Os irmãos bíblicos rivais emprestam o nome ao romance centrado em Pedro e Paulo, gêmeos parecidos fisicamente e praticamente opostos no caráter. Sua vida é feita de disputas desde o ventre de sua mãe, passando por rusgas no dia-a-dia, brigas sobre política e ciúmes no amor.
Esaú e Jacó se passa entre os últimos anos da monarquia e os primeiros da república, mas sem qualquer pretensão de ser um livro de História. Machado retrata o período do ponto de vista da burguesia, dos comerciantes, do sobe-e-desce dos interessados na carreira política (e conclui ironicamente que, ao fim e ao cabo, tanto um quanto o outro regime dão na mesma). É um painel muito interessante do cotidiano daqueles anos.
Boa parte da trama se desenrola entre as paixões políticas de Paulo e Pedro e entre sua paixão pela mesma mulher, Flora. O narrador em terceira pessoa conversa com o leitor (ou melhor, com a leitora, já que na maioria das vezes prefere o gênero feminino) e intervém bastante no romance, bem mais que em Memórias Póstumas de Brás Cubas (meu livro preferido de Machado e um dos meus favoritos de todos os tempos). Incomoda um pouco no início, mas logo acostuma-se e chega a soar engraçado.
Outra coisa um tanto incômoda é a lentidão da narrativa. Esaú e Jacó tem idas e vindas, pormenores e detalhes que chegam a cansar em alguns momento, fazendo pensar “Está bem, já entendi isso, vamos seguir adiante?”. É certo que Memórias Póstumas também tem essas características, mas lá elas me pareceram mais convenientes que aqui.
Não falta a fina ironia machadiana, provocando umas boas risadas de vez em quando.
Curiosamente, meu personagem favorito foi um dos secundários: o Conselheiro Aires, um ex-diplomata que, apesar de parecer cordato a tudo, anota em seu diário os próprios julgamentos sobre o mundo e as pessoas que o cercam. Aires soou-me como o alter ego de Machado de Assis. Memorial de Aires, último livro do romancista (Esaú e Jacó foi o penúltimo) já está na minha lista de leituras futuras.
Se tenho a audácia de dar quatro estrelas para o livro é apenas porque, dentro do mesmo estilo e sendo do mesmo autor, Memórias Póstumas de Brás Cubas continua meu favorito.
Trechos
– Não é a ocasião que faz o ladrão – dizia ele [o Conselheiro Aires] a alguém -, o provérbio está errado. A forma exata deve ser esta: a ocasião faz o furto; o ladrão nasce feito. (p. 145)
Há muito remédio contra a insônia. O mais vulgar é contar de um até mil, dois mil, três mil ou mais, se a insônia não ceder logo. É remédio que ainda não fez dormir ninguém, ao que parece, mas não importa. (p. 154)
Parece que, se amasse exclusivamente o primeiro, o segundo podia chorar lágrimas de sangue, sem lhe merecer a menor simpatia. Que o amor, conforme as ninfas antigas e modernas, não tem piedade. Quando há piedade para outro, dizem elas, é que o amor ainda não nasceu de verdade,ou já morreu de todo, e assim o coração não lhe importa vestir essa primeira camisa do afeto. (p. 155)
Ficha
- Título: Esaú e Jacó
- Autor: Machado de Assis
- Editora: Martin Claret
- Páginas: 222
- Cotação:
- Encontre Esaú e Jacó.
Eu sou fascinada pelo acuidade de pensamento de Machado. =D
esse fato que vc notou sobre o Aires, realmente é verídico!
Já percebeu a semelhança entre (M)emorial (d)e (A)ires e (M)achado (d)e (A)ssis?
@lari, não tinha notado, e não notaria se você não dissesse! Obrigada por compartilhar!