Apegos.

Tenho umas peças de roupa das quais não consigo me desfazer. Não tenho apego emocional a elas, não são lindas e, pior, não me favorecem. Mas servem, prestam-se ao uso diário e vão ficando.

Especificamente, uma calça. A cor não me favorece – um marrom claro, ou bege escuro. O corte é passável, mas tenho outras que caem muito melhor. Certo, paguei um dinheirinho bom por ela, mas já usei tanto que a compra se justificou.  Então, por que a mantenho no armário?

Só porque serve?

Se não é essencial e não me faz feliz… por quê?

A casa nova tem duas arandelas que não uso e das quais não gosto. Mas paguei caro por elas (marinheira de primeira viagem em reformas faz dessas coisas, deixa-se levar), removê-las daria um trabalhão e eu teria que repintar a parede. Vão ficar por um bom tempo, já me conformei. Talvez eu pare de detestá-las. Minha esperança é começar a ignorá-las em breve.

Tem pessoas de quem a gente não gosta, mas não desapega. Pelo menos nesse ponto estou satisfeita – não mantenho por perto ninguém de quem não goste e que não me faça bem. É um processo longo (e doloroso, em certos momentos), esse de conseguir abrir mão de quem não acrescenta nada – e às vezes até tira o que temos de bom. Requer vigilância para não cairmos novamente na tentação de conviver com alguém “só porque serve”, por hábito ou comodismo.

Se não é essencial e não me faz feliz… não vale a pena.

Agora dá licença, que vou me livrar daquela calça.

Se o Trato Feito negociasse órgãos…

– Boa tarde.
– Boa tarde, o que a traz aqui?
– É que eu tenho um rim sobrando, não estou precisando dele agora… e tenho algumas contas pra pagar… então, pensei em vender.
– Ainda bem que você quer vender, esse tipo de coisa não dá pra penhorar. E quanto você está querendo nele?
– Bom, eu andei pesquisando e o preço de mercado é 10.000.
– Para o comprador certo, pode ser. Mas eu ainda vou revender, não posso pagar o preço de mercado.
– Eu sei, por isso pensei em pedir 5.000.
– Não, 5.000 não dá pra pagar, muito caro.
– Caro nada, é metade do preço! E meu rim está ótimo, eu sempre bebi muita água, faço exercícios, nunca tive pedra… ele está como novo!
– Eu acredito, mas entenda o meu lado. Eu tenho despesas fixas, a manutenção da loja, os funcionários, e ainda preciso ter o meu lucro.
– …
– Lamento, não posso pagar os 5.000.
– Hum. Então, qual é o seu preço?
– Posso dar 500.
– Mas 500 é muito pouco por esse rim! Ele é um item raro, eu só tenho outro igual, e ele está em ótimo estado! Só estou vendendo porque preciso do dinheiro, senão ficaria com ele pra sempre! Ele é muito bom, mesmo!
– Eu entendo, mas com essa crise, o mercado está fraco, quase parado. As pessoas não estão com dinheiro, sabe? Por outro lado, a oferta está muito grande, por qualquer iPad você consegue um rim novinho.
– Está certo, eu te faço por 2.500, você ainda lucrará muito! Não é qualquer rim, o meu tem procedência, tem certificado de boa saúde, cara.
– Olha, se eu já tivesse comprador pra esse rim, eu poderia pagar 2.500. Acontece que eu não tenho. Vou ter que procurar, anunciar, e até achar alguém eu vou precisar armazenar o rim. Não sei quanto tempo ele vai ficar na vitrine até ser vendido, e vou ter várias despesas com ele até encontrar um interessado. Não é todo dia que entra alguém por aquela porta precisando de um rim.
– Mas eu sou tipo O, sou doadora universal!
– Ainda assim. Há muitos doadores tipo O por aí. Além disso, o rim ser do tipo O não é garantia de conseguir um comprador logo.
– …
– Sinto muito, 500 é minha melhor oferta.
– Por 500, acho que prefiro ficar com ele.
– Ok, a decisão é sua. Fica pra próxima.

(Do lado de fora da loja, para a câmera.)

– Esses caras são uns exploradores! Tenho certeza de que consigo até mais de 10.000 no meu rim, só preciso encontrar o comprador certo. Eu vou encontrar, e depois vou voltar aqui pra esfregar na cara desses otários! Eles vão se arrepender por terem perdido o negócio!

(Inspirada em um bate-papo real. Se você não conhece o Trato Feito, aqui está.)

Classificados

Procura-se alguém em quem se possa confiar. Alguém que saiba compartilhar dores e alegrias. Alguém que tenha problemas, mas não se afogue neles. Alguém que mantenha a cabeça erguida, o olhar no futuro, os pés no presente e a mão estendida, para caminhar junto a mim.

Procura-se alguém que não confunda amor com subserviência, que não abuse dos amigos, que não se apegue às tristezas.

Procura-se alguém que viva cada dia como se fosse o último.

Procura-se alguém que dê valor às coisas simples e aprecie as sofisticadas.

Procura-se alguém que não prenda, não amarre, não ameace, não faça chantagens.

Procura-se alguém que peça ajuda francamente, quando precisar, e que também saiba ajudar.

Procura-se alguém que deseje crescer comigo.

Procura-se alguém que fale de mil coisas ao mesmo tempo: da última fofoca às mais novas teorias da física quântica.

Procura-se alguém que ache graça em rever um episódio de seriado pela enésima vez, bebericando vinho, e que depois tire um cochilo gostoso ao meu lado.

Procura-se alguém que ouça de vez em quando. Que respeite meus limites e não os force uma vez por semana. Que tenha gosto pela vida, mesmo quando a vida é desgostosa, porque sabe que, no fim das contas, todo desgosto passará.

Procura-se alguém para dividir brigadeiro de panela, milkshake de confeitaria e o croissant gigante da delicatessen.

Procura-se alguém para sair por aí, sem rumo e sem vergonha.

Procura-se alguém para amar, que se deixe amar e que saiba amar.

Tratar aqui.

(Escrito em 15.9.2011, em meio a uma fossa que já passou. Tudo tem vantagens, e a fossa tem duas para mim: emagrece e provoca escritos. 😉 )

Acabou.

Se eu te dissesse, meu bem, pelo que passei nos últimos dias…
Você tem o mundo na ponta dos dedos. Eu tinha você.
Agora, me diz, o que você faria?
Ponha-se no meu lugar.
Vista minha pele.
E me responda: como se levantaria novamente?
Despida, desnuda, aberta, em febre, sozinha, carente, descrente, ferida.
Para onde você iria?
Desculpe, mas não posso te refugiar.
Não sobrou nada. Estou vazia.
Não tenho mais o que dar.
Preciso daquilo que você me tomou.
Colo, apoio, carinho, amor.
Sinto muito, mas acabou.

(Escrito em 11 de agosto de 2011. Escolhido propositadamente para fechar as postagens de 2011, porque não vi a hora desse ano acabar. 2012 tem que ser melhor!)