Semana passada, ouvi na CBN a história de Kety e Gabriela. Mãe e filha passaram 45 dias na Grécia, ajudando na recepção dos refugiados que chegam às centenas todos os dias à ilha de Lesbos. Ambas voltaram ao Brasil, mas Gabriela, com apenas 16 anos, decidiu retornar à Grécia e continuar o trabalho como voluntária. Para possibilitar a viagem e a manutenção da filha, Kety abandonou seu trabalho como jornalista e começou a fazer e vender arranjos de flores. Nasceu aí o projeto Flores para os Refugiados.
Ontem, na feira de arte e artesanato de refugiados que aconteceu no Shopping Center 3 tive o prazer de conhecer Kety e sua irmã, Karim. A mãe delas, avó de Gabriela, também ajuda no projeto. A decisão da menina mudou a vida da família e está tornado menos pesada as vidas de crianças, jovens, homens e mulheres que chegam à Grécia na esperança de sobreviver.
A guerra na Síria acaba de completar seis anos e tem como resultado uma das maiores crises humanitárias já vistas. Mais de quatro milhões de sírios são refugiados e outros seis milhões são deslocados internos, gente que teve que abandonar seus lares e buscar abrigo em casas de parentes ou nos campos que bordeiam a fronteira com a Turquia. Somados, correspondem a metade da população da Síria.
A Grécia é a porta de entrada para os refugiados que chegam por mar. Centenas de voluntários estrangeiros atuam na recepção dessas pessoas. Organismos internacionais também estão presentes.
A venda dos arranjos permite que Gabriela continue a ajudar os refugiados. 40% do preço cobre os custos de produção, e o restante mantém Gabriela. O arranjo da foto custou 30 reais. Há também a venda de flores por quilo. Você pode acompanhar a página Flores para os refugiados no facebook para saber onde comprá-las e pra conhecer melhor o projeto.
Tenho dificuldades com rótulos, formas, encaixes. Parece que sempre algo fica sobrando ou faltando, como aquela roupa “tamanho único” da loja de departamentos que, no fim das contas, não fica realmente boa em ninguém.
E tem esse rótulo do feminismo, de ser feminista.
Durante a maior parte da minha vida, não tomei conhecimento do que fosse feminismo. Dito isso, meu sonho aos doze anos era fazer jornalismo na USP, morar num flat e ser uma profissional bem-sucedida, solteira e sem filhos – mas o que isso tem a ver com feminismo, não é mesmo?
Eu acreditava mesmo que o movimento feminista não tinha qualquer influência na minha vida.
Exceto pela simples razão de que, se não fosse pelo feminismo, eu sequer teria feito Direito. Talvez tivesse alguma profissão, mas jamais atuaria num reduto predominantemente masculino – não teria autorização para chegar perto dele. Eu teria a obrigação de ter filhos e marido e, se escolhesse outro caminho, seria taxada de “leviana” ou de “amargurada” – no mínimo. Não que esses reducionismos ofensivos não ocorram hoje; é só que não fazem a menor diferença na minha vida. Eu passo por cima e sigo minha vida normalmente – o que não seria possível sem o feminismo e sem as milhões de mulheres que adotam a mesma postura, certas de que não valem “menos” por adotarem comportamentos que fogem dos estereótipos.
Mas ainda tem a coisa dos rótulos. As mulheres que se declaravam feministas e que conheci nos primeiros anos da vida adulta, ou que tinham esse rótulo pregado nelas, não tinham nada a ver comigo. Eu simplesmente não as entendia, nem me identificava com elas. Não engolia o radicalismo, não compreendia as bandeiras, não achava racional que implicassem com outras mulheres só por gostarem de esmalte, maquiagem, saia.
Demorou pra eu descobrir que o feminismos, como qualquer outra coisa, é feito por pessoas e que cada uma traz seus conceitos, valores e opiniões – mas que eles não precisam ser gravados em pedra, tampouco são universais. Há uma única exceção, uma única verdade essencial, que merece ser gravada em pedra, sintetizada em uma frase que, por mais clichê que seja, representa o núcleo essencial do feminismo: a ideia de que a mulher, da mesma forma que o homem, pode ser e fazer o que quiser.
Sim, porque, deixadas todas as bandeiras de lado, todas as nuances, todas as alas, os partidos, as polêmicas, feminismo é “apenas isso”. A ideia de que mulheres têm tantos direitos quanto os homens. De que deveriam ser tão livres e tão respeitadas quanto eles. De que apenas a elas cabe escolher seus caminhos.
Faz poucos anos que entendi isso. Que ser feminista é, fundamentalmente, defender que mulheres podem ocupar os mesmos espaços que homens. É, também, reclamar de (e tentar mudar) comentários misóginos, cantadas grosseiras, preconceitos enraizados há gerações, piadinhas ofensivas, tratamentos degradantes, diferenças salariais.
Ser feminista não é abandonar maquiagens, saias, esmaltes, depilação – a menos que você queira e, se você quiser, tem o direito de fazê-lo. Porque, em essência, ser feminista é ter o direito de fazer o que se quer. É o direito de não ter filhos, ou de ter dois e trabalhar exclusivamente em casa, ou ter quatro e ainda trabalhar fora. É o direito de escolher qualquer carreira ou carreira nenhuma. É o direito de usar batom vermelho sem ouvir “parece puta” ou de assumir os cabelos grisalhos sem que pensem que você é “desleixada”. É o direito de não ser compelida a usar meia-calça no ambiente de trabalho, e de não ser assediada por trabalhar de saia e salto alto. É o direito de usar biquíni sim, independentemente do corpo. É o direito de beber e ficar bêbada, ou de ser abstêmia, ou de adorar sexo, ou de ficar virgem até o casamento.
Bem sei que “o meu tipo” de feminismo não agrada linhas radicais de feministas. Foram elas que, por muitos anos, convenceram-me de que eu não era feminista “de verdade”. Lamento que pensem assim, e reservo-me o direito de afirmar que estão erradas.
Afinal, estamos todas do mesmo lado. Do lado da igualdade.
Imagens: o filme Suffragette (as três primeiras) e algum post no FB.
Por que será que é tão difícil respeitar o próximo? Veja que não me refiro ao respeito pelos amigos ou familiares (embora esse também não ande lá essas coisas), mas àquele que você deveria ter pelas pessoas que vivem no seu prédio, na sua rua, na sua cidade.
Meu condomínio tem uma lista de discussão e ela não costuma ser um ambiente agradável, o que se reflete também na dita “vida real”: vizinhos incapazes de dizer bom-dia quando entram no elevador, vizinha de cima que insiste em andar de salto toc-toc-toc-toc, gente que larga lixo pelas áreas comuns, e por aí vai.
Qual a graça de tornar o cotidiano dos outros um pouco pior?
Qual a graça de jogar na calçada o papel que entupirá o bueiro, de passar de carro com o som tão alto que as janelas das redondezas tremem, de não dar seta, de buzinar quando o trânsito está obviamente parado?
Qual a graça de fingir que está dormindo no assento preferencial do metrô pra não ceder o lugar a quem precisa, ou de ficar na frente da porta atrapalhando entrada e saída mesmo quando há espaço nos corredores?
Qual a graça de tratar mal a caixa do supermercado, de achincalhar o namorado em público, de ficar com o troco que foi passado a mais por engano, de bater em cachorro?
Qual a graça de pautar a vida pelo “digo tudo o que penso, danem-se os outros”?
Qual a graça de invadir o espaço alheio, física ou verbalmente?
Qual a graça de demonstrar indignação com “os rumos do país” e não fazer o mínimo pra se tornar uma pessoa um pouquinho melhor no dia-a-dia?
Atualização: A Simone fez um texto sobre a falta de gentileza que nos cerca, e que começa cedo.
Eis o que recebi dia desses da Secretaria de Estado de Fazenda do Distrito Federal, referente a diversas contestações de notas fiscais que fiz contra a mesma empresa:
Informamos que devido à não regularização do documento fiscal pela empresa e da finalização dos procedimentos de fiscalização, a reclamação foi concluída.
Comunicamos, ainda, que a SEF/DF não está autorizada a informar o motivo da não geração do crédito ao consumidor, por envolver informação da empresa emitente protegida pelo sigilo fiscal.
Observe: a empresa não regularizou os documentos fiscais, eu não recebi o crédito e o Governo do Distrito Federal, vulgo GDF, não me deu qualquer explicação a respeito, alegando “sigilo fiscal”.
O valor envolvido não era pequeno. As notas fiscais somadas totalizavam quase dois mil reais.
Além disso, essas notas foram emitidas em junho de 2012. O GDF mandou o comunicado acima em maio de 2014. Ou seja, levou quase dois anos para prestar alguma satisfação (pífia, ainda por cima).
Essa é uma das várias razões pelas quais não vale mais a pena pedir Nota Legal. Depois que o GDF incutiu o hábito nos cidadãos, preferiu adotar a política do “se vira aí”, dificultando ao máximo o recebimento dos créditos e minimizando os benefícios. Senão, vejamos algumas das modificações introduzidas nos últimos anos:
É necessário ir à Secretaria de Receita entregar pessoalmente, de tempos em tempos, as notas e cupons fiscais contestados e não regularizados pelas empresas. O que sempre foi ruim ficou pior, com a exigência de se juntar cópia de todos os cupons (no início essa exigência era restrita apenas às notas fiscais, que são bem mais raras no dia-a-dia) e com o encurtamento do prazo que o cidadão tem para comparecer, uma vez notificado.
O consumidor será notificado por email (e quem não tem ou não usa?) para apresentar os comprovantes fiscais, terá que imprimir uma declaração (e quem não tem impressora?) e dirigir-se a uma das raras agências de atendimento espalhadas pelo DF (nove no total – no plano piloto e adjacências, só há uma – e o gasto de passagem ou combustível?), que só funcionam de 12h30m a 18h30m, nos dias úteis (e quem trabalha nesse horário?).
O montante de créditos repassado ao consumidor caiu drasticamente, graças a mudanças que atingiram, principalmente (mas não com exclusividade), compras em supermercados, um dos gastos principais das famílias. Em 2014, os consumidores receberam de volta metade do valor que obtiveram em 2013, ou até menos. E isso depois de ter a trabalheira acima. Se o consumidor não se der ao trabalho de guardar notas e cupons, fazer as reclamações online e apresentar os comprovantes no prazo, recebe uma fração desse valor.
Nem vale a pena mencionar como a instabilidade do site dedicado ao Nota Legal aumentou.
O tempo para avaliar as contestações é enorme. Não raro, o GDF pede ao consumidor um cupom fiscal que foi emitido há mais de um ano.
Outras vezes, demora dois anos, como no caso acima… e sai-se com essa resposta mequetrefe.
Continuo pedindo a Nota Legal (e ainda atualizo a lista de estabelecimentos que fazem os lançamentos regularmente), mas não perco mais meu tempo e dinheiro apresentando os comprovantes quando as empresas não fazem a parte delas. Aliás, algumas que costumavamlançar tudo direitinho estão parando de fazê-lo – provavelmente porque já perceberam que o GDF não fiscaliza e que os consumidores não têm mais paciência pra desempenhar uma função que, afinal de contas, é do governo.
Se o GDF quer que os cidadãos trabalhem pra ele, deveria ao menos facilitar-lhes o processo – e remunerá-los adequadamente. Ou, pra usar um ditado popular (muitas vezes citado em contexto negativo): quem quer rir, tem que fazer rir.