O Fim de Cada Amor

Coração na AreiaDa primeira vez que um grande amor termina, você tem absoluta certeza de que vai morrer. Tudo que entende é que a sua vida acabou ali, no segundo em que ele deu as costas. Não há mais futuro. Supondo-se vagamente que não morra, uma coisa é inegável: você nunca mais será amada novamente.

Da segunda vez que um grande amor termina – o quê?, como assim, “segunda vez”? Pois é. Acontece que você estava errada. Você continuou a viver e, veja só que coisa, foi amada novamente – e correspondeu! Pois então: da segunda vez em que termina um grande amor, você jura que será a última – isto é, na hipótese de sobreviver (mas o fato é que, dada a primeira experiência, você começa a achar que também não será dessa vez que morrerá). Encarnando Scarlett O’Hara, você seca as lágrimas, olha para o céu, ergue os punhos e brada: “Nunca mais amarei novamente!”.

Da terceira vez que um grande amor termina, você sofre como se fosse a primeira. Encolhe-se na cama, encharca o travesseiro e soluça até dormir, finalmente. Pergunta-se o que fez de errado e imagina mil conversas e alternativas que teriam evitado o fim desse amor que parecia eterno. Só que, a essa altura, você sabe que vai passar. Sim, novas cicatrizes surgirão. O medo de outro tombo aumentará, inevitavelmente. Mas você sabe que a vida continua e que, um dia, estará pronta para amar de novo.

Então, torcerá para que seja a última vez.

(Escrito em 9.9.2011.)

Imagem: joegus74, royalty free.

Seja Breve

Quando você me deixar, não dê explicações. Não use frases feitas. Não diga que o problema é você, não eu. Não fale que gosta de mim como amiga. Não me venha com aquele papo de pessoa-certa-na-hora-errada. Não coloque a culpa no trabalho, nos estudos, na falta de tempo. Sobretudo, não coloque a culpa em mim.

Quando você me deixar, não use desculpas, porque não passam disso: palavras vazias e convenientes. Já estive em seu lugar, já as utilizei e bem sei que são todas mentiras.

Quando você me deixar, não retome velhas brigas, não reviva ressentimentos, não reabra as feridas.

Quando você me deixar, não me beije, não me abrace. Não me lance seu olhar de piedade. Não tente me consolar. Diga somente que está me deixando – diga com todas as letras, porque precisarei ouvir. Depois, cale-se e vá embora.

Quando você me deixar, em nome dos nossos bons momentos, tenha clemência: seja breve.

(Escrito em 07 de setembro de 2011.)

Solidão Viciante

A solidão, dizem, é uma tristeza, um desamparo, um pedaço que falta. Em alguns caso, é um vício. Não como o vício em cocaína ou álcool. Está mais para o vício em cigarro. Você sabe que deveria parar, que talvez, quem sabe, no futuro isso pode ser prejudicial. No momento, porém, é tão prazeroso que você não quer parar. Até poderia, conseguiria, mas não quer.

Claro, todos os vícios trazem efeitos colaterais.

Você se torna dependente. Agarra-se àquilo como a uma tábua de salvação. A mera perspectiva de ficar sem o objeto do vício traz angústia. O fumante não precisa estar 24 horas por dia com um cigarro na boca; mas precisa tê-lo por perto, ao alcance da mão. O adicto em solição pode sair com amigos, ter uma turma, festejar, badalar. Só precisa saber-se só.

É necessário que chegue numa casa silenciosa, abra a geladeira sabendo o que há dentro, aviste a cama exatamente como a deixou. É preciso que o chinelo esteja no meio da sala, a roupa do dia anterior espalhada no sofá, o computador desligado, a louça na pia. É absolutamente imprescindível que cada coisa esteja como ele deixou antes de sair.

Mais fundamental ainda é que seu coração esteja como sempre esteve: desocupado. Não vazio, não. Apenas desocupado. Como um apartamento mobiliado, desses que são alugados por temporada mas nunca se tornam um lar.

Eventualmente, algum inquilino deseja prolongar a estada. Outro faz uma proposta de compra. O solitário não aceita. Sabe que dará um jeito de despejar o inquilino, ou cancelará o contrato de compra e venda no último minuto.

Um dos efeitos colaterais do vício em solidão é a eventual melancolia. De tempos em tempos, ela aflora e o solitário quer virar plural. Mas passa logo.

Volta e meia, o solitário é cobrado por quem absolutamente não entende o vício. “Mas você não quer casar? Ter família? Filhos?”. É como perguntar ao fumante: “mas você não quer viver mais?”

O vício é tão bom…

(Escrito no começo de 2008, provavelmente. Tenho o hábito de datar tudo que escrevo, mas passei batido aqui.)

O melhor livro sobre nada

O melhor livro sobre nada.
Recordar é viver.

Se você gostava da série Seinfeld, vai gostar deste livro. Sabe aquelas piadinhas que Jerry fazia no início e no fim de cada episódio, em cima de um palco? O Melhor Livro Sobre Nada é uma coletânea delas.

Na introdução, Jerry Seinfeld explica que começou a escrever as ideias engraçadas que lhe ocorriam por volta dos 15 anos de idade. O resto é história: aos vinte e poucos, já tinha uma boa carreira fazendo stand-up comedy nos bares de Nova Iorque e em 1990 criou com Larry David sua própria sitcom. O seriado teve oito temporadas formidáveis e inegavelmente faz parte da cultura pop.

O livro (lançado nos EUA em 1993, ainda durante a produção da sitcom) traz esquetes familiares aos fãs do seriado, como as teorias sobre shoppings, a redundância que é praticar exercícios físicos para ficar em forma (para praticar exercícios físicos) e minha passagem favorita: a busca pela caixa perfeita. Como tenho memória de peixinho dourado, não me arrisco a dizer que todas as piadas do texto apareceram na televisão, mas posso apostar que a maior parte delas está nos episódios.

Esse é, ao mesmo tempo, o mérito e o defeito d’O Melhor Livro Sobre Nada: mérito por alegrar os saudosistas, defeito (perdoável, mas o principal responsável pelas 3 estrelas que dei) por trazer mais do mesmo.

Vá lá, se você nunca viu Seinfeld ainda pode curtir o livro. São coisas independentes. O único problema é que, por alguma razão que desconheço, nem todos gostam do humor de Jerry Seinfeld e você corre o risco de comprá-lo e detestar da primeira à última linha. O que não é nenhum drama, já que todos nós corremos esse risco o tempo todo (prefiro esquecer as bombas que já li ao longo de duas décadas e meia).

Trechos

Mas o que eu ganho em troca de todo o dinheiro que pago em impostos? Não tenho filhos, não uso escolas públicas. Não uso a polícia ou as prisões. Nunca chamei as Forças Armadas. Basicamente, uso o correio e a lista branca nas estradas. Ou seja, um terço da minha vida de trabalho em troca de selos e de dirigir em linha reta. (p. 97)

Há muitas coisas que você pode mostrar como prova de que os seres humanos não são inteligentes. Mas a minha prova favorita é que nós precisamos inventar o capacete. Pelo visto, o que estava acontecendo é que estávamos praticando uma porção de atividades que estavam quebrando as nossas cabeças. Decidimos não parar de fazer essas atividades e inventar um negócio para que pudéssemos continuar a gozar do nosso estilo de vida racha-crânios. O capacete. E nem isso funcionou, porque nem todo mundo usava o capacete, de modo que tivemos de inventar a lei do capacete obrigatório. O que é uma coisa ainda mais besta, porque é uma lei que visa proteger um cérebro cujo juízo é tão torto que nem tenta evitar que a cabeça onde ele está instalado se rache ao meio. (p. 105)

Minha ideia da sala de estar perfeita é a cabine de comando da Enterprise: poltrona grande, TV legal, controle remoto. Por isso, Star Trek é a fantasia de todo homem: voando pelo espaço na sua sala de estar, vendo televisão. (p. 131)

Meus pais tinham duas discussões constantes no carro: a que velocidade meu pai estava indo e quanta gasolina tinha no tanque. Meu pai tinha uma defesa padrão para qualquer acusação: “É porque você está olhando o mostrador de lado. Se você estivesse aqui, ia ver. De onde você está sentada, parece que estou a 120 por hora com o tanque vazio, mas daqui dá pra ver que estou a 80 com o tanque cheio”. (p. 149)

A morte é a última mudança da sua vida. O carro fúnebre é um caminhão de mudanças, os caras que carregam o caixão são seus amigos íntimos, os únicos a quem você pediria que ajudassem numa grande mudança como essa. E o caixão é aquela caixa grande e perfeita que você estava procurando a vida toda. O único problema é que, quando você a encontra, você está dentro dela. (p. 158)

Ficha

  • Título original: The Best Book About Nothing
  • Autor: Jerry Seinfeld
  • Editora: Frente
  • Páginas: 158
  • Cotação: 3  estrelas
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