Gotas da Viagem

(ou Twitterizando A Viagem A São Paulo)

Nenhum calçado é confortável quando você passa oito horas por dia andando.

Números de logradouros só são inúteis em Brasília.

Faixas de pedestre só são úteis em Brasília.

O Mercado Municipal é uma festa inigualável de cores e aromas.

Todo mundo ama House. O tema sempre surge, e raramente a culpa é minha.

Conhecer gente ao vivo e a cores é a melhor parte da internet.

Paulistanos são tão educados que o engraxate pede desculpas quando esbarra em você na rua.

Essa educação toda desaparece, no melhor estilo Pateta-atrás-do-volante, às 18 horas em ponto.

No metrô, simpatia não entra.

As opções culturais em São Paulo são tantas que você pode se dar ao luxo de comprar ingresso para uma ótima peça com menos de meia hora de antecedência (a 30 reais).

A 25 de março é para os fortes.

Em São Paulo, qualquer boteco copo sujo tem café expresso.

Bares, botecos e cafés não expulsam o cliente à meia-noite. Aliás, alguns nem fecham (e, ao contrário do raciocínio lusitano, abrem).

Táxi na capital paulista pode render bons papos. Pode ser bizarro. E custa caro.

Coca light custa caro.

Por outro lado, café bom e barato não é raro.

Falando em raridade, por que cargas d’água os pontos turísticos não vendem ímãs, postais e outros badulaques?

Moleskines (e imitações) só não são perfeitos porque custam uma fortuna.

Putz, que banheiro impecável o da rodoviária do Tietê.

Definitivamente, comer não engorda; o que engorda é sedentarismo.

Estranhamente, paulistanos fumam em restaurantes fechados, lado a lado com quem está comendo.

Paulistanos levam cachorros ao shopping.

Paulistanos sentam em cafés por horas a fio, e nenhum garçom ronda ansioso pela liberação da mesa. De fato, eles se esquecem completamente da presença do freguês.

O céu do centro de São Paulo limita-se a um quadrado azul-acinzentado.

Gastar dinheiro naquela cidade é mais fácil do que recomenda a prudência.

Aquela cidade muda de cara a cada esquina.

(and last, but not least…)

Caramba, quando vão abrir um Starbucks em Brasília?!

Aja!

Escrito para a blogagem coletiva Eu Exijo Ordem e Progresso, organizada pela Veridiana Serpa.

Mensalão, mensalinho, anões do orçamento, Correios, sanguessugas, chacinas, favela, desemprego, subemprego, infidelidade partidária, subornos, ocultação, lavagem de dinheiro, bois a peso de ouro, caos aéreo, estradas esburacadas, agências reguladoras desreguladas, mortes, tantas mortes, fila do INSS, preconceito, SUS, greve atrás de greve, crianças nas ruas, prostituição infantil, turismo sexual, relaxa e goza, polícia mal remunerada, polícia que vira ladrão, previdência vilipendiada e falida, presidente alheio, eu não sabia de nada, costas quentes, pistolão, favorecimento, nepotismo, verbas de gabinete, corrupção por todo lado, celulares nas prisões, dinheiro na mala, dinheiro na cueca, dinheiro para os bancos, pobreza por todo lado, constituição rasgada, contribuição permanente sobre movimentação financeira, custo brasil, assistencialismo, coronelismo, política ambiental deturpada, interesses escusos, salário de fome para professores, populismo, roubos, furtos, seqüestros, crimes bárbaros, impunidade, administração ineficiente, sucateada, paralisada, má gestão do erário, verbas pífias para a educação, analfabetismo funcional…

A lista de mazelas que assolam o Brasil é sem fim.

Aí, surge uma tal campanha “Cansei” demagógica e alienada.

Eu não estou cansada. Estou desapontada, isso sim. Ando descrente desse tal papo geopolítico contempla um futuro glorioso que nunca chega e ignora as crises que nos soterram.

Mas não estou cansada.

Eu Exijo Ordem e Progresso - Blogagem ColetivaEstou cada vez mais decepcionada, não somente com a classe política, à qual se atribui a culpa pelos males do mundo, mas com a população brasileira – essa coletividade amorfa na qual me incluo e que é tão manipulável, tão desorganizada, tão passiva, tão crédula.

Mas, apesar de tanto descalabro, não estou cansada.

Aos que estão assim, tão cansados, que saiam do país. Sigam aquela velha piada, que proclama que a única saída para o Brasil é o aeroporto (mas o façam em seus jatinhos particulares, para escapar ao caos aéreo). Vão descansar em outras praias.

O povo brasileiro não precisa de choramingos da classe dita formadora de opinião. Cada um de nós tem suas batalhas, seus fardos – uns mais pesados, outros menos – e ninguém pára pelo caminho para dizer “cansei”.

O que precisamos é de ação. De protestos, sim, mas daqueles que despertam a vontade de mudar o estado de coisas. Basta de derrotismo, basta de cansaço, basta de entregar os pontos ou de dizer que a responsabilidade é exclusiva de um grupo.

A responsabilidade é de cada cidadão.

Informe-se. Leia. Pense. Deixe a preguiça de lado. Vote em gente decente. Ensine alguém a pensar. Desperte o senso crítico em quem está à sua volta. Questione. Pesquise. Brigue. Esbraveje. Vaie.

AJA!

Não assuma a postura entreguista dos “cansados” ou a atitude irresponsável de quem diz “não é comigo”.

Você exige ordem e progresso? Eu também. O que estamos fazendo a respeito?

Este texto não vai mudar o mundo. Não vai mudar o Brasil, a sua ou a minha vida.

Cruzar os braços também não.

Cena de Viagem

Em novembro de 2005, resolvi conhecer a Serra Gaúcha. Foram 8 dias excelentes, plenos de passeios, comes e bebes, compras e diversões variadas.

Quando você opta por um pacote turístico, tem a chance de conhecer algo além do roteiro: gente. As pessoas que passam contigo esses dias, andando de ônibus pra cima e pra baixo, pedindo “tira uma foto pra mim”, dividindo a mesa do café-da-manhã no hotel, tornam-se companheiras, amigas de ocasião. Você sabe que não vai revê-las, mas são parte integrante do pacote e tornam a viagem mais interessante.

Algumas marcam mais que outras, claro.

Tinha o quarteto de velhinhas que tagarelavam o tempo todo e compravam horrores. Parecia que os espíritos de meninas de 16, 18 anos tinham se enganado e tomado conta daquelas sexagenárias (ou septuagenárias, sabe-se lá) cheias de energia.

Tinha o jovem casal em lua-de-mel, cheio de planos, carinhos e brilho nos olhos. Enquanto os dois passeavam, sabiam que seus pais estavam arrumando a casa que seria seu novo lar ao retornarem.

Tinha uma família inteira: pai, mãe, três filhos e uma cunhada resolveram tirar férias juntos, curtir a companhia uns dos outros e descobrir um pouco mais sobre a cultura dos seus antepassados italianos. O patriarca não cabia em si de tanta alegria.

Tinha o casal idoso que nunca havia andado de avião. Sua filha economizara por meses para ajudar a bancar a viagem, parte de um presente de aniversário de casamento cujo desfecho seria uma enorme festa-surpresa no dia da volta à casa.

Tinha a mulher cheia de expectativas sobre seu futuro: acabara o supletivo de segundo grau e passara no vestibular há poucos dias, estava namorando e pensava em ter filhos.

No mesmo vôo de volta, estávamos todos no mesmo avião e o trajeto Porto Alegre-São Paulo foi uma farra. Espalhados entre nós, os poucos passageiros que não eram do pacote assistiam resignados à nossa bagunça. Alguns trocaram seus lugares conosco, na esperança de terem um pouquinho de paz. Aproveitávamos para registrar as últimas imagens do passeio, trocar emails e fazer promessas de eu-te-mando-aquela-foto.

O vôo chegou a Congonhas no horário previsto. Quase todos desembarcaram – só seis de nós seguimos viagem para Brasília.

Nunca revi ou troquei emails com a maioria daqueles companheiros de viagem. Sei que os jovens que estavam em lua-de-mel continuam felizes e que a festa de recepção ao casal idoso foi um dos últimos momentos daquele senhor com sua família.

Logo que li sobre a tragédia com o Airbus da TAM, em 17 de julho passado, revi todos os rostos.

Lembrei-me das brincadeiras, dos papos no ônibus, do cansaço sereno ao fim da viagem. Lembrei-me dos rostos, sotaques, histórias, sorrisos. Pensei nas pessoas que meus companheiros de viagem tinham deixado para trás com a certeza de torná-las a ver dias depois.

E se os netos das quatro velhinhas nunca mais ganhassem os abraços e beijos das avós, que falaram deles a viagem toda?

E se os pais do casal em lua-de-mel se vissem dentro de um novo lar que nunca receberia seus moradores?

E se os parentes e amigos da família paulistana não tivessem ninguém para recepcionar no aeroporto?

E se os convidados para a festa de boas-vindas preparada para o casal idoso recebessem a notícia de que ele jamais voltaria para casa?

E se o futuro da mulher recém-universitária não existisse?

Quando ouço alguma notícia sobre tragédia com o Airbus, quando a contagem de corpos reconhecidos é atualizada, quando vejo o descaso com que as autoridades tratam o caso, quando assisto ao jogo de empurra-empurra, quando tenho a nítida sensação de que tudo vai dar em nada, a imagem que me ocorre não é nenhuma das exaustivamente exibidas pela imprensa nos últimos dias. A imagem que me ocorre é a dos meus companheiros de viagem naquela volta de Porto Alegre.

Os passageiros do vôo da TAM eram exatamente como aquele grupo. Gente com família, amigos, sonhos, esperanças, futuro. Pessoas que aguardavam o abraço no aeroporto ao desembarcarem, ou que planejavam o dia seguinte de trabalho. Gente que deixou pendências, suspiros, brigas mal-resolvidas, sorrisos, roupa no varal, filho na escola.

Vidas que se tornam números do caos aéreo, somados aos do acidente da Gol há 11 meses.

Tem gente que acha que é um número pequeno e afirma que as estradas mal-conservadas do Brasil matam muito mais por semana. Como se um descalabro justificasse o outro.

Eu só posso imaginar a dor dos que perderam alguém nessa tragédia. E não consigo vê-la como algo pequeno.

Este texto faz parte da blogagem coletiva Vôo JJ 3054 – Uma Cena, organizada por Gustavo D’Andrea.

Quais as chances?

Você mora numa capital. Não é nada que se diga “oh, mas que capital grande!”, mas é uma capital.

Aí, tem um problema com uma $%$&# de uma loja e precisa entrar com uma ação no Juizado Especial Cível.

No dia da conciliação (que demorou dois meses para chegar, em tempo real, e dois anos na sua percepção), você está no corredor, esperando e tentando acalmar o estômago (já disse que o-dei-o advogar?).

Finalmente, chega a sua vez. Você respira fundo, repassa mentalmente as alegações e entra na saleta.

E descobre que o advogado da empresa ré foi seu colega de faculdade.

Quais as chances de uma coisa dessas acontecer?!

Tá que Brasília é um ovo de codorna, mas isso é o cúmulo.