Cartagena das Índias

Fui a Cartagena em junho de 2016, numa viagem combinada com Bogotá. Cartagena é quinta maior cidade da Colômbia, mas nem parece, já que os turistas ficam “confinados” à região da cidade amuralhada – e isso não é ruim. A cidade é mais famosa por suas praias – e isso, sim, é ruim. As praias de Cartagena não são grande coisa e nem parece que você está no Caribe. O Nordeste brasileiro tem dezenas de praias infinitamente mais bonitas. Isso me decepcionou um pouco, mas encontrei outros atrativos na cidade e, de modo geral, recomendo a visita.

O que vale mesmo a pena em Cartagena são a arquitetura peculiar e a história da cidade, que foi sede do governo espanhol nas Américas durante o período colonial. Em 1984, o centro histórico (também chamado de cidade antiga ou cidade amuralhada/fortificada/murada) foi declarado patrimônio mundial pela Unesco.

Anoitecer em Cartagena.
Ruas charmosas e balcões floridos compõem Cartagena.

No frigir dos ovos, Cartagena me lembrou demais Salvador, com suas qualidades e defeitos.

Vamos aos detalhes.

Hospedagem

Não queria pagar o preço que os hotéis da cidade amuralhada cobram, então fiquei a uns dez minutos de caminhada, no bairro de Getsemaní. Acabou sendo uma ótima escolha para evitar o barulho da parte mais turística da cidade.

Fiquei no Zana, supostamente um hotel “boutique”. Na prática, era pouco mais que uma pousada e decepcionou. O quarto era minúsculo (para duas pessoas seria claustrofóbico, já que sequer tinha janela), a anunciada piscina é pouco mais que uma banheira grande e o chuveiro estava queimado, permanecendo assim todos os dias em que lá estive. O conserto estava marcado para dois dias depois da minha partida. Tudo bem que Cartagena é muito quente, mas mesmo assim não acho nada agradável tomar banho gelado logo ao acordar.

Por outro lado, o café da manhã era gostoso (servido em porções individuais, como costuma ser na América do Sul, não ao estilo continental) e a dona do hotel era muito prestativa, dando várias informações e reservando um táxi para a minha partida, no meio da madrugada (Só não foi prestativa para consertar o chuveiro, né.) O ar condicionado do quarto era excelente e a cama era ótima. Roupas de cama muito boas (mas toalhas muito ruins).

Café da manhã no Zana Hotel. (com fisális!) Café da manhã no Zana Hotel.

Tecnicamente, pode-se dizer (e o hotel diz) que Getsemaní está dentro da cidade amuralhada, porque há duas muralhas: uma interna (contramuralha), que a cidade antiga e a região turística por excelência, e outra externa, da qual sobram apenas poucos trechos. Getsemaní está entre as duas. É um bairro considerado boêmio, embora apenas algumas ruas o sejam (eu estava nessa área). O bairro é grande e a maioria dele é suja, pobre e pouco amigável. Getsemaní era a região onde viviam os pobres e miseráveis na era colonial, enquanto na cidade antiga vivia a elite.

Arte de rua no bairro Getsemaní.
Arte de rua no bairro Getsemaní.

Dito tudo isso, eu ficaria lá de novo, com as expectativas devidamente reduzidas. O Zana estava em reforma exatamente durante a minha estada, então talvez tenha melhorado. Ah, quase me esqueço: peça um quarto nos fundos se quiser mais silêncio.

Portal de las Reinas
Numa calçada na cidade antiga, as fotos das Misses Colômbia.

Onde comer

A gastronomia de Cartagena é para todos os gostos e todos os bolsos. O atendimento é sofrível na maioria dos lugares (eis uma das razões pelas quais a cidade me lembrou Salvador), mas há honrosas exceções.

Logo na primeira caminhada, descobri o Stefano’s Bistrô (Calle 31, em frente ao Parque Centenario que, por sua vez, fica em frente à Torre del Reloj, marco da entrada para a cidade antiga). Um achado! Preço justo, atendimento impecável, comida excelente, wifi e, maravilha das maravilhas, ar condicionado no talo. Comi camarões excelentes com arroz de coco e patacones. Patacones são plátanos (um tipo de banana comum por lá, muito semelhante à banana-da-terra, próprio para fritar) fritos e arroz de coco é… arroz feito com coco. É típico de Cartagena e uma das formas mais deliciosas de comer arroz. Em outra visita, comi tres leches, sobremesa típica dos nossos hermanos sulamericanos (não é exclusividade da Colômbia). Estava ótimo. O café preto, excelente.

Camarões, arroz de coco, patacones e guacamole, Stefano's Bistrô. Stefano's Bistrô

Um lugar badaladinho por lá é a Casa de la Cerveza, sobre a muralha externa. O espaço é enorme e quase todo ao ar livre. A brisa ajuda a aliviar o calor. As cervejas (na verdade, chopes) são muito boas, mas peça o copo pequeno pra não esquentar. A comida é razoável, o preço é caro e o atendimento é passável. Lugar bacana para encerrar o dia com petiscos e bebidas, mas não para jantar.

Casa de la Cerveza, sobre a muralha externa.
A Cartagena contemporânea ao fundo.

Outra dica fora da cidade antiga é a Laguna Azul, na entrada do Centro Comercial Getsemaní. O lugar é pouco mais que um boteco e a má vontade com turistas é flagrante (acabei ajudando uns holandeses que não falavam espanhol e eram solenemente ignorados). As mesmas pessoas que preparam a comida atendem as (poucas) mesas. O lugar tem horários de funcionamento aleatórios. Dito tudo isso, serve o melhor ceviche que já comi na vida, e por um preço excelente. Não é um lugar turístico (o que explica a má vontade), foi uma dica da dona da pousada e olha, que dica! Comi lá três ou quatro vezes. Dica: o boteco não tem banheiro, mas dentro do centro comercial há banheiros muito limpos (paga-se 700 pesos colombianos, uns 80 centavos de real).

Ceviche no Laguna Azul.
Ceviche no Laguna Azul.

A maioria dos bons restaurantes está dentro da cidade antiga.

Na cidade amuralhada, recomendo o El Baron Café, com chopes da BBC, excelente cervejaria artesanal colombiana. Comi uma entrada de champignon com crisp de presunto que não estava boa. O atendimento é bacana e o preço é puxado, mas vale pelo lugar muito agradável (tem wifi).

Falando em cervejas, por lá se vende uma chamada Club Colômbia, bem melhor que as brahmas daqui. A roja (vermelha) é bastante amarga, a rubia (loira) é mais leve (e a rubia long neck é mais leve que a mesma cerveja em lata).

Provavelmente o lugar que mais visitei em Cartagena foi a Gelateria Tramonti, com sorvetes artesanais (há outras sorveterias ditas artesanais pela cidade, mas essa é a única que recomendo). Preço justo por um sorvete de qualidade e matador no calor eterno da cidade. Todos os sabores são ótimos, mas recomendo especialmente o de breva (figo) por ser inusitado.

Há uma franquia da Crepes & Waffles (rede  de fast food onipresente em Bogotá) na cidade antiga. Opção para um lanche rápido e barato. Sem wifi.

Finalmente, o restaurante caro da vez. Em toda viagem tento fazer ao menos uma refeição mais elaborada, e o escolhido da vez foi o restaurante El Santísimo. Optei por um “pacote” de 145.000 pesos colombianos (algo em torno de 150 reais) que inclui entrada, prato principal e sobremesa, além de duas horas de bebidas. Nem todas as bebidas do cardápio estão disponíveis nesse menu especial, mas havia um bom Álamo Chardonnay, que foi a minha escolha. A entrada foi um carpaccio de polvo, o plato fuerte foi Salmon Vikingo (salmão assado com molho de mostarda, cebola caramelizada, aspargos e batatas rústicas) e a sobremesa foi La Lujuria (todas têm nomes de pecados capitais), um crepe de café com sorvete de creme e licor de menta. Tudo delicioso. O menu ainda incluiu água à vontade, café (excelente, como se espera na Colômbia) e licor (Bailey’s com gelo foi minha escolha). O restaurante é grande, com um visual elegante (não chega a ser sofisticado), e o atendimento foi primoroso, levando-me até a tomar mais vinho que o planejado. Recomendo muitíssimo.

Salmon Vikingo, Restaurante El Santísimo. Restaurante El Santísimo.

Não recomendo:

  • o badalado Café del Mar – caro e com atendimento sofrível, o que caiu muito bem, porque me levantei e fui embora. Fica sobre a muralha e é o “point” para assistir ao belo pôr-do-sol da cidade. Assista ao pôr-do-sol por ali, aproveite a música que o bar coloca para completar o momento, e vá embora.
  • La Cocina de Pepita, no Getsemaní. Super famoso, barato, comida supostamente boa, mas sempre lotado. Fiquei 20 minutos esperando mesa, vagaram duas ao mesmo tempo e o garçom queria me colocar numa minúscula, quase na porta e que estava vaga desde o início (fui embora, claro).

Queria ter ido ao Mar de las Antillas, no Getsemaní, que me foi muito bem recomendado, mas não tinha mesas disponíveis na área climatizada e não quis esperar.

Pôr-do-sol sobre a muralha externa, ao lado do Café del Mar.
Pôr-do-sol sobre a muralha externa, ao lado do Café del Mar.

Meios de transporte

A área turística é pequena e faz-se tudo a pé. Não vale a pena alugar carro ou andar de táxi pela cidade antiga – as ruas são apertadas e os pedestres têm preferência. Usei táxi apenas do aeroporto pro hotel e do hotel pro aeroporto.

Torre del Reloj. Bastante iluminada nesse dia por causa de um show na frente dela.
Torre del Reloj, a entrada para a cidade antiga. Mais iluminada que o normal nesse dia por causa de um evento.

Ao chegar no aeroporto de Cartagena, dirija-se ao guichê e diga para onde quer ir. Você saberá quanto terá que pagar ao taxista. Tenha dinheiro trocado, ou ele dirá que não tem troco e a corrida ficará um pouco mais cara.

Do aeroporto ao Getsemaní paguei 13.000 pesos colombianos; dará mais ou menos o mesmo até a cidade antiga. Na volta, foram 15.000, o que se justifica porque eram quatro da manhã. A dona do hotel contratou o táxi antecipadamente para que eu não corresse o risco de não encontrar nenhum.

Quanto tempo ficar

Quatro noites são suficientes. Eu fiquei seis e foi tempo demais, especialmente porque não curto praia.

Cartagena à noite.
Cartagena à noite.

O que fazer

Meus dias em Cartagena se passaram entre museus e caminhadas pela cidade antiga. É muito fácil perder-se e achar-se pelas ruas estreitas, e muito gostoso caminhar a esmo, admirando a arquitetura. Como o calor é intenso, deixava essas caminhadas para o fim da tarde (a noite é agitadíssima por lá e as lojas ficam abertas até pelo menos dez da noite – a maioria vai além desse horário).

Claustro de la Merced. O busto guarda as cinzas de Gabriel García Marquez desde maio de 2016.
Claustro de la Merced. O busto guarda as cinzas de Gabriel García Marquez desde maio de 2016.

Além disso, há as praias, claro, mas, como eu disse lá em cima, me decepcionaram.

Lá vai a lista de passeios que fiz.

Free Walking Tour

Busco free walking tours em toda cidade pra onde viajo desde que os descobri. Nada mais são que um passeio a pé (que varia entre uma hora e meia a três horas, dependendo da cidade) com um guia local e “gratuito” – o pagamento pelo trabalho fica a critério do turista. É aceitável qualquer coisa entre 5 e 10 dólares (independentemente da moeda local). Caminhar é a melhor forma de conhecer qualquer cidade, e com um guia local a experiência é muito rica.

Ricardo Carmona.
Uma das várias esculturas de Ricardo Carmona.

O passeio pela cidade antiga dura quase duas horas, durante as quais aprende-se sobre a formação da cidade que veio a se tornar o maior entreposto de escravos das Américas. Sendo uma cidade riquíssima, atraiu inúmeros piratas franceses e ingleses, e para afastá-los foram construídas a muralha externa e a interna (contramuralha). Depois da construção das muralhas, os ataques passaram a ser em mar aberto, a fim de tentar capturar os navios que transportavam pedras preciosas, ouro e escravos. Há inúmeros naufrágios na região, com destaque para o Galeão San José, afundado em 1708, hoje um sítio arqueológico e patrimonial. Estima-se que esse galeão abriga um tesouro de milhões e milhões de dólares.

O guia falou sobre as aldravas que adornam as portas das construções na cidade antiga, cada decoração simbolizando uma determinada elite (religiosa, militar, marinha mercante). Também contou sobre a Índia Catalina, que aprendeu os costumes espanhóis e tornou-se uma espécie de “pocahontas” e falou de Pedro Claver, jesuíta, o único religioso que cuidava dos negros feridos, canonizado por Leão XIII. Contou, ainda, dos autos de fé da época da Inquisição, e deu uma miríade de outras informações.

Botero na cidade antiga.
Botero na cidade antiga.

O site com horários e ponto de encontro é freetourcartagena.com.co. Recomendo e, se possível, faça logo no primeiro dia, para aprender logo a se localizar na cidade antiga.

Praia

Cartagena é uma cidade portuária, logo as praias ao redor da cidade são feias. É necessário afastar-se um pouco para chegar a praias razoáveis. Digo “razoáveis” porque, como deixei claro no início, elas são bem fraquinhas.

O passeio mais comum – e barato – é para Playa Blanca, uma praia pública à qual se chega de barco (45.000 pesos) ou ônibus (30.000 pesos). Problema: vendedores ambulantes assediam os turistas o tempo todo, é impossível ter um minuto de paz.

Sabendo disso, descartei o passeio e optei pela Isla del Ecanto, uma das praias privadas. Chega-se de lancha rápida e a viagem dura uma hora. Dica: vá na frente para se molhar menos e evitar o barulho do motor (mas na frente há mais impacto quando se chega ao mar aberto).

A Isla del Encanto é de propriedade de um hotel. Os turistas de Cartagena ficam com a “praia dos fundos”. A areia é branca e a água é uma delícia, quentinha, mas há pouco espaço para nadar, demarcado por bóias para evitar acidentes com embarcações. O passeio inclui um almoço simples, mas gostoso (pontos extras para o arroz de coco). O bar vende drinks ótimos a 22.000 pesos (mais 8% de impostos e 10% de serviço), o lugar em que vi drinks mais baratos na Colômbia. Os visitantes podem contar com camas deliciosas para espreguiçar em frente ao mar. Podem pagar por serviços de spa e mergulho com cilindro. Importante: cartões não são aceitos! Leve dinheiro (pesos colombianos – dólares também não são aceitos).

Isla del Encanto
Camas para relaxar com um bom mojito por perto.

A saída para Isla del Encanto é às nove da manhã e o retorno é às três da tarde. Os passeios saem do muelle (pier) à direita da Torre del Reloj (uns dez minutos de caminhada). É bom comprar com antecedência. Todos os passeios são vendidos em lojinhas no muelle e o preço entre uma e outra não varia muito.

Museus

Museo Histórico: pequeno, mas interessante. Foca na história da Inquisição em Cartagena, que não foi bolinho. Nos vários autos de fé ali realizados, ninguém foi absolvido e cinco foram condenados à morte por fogo. Na entrada do museu, oferecem-se áudio-guia e pessoa-guia, ambos desnecessários. Não lembro o valor do ingresso, mas foi barato.

Museo Naval del Caribe: museologia antiquada, com muito texto e poucos dioramas interessantes. Não guarda peças antigas. Seria bem sem graça, se não fosse por ter uma réplica de submarino no andar de cima, com luzes, sons, painéis, cadeiras, tudo em escala! Fiquei como criança lá dentro. Vale a visita pelo submarino. Ingresso: 8.000 pesos.

Submarino do Museu Naval do Caribe.
Réplica de submarino no Museu Naval do Caribe.

Museo de Arte Moderno: caro pelo pouco que oferece (8.000 pesos), mas eu tinha tempo e havia uma exposição bacana com desenhos que ilustravam passagens de Cem Anos de Solidão. Também havia obras bonitas de artistas colombianos, com destaque para as de Cecilia Porras e Enrique Grao.

Castillo de San Felipe de Barajas: nesse vale a pena contratar um guia, porque não há explicações escritas e alguns lugares só podem ser visitados com guia, particularmente os túneis onde dormiam os guardas do forte. Um desses túneis tem 120 metros de comprimento e 27 metros de profundidade. É muito bacana entrar nos túneis, mas nada recomendado a quem tenha claustrofobia. O castillo fica na muralha externa e tem sete baterias, cada qual construída numa época. A entrada é 25.000 pesos e a companhia do guia custa 10.000 pesos. É um passeio caro, mas achei que valeu a pena.

Castillo de San Felipe de Barajas
Castillo de San Felipe de Barajas.

Dicas Finais

Sendo uma cidade muito turística, Cartagena é obviamente mais cara que Bogotá, e o câmbio é pior. Se puder, troque seus dólares (não reais, nunca reais, que têm uma cotação muito ruim) em Bogotá, que até no aeroporto terá cotação melhor que em Cartagena. Quando fui, o câmbio no aeroporto de Bogotá era 1 dólar por 2.810 pesos. Em Cartagena, 1 por 2.800. Em Bogotá, oscilava entre 2.830 e 2.870.

Os preços nos cardápios dos restaurantes não incluem 8% de impostos. A taxa de serviço recomendada é de 10%.

Não sei se uber e outros aplicativos funcionam em Cartagena porque andei a pé o tempo todo. Em Bogotá, uber era proibido em 2016 e o motorista flagrado tinha o carro guinchado.

Artesanato é mais barato em Bogotá que em Cartagena (mas a diferença não é tão grande). Exceto as esmeraldas. Há uma infinidade de lojas que vendem brincos, colares, anéis etc. com esmeraldas, por um leque de preços igualmente infinitos. Comprei um par de brincos numa loja chamada Arteralda, que não tem cara de joalheria, tem preços bacanas e oferece certificado de autenticidade. Endereço: #32-12 Local 3. E sim, os endereços são bizarros na Colômbia, mas você pega logo o jeito. Basicamente, a lojinha fica entre os números 12 e 32 da Rua 3.

Fim de tarde em Cartagena.
Fim de tarde em Cartagena.

Flores para os Refugiados

Semana passada, ouvi na CBN a história de Kety e Gabriela. Mãe e filha passaram 45 dias na Grécia, ajudando na recepção dos refugiados que chegam às centenas todos os dias à ilha de Lesbos. Ambas voltaram ao Brasil, mas Gabriela, com apenas 16 anos, decidiu retornar à Grécia e continuar o trabalho como voluntária. Para possibilitar a viagem e a manutenção da filha, Kety abandonou seu trabalho como jornalista e começou a fazer e vender arranjos de flores. Nasceu aí o projeto Flores para os Refugiados.

Flores para os Refugiados

Ontem, na feira de arte e artesanato de refugiados que aconteceu no Shopping Center 3 tive o prazer de conhecer Kety e sua irmã, Karim. A mãe delas, avó de Gabriela, também ajuda no projeto. A decisão da menina mudou a vida da família e está tornado menos pesada as vidas de crianças, jovens, homens e mulheres que chegam à Grécia na esperança de sobreviver.

A guerra na Síria acaba de completar seis anos e tem como resultado uma das maiores crises humanitárias já vistas. Mais de quatro milhões de sírios são refugiados e outros seis milhões são deslocados internos, gente que teve que abandonar seus lares e buscar abrigo em casas de parentes ou nos campos que bordeiam a fronteira com a Turquia. Somados, correspondem a metade da população da Síria.

A Grécia é a porta de entrada para os refugiados que chegam por mar. Centenas de voluntários estrangeiros atuam na recepção dessas pessoas. Organismos internacionais também estão presentes.

A venda dos arranjos permite que Gabriela continue a ajudar os refugiados. 40% do preço cobre os custos de produção, e o restante mantém Gabriela. O arranjo da foto custou 30 reais. Há também a venda de flores por quilo. Você pode acompanhar a página Flores para os refugiados no facebook para saber onde comprá-las e pra conhecer melhor o projeto.

Um Ano Sem Comprar – Versão 2.0

Em 2010, percebi que tinha coisas demais. Coisas que nem em dez anos conseguiria usar ou aproveitar – até porque depois de dez anos é comum que a gente sequer goste das mesmas coisas, sejam elas roupas, música, livros ou maquiagem. Na época eu ainda não sabia, mas essa foi a porta de entrada para o minimalismo na minha vida.

Em 2012, decidi fazer um ano sem compras. Foi um grande aprendizado. Revendo o post, sorri por ter escrito que ficar um ano sem comprar revistas seria difícil – realmente foi, mas também serviu para quebrar um hábito de consumo que, a bem da verdade, não me acrescentava grande coisa. A última revista que comprei foi em setembro de 2015 e nem achei tão legal. O Ano Sem Compras me ajudou também a diminuir a pilha de livros não lidos, a pilha de roupas sem uso e a compra quase compulsiva de produtos de maquiagem.

Também em 2012, descobri que ainda tinha 195 peças de roupa (provavelmente tinha umas 300 em 2010), o que me lançou em um novo desafio, o Project 333: usar trinta e três peças de roupa, calçados e acessórios durante três meses, tirando as outras do armário. Adaptei o projeto e os trinta e três itens eram todos roupas – não incluí acessórios e calçados. Segui o Project 333 por mais de quatro anos. Foi uma experiência riquíssima. Algumas coisas que aprendi:

  • ninguém percebe quando você repete roupa (ou, se percebe, não enche o saco);
  • não vale a pena ter montes de roupas nas quais você não se sente bem;
  • trinta e três peças por estação (lembrando que, no Brasil, temos no máximo duas) são suficientes.

Na verdade, depois de uns quatro ou cinco ciclos, passei a usar menos de 33 peças a cada 3 meses. Quando selecionava as roupas para o próximo período, parava em 25 ou 26, o que me dava margem para comprar uma peça ou outra, ou para buscar entre as minhas próprias roupas engavetadas algo que fizesse falta.

Era comum que, no fim de um ciclo, sobrassem algumas peças sem uso, o que claramente indicava que eu não tinha o menor interesse nelas (afinal, mesmo com poucas opções no armário, não me dava ao trabalho de usá-las). Às vezes eu conseguia desapegar, às vezes acabava guardando para tentar usar em um ciclo futuro. E havia uma peça ou outra que entrava em rigorosamente todas as minhas seleções – minhas verdadeiras favoritas.

Em 2015, precisei renovar o armário em função da mudança de carreira, que também foi acompanhada por mudança de cidade. Durante todo o ano de 2016, segui mais ou menos o Project 333, só que várias peças. Nem tocava na maior parte do meu guarda-roupa antigo que, aliás, estava em outra cidade. No segundo semestre, embora minhas roupas já estivessem comigo, mal as usei.

Eis o problema: estava fazendo (mais ou menos) o Project 333, mas havia pilhas de roupas que eu não usava há mais de um ano. Então, por que diabos as guardava?

Comecei a achar que tivesse voltado aos velhos hábitos consumistas e em dezembro de 2016 fiz uma contagem das minhas peças. Eis o resultado:

  • Camisas e camisetas: 61 (em 2012: 59)
  • Saias: 18 (em 2012: 23)
  • Vestidos: 20 (em 2012: 29)
  • Calças e bermudas: 10 (em 2012: 23)
  • Casacos, casaquetos, jaquetas e blazers: 27 (em 2012: 35)
  • Roupas de festa: 1 (em 2012: 5)
  • Roupas de dormir: 4 (em 2012: 6)
  • Roupas de ginástica: 15 (em 2012: 15)

Total: 156 peças. Excluindo-se as roupas de dormir e as de malhar (porque realmente uso todas), sobram 137 peças.

Ah, os calçados: 20 pares (em 2012: 24), sem contar os chinelos (dois pares).

Concluí que não, não voltei aos velhos hábitos. Refreei o consumismo. Tenho menos roupas que em 2012, e a maior parte das categorias sofreu uma redução (exceção para as roupas de ginástica, cujo número se manteve, e para as camisas e camisetas, que estão quase na mesma). Além disso, fica evidente que revi meu estilo e passei a focar no que realmente gosto e uso (odeio usar calça, então obviamente nunca precisei de 23; quase não vou a festas que exijam trajes “chiques”, então não preciso de 5 deles)

Ainda assim, persiste a questão: muito do que tenho não é usado há mais de um ano. Algumas coisas não são usadas há mais de dois anos. Andei comprando muita roupa, em vez de aproveitar as que já tinha.

Nada errado em comprar, especialmente levando-se em conta a mudança de carreira, de cidade, de vida. Não daria mesmo pra “congelar” o guarda-roupa.

Tudo errado, porém, em acumular tanta coisa sem uso.

Assim, o ano de 2017 começa com duas resoluções ligadas ao consumo:

  • Será um Ano Sem Compras.
  • Até dezembro, as 137 peças devem ser reduzidas a 100.

Pra isso, é fundamental interromper o Project 333. Preciso ver tudo que tenho para saber o que ainda vale a pena manter e o que merece ser doado. Então, esvaziei praticamente todas as gavetas (faltou cabide, por isso sobrou uma gaveta e há várias peças no chão do armário) e deixei quase tudo à vista:

Roupas em 2016 Roupas em 2016

Roupas em 2016 Roupas em 2016

Agora posso ver tudo que tenho. A primeira vantagem é que em duas semanas já separei umas dez peças para doação – coisas que tentei usar ao longo desses dias e não têm mais nada a ver comigo. Nesse ritmo, será muito fácil cumprir a segunda parte do desafio.

Quanto à primeira parte, criei algumas regras, não muito diferentes das que usei em 2010:

O que não posso comprar:

  • roupas
  • calçados
  • acessórios
  • cosméticos
  • livros (físicos ou digitais)
  • cds, dvds e revistas (a parte mais fácil, porque já não consumo essas coisas há anos)
  • eletrônicos (a não ser para reposição por quebra)
  • itens de decoração e utensílios domésticos
  • itens de papelaria

Exceções:

  • posso comprar roupas para temperaturas abaixo de zero (serão necessárias para uma viagem)
  • posso comprar roupas no exterior, se houver real vantagem financeira
  • posso comprar presentes
  • posso comprar experiências (viagens, passeios, ingressos para teatro etc.)
  • posso comprar itens consumíveis (comida, bebidas, material de higiene e limpeza)

Flexibilizei a regra das roupas, diferentemente do que fiz em 2012, porque ainda estou um tanto insegura com meu novo guarda-roupas e porque os desafios que me proponho devem ser fonte de crescimento, autoconhecimento e aprendizado, não de frustração e stress. Mesmo assim, ao fim do ano devo ter 37 peças a menos, não a mais. Cada compra deve levar isso em consideração.

Ao fim do ano, espero ter melhorado um pouco mais meus hábitos de consumo e, principalmente, espero ter um guarda-roupas com a minha cara, apenas com roupas que sejam frequentemente usadas, que me caiam bem e de que eu goste.

O que você acha disso tudo? Aproveitando o espírito do ano novo, você fez alguma resolução referente a hábitos de consumo?

Cidade do México (CDMX)

A Cidade do México (CDMX) é uma megalópole com cerca de 25 milhões de pessoas (São Paulo, pra você ter uma ideia, tem cerca de 15 milhões) e todas elas usarão o metrô na mesma hora que você. Vale a pena passar alguns dias na cidade, mas não muitos.

Veja todos os posts sobre a viagem ao México.

Hospedagem: fiquei na Zona Rosa e recomendo o lugar. Escolha uma hospedagem próxima de uma estação de metrô (linha 1 – rosa). Eu estava próxima à estação Sevilha. Também estava perto (cerca de 600 metros) do Bosque de Chapultepec, o que foi ótimo. A hospedagem em si era bem ruim, por isso não vou mencioná-la.

Onde comer: a Zona Rosa é famosa pelos restaurantes, mas pouco aproveitei. Comi duas vezes na Maison Kayser, especializada em cozinha francesa – e lá provei o muito mexicano pan de muerto, uma delícia que só é feita na época do Día de Muertos – e jantei uma vez no restaurante El Bajio, dentro de um shopping (Paseo de la Reforma, 222), que proporcionou o melhor atendimento da CDMX e um chicharrón (pururuca) de lamber os beiços, além de finalmente ter provado mezcal, destilado de agave que se serve com laranja e sal de gusano (gusano é aquele verme que você vê dentro de algumas garrafas de tequila e eu só descobri isso depois, felizmente).

Pan de Muerto com recheio de nata. Tacos, chincharón, guacamole e michelada.

Meios de transporte: o trânsito é caótico, travado, um inferno. As cores dos semáforos são meras sugestões, ignoradas pela maioria. A forma mais rápida de locomoção é via metrô – que é sujo, lotado e vai te fazer caminhar um tanto entre a estação e onde quer que você queira ir. O lado bom é que é barato – o bilhete custa 5 pesos, ou 1 real. Dizem que os taxistas são picaretas, recusam-se a ligar o taxímetro e, quando ligam, fazem o pior caminho possível (what else is new?). O uber é legalizado na CDMX e usei umas três ou quatro vezes. Easy Taxi também funciona, mas não usei. O único táxi que tomei foi do aeroporto à hospedagem, que é pré-pago (225 pesos, para a Zona Rosa).

Quanto tempo ficar: três dias são suficientes. Eu fiquei quatro (cheguei na tarde do dia 28/10 e fui embora na manhã de 01/11) e foi tempo demais. Adorei os passeios que fiz, mas não gostei do caos da cidade e não via a hora de ir embora.

Passeios imperdíveis:

  • Estación México: pulqueria/luta livre (500 pesos), free walking tours e visita a Teutihuacán (400 pesos) – recomendo todos os passeios.
  • Museo Nacional de Antropología
  • Teutihuacán: já falei no primeiro item, mas não quero que você passe batido; tente ir numa segunda-feira, dia em que todos os museus da CDMX estarão fechados e você não terá o que fazer na cidade.

Se tiver um dia a mais:

O que faltou: queria ter conhecido o Palacio de Bellas Artes por dentro e queria ter visto uma apresentação do Ballet Folklórico de México que, aliás, ocorre exatamente no Palácio de Belas Artes.

Quanto gastei:

  • hospedagem: 3.933 pesos (quatro noites)
  • transporte: 455 pesos
  • alimentação: 1.866 pesos
  • passeios: 1.155 pesos

Se você quiser ler os detalhes dos quatro dias pela CDMX, acomode-se e vá em frente.

Dia 1

Cheguei no começo da tarde, cochilei por uma hora e fui ao Bosque de Chapultepec. Recomendo que essa seja a sua primeira parada na CDMX. Primeiro, porque o bosque é lindo. Segundo, porque é nele que fica o Museu Nacional de Antropologia e, se você quer saber um pouco sobre as civilizações pré-hispânicas, esse museu é parada obrigatória. O famoso “calendário maia” (que não é um calendário e tampouco é maia) está lá e impressiona ao vivo. Há várias ruínas e templos reconstruídos e repintados para simular como teriam sido na época das grandes civilizações que viviam no México antes da chegada dos espanhóis.

Pedra do Sol (conhecida como "calendário asteca").
Pedra do Sol (conhecida como “calendário asteca”).

O Museu de Antropologia é enorme, eu estava cansada da viagem e depois de umas duas horas já não tinha muita paciência. Se tivesse, ficaria umas quatro horas por lá. Calcule no mínimo duas horas  para esse museu. A entrada custa 65 pesos.

À noite, fiz um passeio guiado para conhecer uma pulqueria e assistir a uma apresentação de luta livre. Esse foi o passeio mais divertido na CDMX.

O pulque é uma bebida fermentada feita de agave, a mesma planta que dá origem ao mezcal e à tequila (ambos destilados). É altamente perecível, por isso você não encontrará em nenhum outro lugar além das pulquerias, bares que fabricam e vendem seus pulques diariamente. Puro, é uma bebida branca, um pouco viscosa e ligeiramente azeda, com um cheiro que me lembrou vagamente a jaca (mas mais fraco). Ninguém o bebe puro, mas sim misturado, ganhando o nome de pulque curado. As misturas são as mais diversas possíveis e variam a cada dia. Quando fui, as opções eram frutas vermelhas, morango com leite (igualzinho a um iogurte) e, pasme, aipo, que ficou ligeiramente salgado e muito gostoso – era como beber salada (eu sei, soa esquisito, mas juro que estava gostoso).

Pulqueria.

O teor alcoólico do pulque é de uns 5%, fraquinho. As bebidas são substanciosas e com dois copos eu estava satisfeita a ponto de nem pensar em jantar. Os mexicanos dizem que um copo de pulque equivale a um bife em valor proteico, razão pela qual a bebida é servida inclusive a crianças, com alguma diluição (mas na pulqueria não entra menos de dezoito anos, e todos do grupo tiveram os passaportes conferidos). Na época das civilizações pré-hispânicas, o pulque era uma bebida da elite e tomado apenas em cerimônias religiosas.

De lá, fomos à luta livre. Acho que é de conhecimento geral que as lutas são armadas, são verdadeiros espetáculos coreografados. O que eu não sabia é que são um enorme evento no México! Fomos à Arena México, que comporta quinze mil pessoas (ou vinte mil – agora não tenho certeza) e estava lotada, em sua maioria por mexicanos (não é uma coisa armada para turistas). A guia nos explicou que até os anos 70 os lutadores eram os verdadeiros super-heróis das crianças mexicanas – nada de Capitão América, Super Homem ou Flash. Entram no ringue os Bons (que jogam limpo) e os Maus (que trapaceiam), cada grupo sempre no mesmo corner. As acrobacias são caprichadas e a vibração do público é tanta que você começa a torcer junto e se indigna quando o juiz dá a vitória aos Maus. Mas no fim os Bons sempre ganham (eu acho).

Luta Livre, Arena México.

Há lutadoras também, coisa que eu não sabia. E há uns rapidíssimos números de dança folclórica mexicana entre uma luta e outra. Sim, são várias lutas na mesma noite. O espetáculo começa às nove da noite e vai se desenvolvendo até chegar à luta principal, pouco antes das onze horas.

Não teria tanta graça ir à luta livre sozinha, e certamente eu não teria me metido só em uma pulqueria (sequer saberia da sua existência). Então, recomendo fortemente o passeio guiado que fiz, com a Estación Mexico e comprei o tour ainda no Brasil. Todos os outros passeios que fiz na CDMX foram com a mesma equipe.

Dia 2

Foi o dia de conhecer o metrô de CDMX – e de ficar um tanto traumatizada -, de andar pelo centro – mais traumático ainda – e de fazer dois free walking tours com a Estación México.

Sempre achei que a melhor forma de conhecer uma cidade é caminhando por ela. Meu primeiro free walking tour foi em Santiago do Chile (post em breve, espero) e desde então sempre busco esse tipo de passeio quando viajo. Gente do local traça um roteiro a pé a ser percorrido com os turistas, revelando um pouco da história e da cultura da cidade, em troca de gorjetas. Às vezes um valor é sugerido (no Chile, sugeriram 5 dólares), às vezes não (eu dei 50 pesos em CDMX e, pelo que reparei, as gorjetas variaram entre 50 e 100 pesos). Você pode não dar nada, mas acho sacanagem. Pra que ser tão muquirana?

tour pelo centro (ou zócalo) foi feito num sábado de manhã. O metrô e as ruas não estavam tão lotados, mas isso mudaria ao longo do dia. A guia disse que o nome “zócalo” significa “base” e a praça localizada no centro da cidade (oficialmente chamada de Plaza de la Constitución) ganhou esse apelido porque em 1843 o presidente Antonio López de Santa Anna lançou as bases para um monumento nunca concluído. A wikipédia confirma essa história, mas o lance é que toda praça central de cidade mexicana é conhecida como zócalo.

Antes dos espanhóis, a região do zócalo fazia parte da capital do império asteca. Inúmeras ruínas foram encontradas por lá, como também por toda a CDMX. No princípio do século XX, estabeleceu-se que toda terra em que se encontrasse uma ruína ou um artefato pré-hispânico passaria a ser propriedade do governo mexicano. Por isso, especula-se que muitos achados jamais foram entregues às autoridades, por medo das pessoas de perderem suas terras.

Outra curiosidade sobre o zócalo da CDMX é que originalmente a região era alagada. Aos poucos, as águas foram direcionadas a canais e, com o tempo, eles foram aterrados. Acontece que, devido às águas subterrâneas, a região está sujeita a forte movimentação, com efeito direto sobre as construções. O prédio da Sears em frente ao Palácio de Belas Artes deixa isso bem nítido – observe a fenda entre ele e o prédio vizinho.

A instabilidade do terreno afastou os prédios.
A instabilidade do terreno afastou os prédios.

Durante o passeio, a guia falou sobre Josefa Ortiz de Domingues, uma das raras personagens femininas da história do México. Trata-se de figura importante na conspiração que culminou na independência do México, conhecida por passar informações estratégicas dos espanhóis aos insurgentes.

A universidade mais importante do México está junto ao zócalo e tradicionalmente cada curso apresenta uma arte/oferenda, em forma de pirâmide, para celebrar o Día de Muertos. Também são feitos tapetes com serragem colorida, ao estilo dos que se fazem no Brasil em Corpus Christi.

Pirâmide/oferenda feita para celebrar o Día de Muertos.

No caminho, passamos pelo antigo Real Hospital del Divino Salvador para Mujeres Dementes. No fim das contas, nenhum tratamento médico era dado às mulheres confinadas – todas as perturbações eram atribuídas a demônios.

O prédio mais bonito do trajeto, por dentro, é o Palácio Postal, construído em 1901. Por fora, o edifício mais impressionante é o Palácio de Belas Artes – tome distância para ver também a sua abóbada dourada. Dizem que é lindo por dentro, mas acabei não conhecendo (há obras de Diego Rivera e de outros artistas expostas do Palácio).

Palácio Postal Palácio de Belas Artes

Junto ao Palácio de Belas Artes fica a Torre Latinoamericana, que possui um mirante (entrada paga) com uma bela vista da cidade – isso disse a guia, eu não subi porque os dias em que tive a oportunidade estavam nublados.

O passeio passa também pelo Convento de São Francisco, o maior de toda a América, posteriormente desmembrado em vários prédios. Na frente dele fica a Casa de los Azulejos, construída no estilo barroco mexicano. É na frente dessa casa que se encerra o passeio, depois de cerca de duas horas e meia.

Palácio dos Azulejos
Palácio dos Azulejos

Eu estava inscrita também para o free walking tour da tarde, que começava às três horas em Coyoacán, um bairro um tanto distante do centro. Assim, não tinha muito tempo para comer. Parei no Salón Corona e, vencida minha repugnância inicial, pedi um taco al pastor (que é feito de carne de porco e lembra bastante o famoso churrasco grego, comum no centro do Rio de Janeiro e origem da minha repulsa), acompanhado de uma michelada – cerveja com limão e sal (alguns lugares acrescentam molho inglês e pimenta – fica gostosa, juro). O taco estava bom, mas era pequeno; pedi uma quesadilla dorada para complementar (feita com a mesma tortilla do taco, mas tostada, ou “dourada”). Até tinha a intenção de comer mais, mas o lugar começou a encher, o atendimento ficou horrível e tive que ir embora praticamente correndo para Coyoacán.

…E o inferno estava do lado de fora.

Você viu o filme novo do James Bond? Eu não, mas sei que há uma cena que se passa durante um desfile pelo Día de Muertos na CDMX. Pois bem, esse desfile não existia, mas a Secretaría de Turismo do México percebeu a oportunidade para atrair turistas e em 2016 organizou, pela primeira vez, um desfile nos moldes do filme. A vida imita a arte, veja só.

Tudo muito bem, tudo muito bom, só que a CDMX em peso resolveu ir ao centro ver o tal desfile. Parece que foi mesmo um acontecimento. Pra mim, foi um suplício. Enquanto a multidão afluía ao centro, uma ou duas horas antes do desfile, eu tinha que ir na direção contrária até a estação de metrô mais próxima (obs.: as estações de metrô na CDMX nunca são próximas o bastante) em direção a Coyoacán. Se eu fosse o James Bond, teria sido fácil. Como não sou, foi uma luta.

Cheguei ao metrô não sei bem como. Milagrosamente, estava vazio no sentido que eu queria. Ah, que ilusão… depois que baldeei para a outra linha, o metrô entupiu de gente. Vale dizer que os mexicanos não entram no metrô, eles se jogam, passando por cima de quem já está dentro – inclusive de crianças. É uma coisa horrorosa.

Foi por um triz que não perdi o tour em Coyoacán – e que bom que não perdi, porque o bairro é lindo! Coyoacán é um dos bairros mais antigos da cidade. Já foi o bairro boêmio, onde se reuniam os artistas – a casa-museu de Frida Khalo fica lá – e ainda conserva algumas partes boêmias, mas boa parte do bairro se tornou cara, com seus casarões (com pátios enormes, da época em que havia estrabarias dentro das casas) sendo ocupados por políticos, juízes e outras figuras da elite. Coyoacán deixou de ser o bairro mais chique da CDMX nos anos 90, perdendo o posto para Santa Fé.

Coyoacán foi fundado pelos tepanecas, pré-hispânicos que chegaram à região depois que os espanhóis já tinham destruído a capital asteca (no centro histórico, lembra? eu disse que os bairros não são próximos – uns 40 minutos no metrô – e essa distância era muito mais significativa no século XVI). Os tepanecas tinham seus próprios problemas com os astecas, que lhes cobravam altos tributos; assim, aliaram-se aos espanhóis na guerra contra os astecas. Apenas em meados do século XIX a região foi incorporada à capital do México.

O bairro tem início no Rio Magdalena, considerado o último rio vivo da cidade (muito poluído e de cheiro desagradável, diga-se, mas assim que você entra no bairro ele fica pra trás). Coyoacán, como o centro, era cortado por rios, que aos poucos foram canalizados ou secaram.

Na região surgiu uma profissão nova, ainda na época colonial, a de “sereno”. O sereno passava pelas ruas tocando uma campainha e carregando uma vela, de modo a tornar a a área mais segura.

As casas de Coyoacán não tinham números, mas nomes: Casa do Sol, Casa León Rojo (onde morava o presidente da República em 1986) etc. As ruas guardam muita história, inclusive em seus nomes. A Calle Salvador Novo, por exemplo, foi nomeada em homenagem a importante cronista dos anos 20. À parte sua contribuição para o registro histórico do período em que viveu, Salvador Novo declarou-se gay uma época em que ninguém o fazia, chocando a sociedade.

Entramos numa casa típica do bairro, onde hoje funciona a Fonoteca. Dizem que Pedro de Alvarado morou nela. Alvarado é considerado o primeiro genocida da história do México: ao ver os astecas realizando sacrifícios humanos por ocasião da festa dos mortos, pensou “se eles se matam entre si, vão nos matar também”  e atacou a civilização, promovendo larga matança.

Arquitetura típica de Coyoacán, casa com pátio enorme (Fonoteca).

Octavio Paz (Nobel de Literatura em 1990) certamente viveu na casa hoje ocupada pela Fonoteca. Paz dedicou-se a descobrir o que faz do mexicano mexicano, buscando contexto histórico para os hábitos e o comportamento do povo. Cunhou o termo “malinchista” para definir o mexicano que prefere outra cultura. Malinche foi uma indígena famosa por aprender idiomas rapidamente. Foi peça-chave na conquista do México pelos espanhóis, aliando-se a eles e tornando-se amante de Hernán Cortés, com quem teve filhos (Cortés só não se casou com ela porque não seria de bom tom casar-se com uma nativa). Assim, Malinche escolheu os espanhóis em detrimento de seu próprio povo.

Coyoacán tem alguns bonitos exemplos do muralismo (ou grafite, como costumamos chamar).

Arte urbana em Coyoacán.

Na Plaza de Santa Catarina, há uma igreja com uma só torre. Os espanhóis costumavam construir igrejas de uma torre para santos, e de duas torres para virgens. Santa Catarina era virgem e, originalmente, a igreja tinha duas torres; acontece que uma caiu e nunca foi reconstruída. Chama a atenção o enorme pátio na frente da igreja – era grande para comportar os negros e índios que, devidamente catequizados, tinham a obrigação de frequentar a missa, mas não podiam entrar nas igrejas.

Ainda sobre religião: originalmente, as famosas piñatas eram instrumentos de evangelização. Os espanhóis faziam uma estrela de sete pontas, representando os sete pecados capitais. As pessoas eram vendadas como um símbolo de fé e deviam destruir a piñata – os pecados – sendo, então, recompensadas com doces. Eram usadas somente durante Las Posadas – os nove dias que antecedem o Natal.

Curiosidade final: em espanhol, diz-se “ojo” (olho) com o sentido de “tome cuidado”. Em Coyoacán, é comum que se diga “águas”. Isso vem da época em que, sem esgoto encanado, as pessoas jogavam dos balcões de suas residências a água suja, gritando “águas” para alertar os transeuntes. Pela mesma razão, desenvolveu-se a tradição de a mulher andar pelo lado de dentro da calçada – mais próxima às casas – e o homem pelo lado de fora – mais próximo à rua. Assim, a água descartada menos provavelmente atingiria a mulher.

E aqui acaba – finalmente! – o tour pelas ruas da CDMX!

Dia 3

O domingo foi um dia livre, no fim das contas. Era o dia em que talvez fosse a Xochimilco (desisti depois de ler os comentários no Trip Advisor – não é meu tipo de programa) e aos museus de Frida Khalo e Diego Rivera (no museu da Frida Khalo não há obras dela, é uma casa-museu – e cara – o que me fez desistir; e não valia a pena ir tão longe só pelo museu de Rivera). Devia ter ido ao Palácio de Belas Artes, mas deixei para o dia seguinte e me dei mal, já que o prédio não abre às segundas-feiras.

Aproveitei para passear novamente pelo Bosque de Chapultepec, muito perto de onde estava hospedada, e visitei o Castillo, que abriga o Museu Nacional de História (a entrada custa 65 pesos). O castelo foi construído para ser a residência de verão do vice-rei da Nova Espanha. Foi abandonado depois da independência do México e em 1833 passou a abrigar o Colégio Militar. Durante a guerra contra os Estados Unidos, seis cadetes, entre 14 e 20 anos de idade, morreram defendendo o castelo – são os Niños Heroes, homenageados em monumentos, estação de metrô etc.

Bosque de Chapultepec (vista do Castelo).
Bosque de Chapultepec visto do Castelo.

Quando o México foi conquistado pelos franceses (1863), o Castelo se tornou a residência oficial do Imperador Maximiliano de Habsburgo e de sua esposa, a Imperatriz Carlota.

Durante o mandato de Porfírio Díaz (presidente/ditador que ficou no poder por trinta anos), o Castelo foi remodelado e tornou-se sua residência oficial. O que se vê nele, hoje, é principalmente o reflexo dessa época: aposentos pessoais de Diaz, aposentos oficiais e objetos que pertenceram a essa figura histórica. Os jardins são muito bonitos, bem como a vista que se tem do bosque. É um bom passeio, mas não é imperdível.

Jardim do Castillo de Chapultepec.
Jardim do Castillo de Chapultepec.

Em seguida, fui ao Museo Soumaya, em Polanco (uma das vezes em que recorri ao uber). O museu impressiona desde o lado de fora. Por dentro, tem seis andares e muitas exposições temporárias. A principal delas, quando fui, era de obras de Rodin e seus discípulos. Também havia uma exposição de impressionistas (em que não encontrei um único quadro de Monet, para meu espanto), uma de arte religiosa, uma de fotografia (que não me interessou muito), outra de arte contemporânea (que raramente me interessa) e uma de arte chinesa e japonesa de inspiração antiga, mas me pareceu que todos os objetos expostos eram do século XX (passei rápido por essa parte). O museu é privado, pertence à Fundação Carlos Slim que, por sua vez, é dono da companhia telefônica TelMex, da Claro e de várias outras mundo afora. A entrada é franca.

Dia 4

O dia mais aguardado dessa etapa da viagem enfim chegou: dia de conhecer as Pirâmides de Teotihuacán!

Visitei alguns sítios arqueológicos no México e esse foi o que mais me impressionou (sim, mais que Chichen Itza). A zona arqueológica é enorme, bem como as pirâmides – e você pode subir ao cume da pirâmide do sol, uma experiência um pouco cansativa, mas recompensadora.

Fiz o passeio com a Estación México e paguei 400 pesos. Esse valor incluiu as passagens de ida e volta em transporte público (na ida, ônibus urbano + ônibus intermunicipal; na volta, ônibus intermunicipal + metrô), a entrada para a zona arqueológica (65 pesos) e o passeio guiado pelas ruínas (você pode contratar um guia na hora por preços que variam entre 200 e 400 pesos). Você não precisa pagar por um passeio guiado, mas as ruínas serão menos interessantes sem as explicações.

Saímos do Palácio de Belas Artes por volta das 8h30 e chegamos na zona arqueológica às 11h. A primeira pirâmide não impressiona tanto mas, antes que eu pudesse ficar decepcionada, começamos a caminhar e fiquei encantada com o tamanho da área de ruínas. Você caminha pelas antigas ruas do que era o centro da cidade de Teutihuacán, passa pelos vestígios de diversos prédios e começa a imaginar como teria sido a vida desse povo há 1.500 anos, quando ela estava sem seu apogeu. A verdade é que ainda há muito por descobrir – quase tudo que se sabe é especulativo e cada nova descoberta muda as teorias que já eram tidas como certas. Nesse exato momento, há arqueólogos trabalhando nas ruínas e descobrindo novos artefatos, novos painéis coloridos, novas esculturas.

É mais fácil começar pelo que não se sabe: não se sabe qual era a civilização que ocupava Teutihuacán (não, nada de astecas ou maias, Teutihuacán é mais antiga que esses povos), não se sabe se tinham escrita (prefiro a teoria que diz que eles tinham escrita, mas ainda não foi encontrado algo como a pedra de roseta para decifrá-la) e não se sabe o que levou ao declínio da civilização. Não se conhece o significado exato de vários símbolos e adornos.

O que se sabe (mais ou menos): as pirâmides não guardam sarcófagos e tesouros, diferentemente das egípcias (e isso vale pras demais pirâmides no México). São praticamente maciças, com uns poucos túneis e salas. Provavelmente, eram erguidas como representação dos deuses. Em áreas já montanhosas, os pré-hispânicos escolhiam a montanha mais alta para simbolizar o deus principal e nela construíam um templo; em regiões planas, faziam pirâmides. É possível que alguns montes na mesoamérica que parecem acidentes geográficos naturais sejam, na verdade, pirâmides cobertas de terra e vegetação pelo tempo. A cidade provavelmente teve início 1.000 anos antes da era cristã e pode ter abrigado entre 20.000 e 40.000 pessoas em seu auge. Alguns dos deuses adorados pelo povo que viveu em Teutiuhacán também eram conhecidos de outros povos pré-hispânicos. Os teutihuacanos faziam sacrifícios humanos e auto-sacrifícios, especialmente em épocas de seca prolongada. As paredes externas e as próprias pirâmides não eram cinzentas, mas multicoloridas, com destaque para a cor vermelha. Teutihuacán se relacionava e influenciava outras cidades e povos da mesoamérica.

A Pirâmide do Sol é a maior construção da cidade, e a segunda maior das civilizações pré-hispânicas (a pirâmide de Cholula ganha, mas não impacta tanto). A base tem 225 metros de lado; a altura é de 63 metros. O mais bacana é que você pode subir até o cume. Não precisa estar em boa forma (porque você pode parar no caminho pra descansar), mas precisa ter bastante disposição. A vista compensa o esforço.

Pirâmide do Sol
Pirâmide do Sol

A Pirâmide da Lua tem 45 metros de base e 45 metros de altura e não se sobe até o topo. Dela, tem-se ideia da grandeza que essa civilização deve ter tido. Fica no fim de uma avenida chamada Calzada de los Muertos (porque foram encontradas dezenas de ossadas na área, provavelmente de pessoas sacrificadas para a consagração da cidade), ao longo da qual se dispõem as ruínas dos edifícios da cidade. Você vê essas ruínas e a Pirâmide do Sol ao fundo.

Calzada de los Muertos, com a Pirâmide do Sol ao fundo. Foto tirada da Pirâmide da Lua.

Algumas coisas que vemos no sítio arqueológico foram reconstruídas no século XX, depois que o presidente/ditador Porfírio Díaz dinamitou parte da cidade por entender que assim seria mais rápido fazer a exploração arqueológica (haja ignorância). De fato, cerca de 60% da cidade foi restaurado ou reconstruído. As Pirâmides do Sol e da Lua não passaram por reconstrução, mas a Pirâmide do Sol sofreu um processo de restauração. Há alguns murais pela cidade em que ainda se vêem as cores originais. Um desses painéis foi aberto à visitação pública há menos de seis meses. Daqui a alguns anos, certamente haverá várias outras novidades na cidade.

Pintura mural em um dos edifícios de Teutihuacán.

Teutihuacán foi declarado patrimônio da humanidade pela UNESCO em 1987.

O passeio dura quase um dia inteiro se você quiser andar pelas ruínas com calma e subir as pirâmides. Quando cheguei ao centro da Cidade do México, eram umas 16h. Procure agendar sua visita para uma segunda-feira, dia em que todos os museus da cidade estão fechados.

No dia seguinte, eu estava quebrada do esforço de subir as pirâmides (os degraus são altos e forçaram bastante minhas pernas). Aproveitei para acordar mais tarde, fiz check-out e peguei o ônibus do meio-dia para Puebla, que será assunto do próximo texto.