeça”, inteligente. Se não tivesse tantas aspirações, seria divertido. Como as tem, é apenas medíocre.