Engenheiros do Hawaii

Vamos remar contra a corrente
desafinar do coro dos contentes
(Pose, Engenheiros do Hawaii)

Música mexe contigo?

Comigo, tremendamente. A música me traz cheiros, sabores, ambientes, pessoas, ausências, emoções.

Dia desses, conversando com um amigo, lembrei-me dos Engenheiros do Hawaii[bb]. Todo mundo sabe que sou apaixonada pela Legião Urbana[bb], mas a primeira banda de rock que ouvi conscientemente foi a Engenheiros. Digo “conscientemente” porque sabia quem estava cantando e conhecia as letras. Antes disso, apenas rock solto no tempo e no espaço – como a Blitz[bb], que eu ouvia quando tinha uns seis anos, e alguma música da Legião (“de quem é essa música?” ) ou do Cazuza[bb], que eu até curtia mas só escutava de vez em quando, no rádio.

Foi em 1990 que ouvi a manjada Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones e descobri a existência dos Engenheiros. Só em 1993, no entanto, tive meu primeiro cassete de rock. E adivinha de quem era? Engenheiros, claro. Eu tinha acabado de me mudar para uma cidade estranha e estava um bocado infeliz. Enquanto meus pais procuravam apartamento na nova cidade, eu passava horas e horas no hotel, grudada ao walkman. Caiu nas minhas mãos (creio que ganhei da minha mãe) aquele cassete azul e amarelo. Ouvia dia e noite, literalmente. No fim das contas, tinha aprendido a gostar até das músicas que detestei das primeiras vezes que ouvi. Parabólica foi a preferida imediatamente, seguida de Pose (Anos 90) e Pampa no walkman (simplesmente pelo título). Até quando você vai ficar? só se tornou querida anos depois, mas então eu já a conhecia de cor.

Depois ouvi O papa é pop inteiro (ordem inversa, sim) e veio a paixão por Pra ser sincero (uma das minhas canções preferidas até hoje) e A violência travestida faz seu trottoir. Por essa época, eu já conhecia Refrão de bolero (uma das minhas cinco prediletas tratando-se dos Engenheiros), Infinita Highway, Terra de Gigantes, Piano Bar (também entre as Top 5, provavelmente) e várias outras.

Não se ouvia rock nacional em casa quando eu era criança e até a pré-adolescência eu acreditava que não gostava de rock por ser “barulhento demais”. Foram os Engenheiros, decididamente, que mudaram essa minha opinião esquisita.

Dia desses (vá lá, já faz um ano), na casa de outro amigo, vi um devedê recente dos Engenheiros, mas não consegui gostar tanto. Talvez por ser uma banda completamente diferente agora.

Bem, cá estou eu, neste exato momento, ouvindo o tal cassete azul e amarelo e cantando junto do começo ao fim, mesmo as canções que não ouvia há anos e anos (quem ainda ouve fita cassete?), enquanto recordo o quarto do hotel, as primeiras impressões da cidade, os lanches da padaria ao lado, o cheiro de mar, a saudade dos amigos que haviam ficado para trás.

Música mexe contigo?

Globo de Ouro 2006

A pior parte do Globo de Ouro é que a maioria dos filmes ainda não estreou no Brasil. Fica complicado acompanhar e tecer comentários a respeito.

A parte mais interessante é que a premiação tende a ser um bom indicativo do Oscar, que acontece daqui a dois meses. Seguindo-se essa lógica, o grande premiado do Oscar 2006 será Brokeback Mountain (no Brasil será chamado de O Segredo de Brokeback Mountain[bb], com estréia prevista para 3 de fevereiro) O filme, que mostra o amor que surge entre dois cowboys, é dirigido por Ang Lee (Razão e Sensibilidade, O Tigre e o Dragão, O Incrível Hulk) e na noite de ontem levou os melhores prêmios: melhor filme de drama, melhor diretor e melhor roteiro. Abocanhou também o Globo de Ouro de melhor música (A Love That Will Never Grow Old, do argentino Gustavo Santaolalla).

O brasileiro Fernando Meirelles (Cidade de Deus[bb]) concorreu como melhor diretor de filme de drama por O Jardineiro Fiel, e a película também foi indicada como melhor filme de drama. Rachel Weisz concorreu como melhor atriz coadjuvante e ganhou, o que deve projetar bastante o nome do filme e valorizar seu diretor. A única dúvida é se ela interpretou mesmo uma personagem coadjuvante – na verdade, o filme todo gira em torno de Rachel.

George Clooney, charmoso como sempre, ganhou o prêmio de melhor ator coadjuvante por Syriana, uma história sobre a indústria do petróleo norte-americana, declaradamente anti-Bush (previsão de estréia no Brasil: 10 de fevereiro).

Felicity Huffman ganhou o Globo de melhor atriz em filme de drama por Transamerica[bb], em que interpreta um transsexual. Ao lado das premiações dadas a Brokeback Mountain, o fato levou Rubens Ewald Filho – que comentou o evento no SBT – a exclamar: “Gente, é um Globo de Ouro gay!”.

Os Produtores, que teve passagem meteórica pelas salas brasileiras, concorreu nas categorias de melhor filme musical/comédia, melhor ator em filme musical/comédia (Nathan Lane), melhor ator coadjuvante (Will Ferrell), melhor canção (There is Nothing Like a Show on Broadway). Apesar de ser um ótimo filme, não levou nenhum prêmio.

O prêmio Cecil B. DeMille, concedido pelo conjunto da obra, coube a Anthony Hopkins que, indicado seis vezes ao Globo de Ouro, nunca havia levado um para casa.

Hugh Laurie ganhou o globo de melhor ator em série dramática pelo médico rabugento que interpreta em House[bb], excelente seriado transmitido pelo Universal Channel.

O quarteto protagonista de Will & Grace[bb] apresentou um dos prêmios da noite. A série está em sua última temporada nos Estados Unidos e não concorreu em nenhuma categoria este ano.

Veja a lista de todos os ganhadores do Globo de Ouro 2006.

Atualização: texto publicado originalmente em 17 de janeiro de 2006, um dia após a premiação, e perdido devido à esquizofrenia do WordPress 2.0. Ei-lo novamente, graças ao sempre leal WordPress 1.5.2.

Não me abandone jamais

A indicação foi feita pela Mônica Waldvogel, no programa Saia Justa. A Sra. Monte, que tem uma memória muito melhor que a minha, guardou o nome do livro, pesquisou e me deu de presente de Papai Noel. Já foi devidamente devorado.

Não me abandone jamais é de Kazuo Ishiguro. Um livro tocante e profundamente melancólico. Chocante em alguns momentos, pela naturalidade com que aborda situações tão dramáticas, a escrita de Ishiguro é fluida e envolvente.

Não dá pra comentar muito mais sobre o livro sem revelar alguns detalhes. Pessoalmente, prefiro ir ao cinema ou iniciar uma leitura sem ter a menor idéia do que vem pela frente. É por isso que não vou discorrer sobre Não me abandone jamais e aconselho que você não procure resenhas os sinopses. Vá a uma livraria, compre e, se possível, nem leia a orelha. Deixe-se absorver pela história. Assuste-se e emocione-se, como eu.

Ishiguro nasceu em Nagasaki, em 1954, e mudou-se com os pais para a Inglaterra em 1960. É dele o premiado Os resíduos do dia, que foi transformado em filme cujo título, em português, é Vestígios do dia.

A vida é cheia de som e fúria

“As pessoas mais afetivamente infelizes que eu conheço
são as que mais gostam de música pop.”
(Rob Fleming)

Tem gente que, aos domingos antes do almoço, zapeia pela televisão. Outras pessoas lêem o jornal. Eu, como não tenho tv a cabo e detesto jornal impresso (por razões pessoais e frescas), surfo pela internet por uma hora, mais ou menos, entre acordar (lá pelo meio-dia) e sair para o almoço. Às vezes leio blogs, às vezes fico à toa, às vezes procuro o que fazer à noite.

E, procurando o que fazer, descobri ontem uma peça fantástica, em cartaz no CCBB de Brasília. A vida é cheia de som e fúria é baseada no livro Alta Fidelidade, de Nick Hornby, um dos meus favoritos. O livro já rendeu até filme, mas a montagem teatral é anterior à cinematográfica e, em alguns aspectos, ainda melhor.

O filme, de 2000, conta com John Cusack no papel de Rob Gordon, um sujeito que acaba de ser chutado pela namorada e, como uma forma de aliviar sua dor, resolve fazer uma lista dos cinco maiores foras. Gordon tem 35 anos, é dono de uma loja de discos, tem amigos esquisitos, não sabe o que quer da vida e é fissurado em música pop. Tem mania de fazer listas no estilo “5 mais” (Top 5) sobre todo e qualquer assunto.

A versão do cinema consegue ser bem fiel ao livro que é, realmente, fantástico. Sem dúvida, o filme está no meu “Top 5” de filmes favoritos – e sim, eu também tenho a mania dos Top 5. Não é à toa que tenho uma categoria com esse nome aqui no blog que, aliás, chamava-se “Alta Fidelidade”. Como quase ninguém entendia a referência, mudei o nome da categoria.

John Cusack é fantástico e dá vida a Rob Gordon – que, no livro, tem o sobrenome Fleming – brilhantemente. O filme só peca em dois pontos: passa-se nos Estados Unidos – a história original situa-se em Londres – e, talvez justamente por isso, não é fiel às referências musicais presentes na história de Nick Hornby, quase todas inglesas. O diretor Stephen Frears preferiu desenvolver uma trilha sonora nova, ao invés de aproveitar a fantástica trilha sugerida pelo livro.

A peça corrige essas diferenças: Rob Fleming (o nome do protagonista é respeitado) é londrino e a trilha sonora é toda tirada do livro – e melhor que a do filme, na modesta opinião de quem conhece muito pouco de pop internacional. Comparações entre John Cusack e Guilherme Weber são inevitáveis, mas duram apenas os primeiros cinco minutos. Weber é excelente ator, com um carisma incrível e interpreta fantasticamente Fleming. O livro é em primeira pessoa e assim também é a peça. Weber passa quase três horas em cena, sem deixar cair o ritmo. O elenco todo, aliás, está impecável, em atuações ágeis e cheias de personalidade.

O título da peça é uma alusão (também presente no livro de Hornby) a Macbeth, de William Shakespeare:

A vida é só uma sombra; um mau ator
que grita e se debate pelo palco,
depois é esquecido; é uma história
que conta o idiota, toda som e fúria
sem querer dizer nada.

A cenografia é inovadora, fazendo uso de um telão à frente dos atores, em que são projetados trechos de clipes e de algumas letras mencionadas, além, é claro, das listas de Fleming. O cenário por trás dos personagens representa vários dos ambientes da história e a criatividade dos atores ilustra outras tantas situações.

A vida é cheia de som e fúria é uma adaptação fidelíssima do romance que retrata toda uma geração, perdida em meio da milhares de canções pop, sem saber a que veio, solitária em meio às multidões das metrópoles e sempre em busca de amores e amigos.

Uma montagem que está, definitivamente, entre as minhas cinco favoritas de todos os tempos.

A vida é cheia de som e fúria

  • CCBB Brasília
  • De 13 a 23 de outubro
  • De quarta-feira a domingo, às 20h
  • Ingressos: R$ 15 (inteira) e R$ 7,50 (meia)
  • SCES Trecho 2 Conjunto 22 – Brasília-DF
  • Informações: (61) 3310- 7087
  • Montagem da Sutil Companhia de Teatro.

Para mais informações sobre a peça e a relação dos diversos prêmios que recebeu, visite o link da Companhia.