Sempre mais do mesmo

Metal contra as nuvens, a mais longa música da Legião Urbana (álbum V, dezembro de 1991) fala de decepção, traição, abandono. Dá a impressão de ter sido composta após alguma profunda desilusão amorosa.

Os legionários, no entanto, já sabem: Metal contra as nuvens foi feita por Renato Russo como um desabafo diante do descalabro trazido por Fernando Collor. A desilusão que a música irradia é em relação à política.

Quem já passou dos 25, lembra bem: Collor apareceu na campanha presidencial de 1989 como um Salvador da Pátria, prometendo liquidar o “tigre da inflação com uma só bala” e iniciar uma “caça aos marajás”. Seu concorrente era o matalúrgico Lula – esquerdista, despreparado e inculto. Os debates foram verdadeiros massacres. Collor ganhou as primeiras eleições diretas para a presidência do país em 30 anos.

Sua primeira medida foi confiscar contas correntes e poupanças, levando ao desespero milhões de pessoas que dependiam do dinheiro para saldar compromissos. Muitos empresários foram à falência, outros tantos suicidaram-se. A hiperinflação não foi contida e o país mergulhou numa profunda recessão.

Em 1992, depois de mais um plano fracassado para deter a inflação, surgiram as primeiras denúncias de corrupção, associando o então presidente a acusações de “Caixa 2” e outras maracutaias promovidas por P. C. Farias, tesoureiro da campanha de Collor. Foi instaurada uma CPI que culminou na sua renúncia, em dezembro de 1992, para escapar ao processo de impeachment. A manobra não deu certo e Collor foi declarado inelegível pelos oito anos subseqüentes.

Renato Russo tinha a qualidade de compor letras atemporais. Assim, Metal contra as Nuvens, embora se refira a um momento político determinado, é carregada de outros sentidos, possuindo a capacidade de produzir reações diversas em que escuta a música. Eu, por exemplo, embora conheça o real significado da letra há tempos, continuo associando-a à força que é necessária para seguir em frente quando as pessoas mais queridas dão as costas, traem, mentem, desaparecem. O bom poeta induz sentimentos e impressões além das meras palavras.

O que ninguém poderia prever, nem o próprio Renato, é que, catorze anos depois, Metal contra as Nuvens serviria sob medida para descrever outra realidade política, tão parecida à criada por Collor. Desta vez, o protagonista é Lula, aquele metalúrgico inculto e despreparado que, finalmente, foi capaz de conquistar a confiança de mais da metade dos eleitores brasileiros. Tudo para, depois, jogar essa confiança na lama, exatamente como Collor fez.

A história se repete, como um disco arranhado.

Notinhas

  • Quem duvida que o real significado de Metal contra as Nuvens seja político pode tirar a prova dos nove lendo a entrevista dada por Renato Russo em 1994 e publicada na Folha de São Paulo em 2001.
  • A letra e o áudio de Metal contra as Nuvens podem ser encontrados aqui.

Eu voltei…

Pois é, acho que nunca fiquei tanto tempo afastada do blog. Cinco dias úteis de folga, o que resultou em pouco acesso à web; milhares de coisas para pôr em dia; faxina nos armários e outras coisinhas assim mativeram-me longe. Mas estou voltando…

Últimas notícias:

– Junho continua sendo o melhor mês do ano, na minha modesta opinião.

– A vodca e eu continuamos tendo uma relação de amor e ódio.

– Acabei O exército perdido de Cambises e comecei O Príncipe – preciso aprender a ser maquiavélica.

– Retomei a mania de ler mil coisas ao mesmo tempo e demorar um século para acabar uma mera revista.

– Ainda estou sem cd-player, e quase enlouquecendo com isso.

– As seis temporadas de Sex and the City estão passando uns dias lá em casa – Ricardo, meu querido, eu te amo!

– Últimos cds: Rita Ribeiro, Vanessa da Mata (o primeiro), Los Hermanos (o Ventura – e isso vai render um texto próprio mais tarde), Pega Vida (do Kid Abelha).

– Últimos filmes: Closer (duas vezes), Brilho eterno de uma mente sem lembranças (também duas vezes), O diário de Bridget Jones (preciso dizer?!), Ata-me (fantástico!), Jogos, trapaças e dois canos fumegantes (surpreendentemente, adorei esse filme!), Clube da Luta (um clássico do gênero) e provavelmente mais alguns que não me ocorrem agora.

– No cinema: uma pobreza. Só um filme nas últimas semanas, A pequena Lili. Recomendo, um ótimo filme sobre a alma humana e seus podres.

– Meu estoque de sopas não está resistindo ao frio siberiano desta cidade.

– Novo hobby: scrapbook.

– Louca pra mudar a cara deste blog, mas morrendo de preguiça.

E, aos poucos, voltaremos à nossa programação normal.

Vida musicada

Às vezes, era pura música. Tudo que a prendia à realidade eram os sons. Parecia-lhe que se desvanecia junto com cada acorde, renascendo no próximo, num movimento constante.

Música a envolvia, música a seduzia, música era a única forma de se aproximar dela. Tudo o mais restava inútil. Seus sentidos todos concentrados nos sons e alheios ao resto do mundo. Uma espécie autismo, uma compreensão limitada e, por outro lado, tão mais abrangente que a das pessoas ao seu redor.

Nessas horas, ou dias, tinha a sensação de não precisar de nada nem de ninguém. Pouco se lhe dava se dormia ou não, se havia comido ou se o telefone tocava. Importava-lhe somente os instrumentos e vozes que lhe chegavam como única ligação com a realidade. Eles a inebriavam como conhaque. Neles navegava, boiava, mergulhava, como em águas tranqüilas e mornas.

Sua maior vontade, seu desejo íntimo e não revelado, nessas águas sonoras, era mergulhar até as profundezas, soltando todo o ar no trajeto, para jamais voltar à tona.