O filme Tropa de Elite estreou no Festival de Berlim na última segunda-feira sob aplausos mornos. Até aí, nenhuma novidade. Não se esperava uma recepção calorosa da platéia alemã e, sem dúvida, a dobradinha legenda em alemão + tradução simultânea não ajudou.
A Variety, famosa revista norte-americana de entretenimento, aproveitou a ocasião para fazer uma resenha sobre o filme. Eis alguns trechos (a matéria completa está no site da Variety, em inglês):
O filme celebra policiais psicopatas e ridiculariza qualquer tentativa de ativismo social, ou mesmo de emoção. Acusações de facismo por críticos do filme não são meramente reações tolas de liberais, mas a inafastável constatação de um fato.
[Capitão Nascimento] explica como funciona o sistema: policiais convencionais são fáceis de levar, assistentes sociais são ingênuos e inúteis e garotos ricos que fumam maconha são tão maus quanto os traficantes. Enquanto policiais sobem a favela para tomar o arrego, membros no BOPE sobem para matar sem perguntar. Afinal, é o que essa escória merece, não é mesmo?
As interpretações são apropriadamente intensas mas, como o filme, carecem de nuances. A câmera de Lula Carvalho nunca pára de sacudir (…) Uma filmagem mais calma teria criado um resultado mais suave, embora Tropa de Elite não seja exatamente candidato ao prêmio de sutileza.
Espanta-me que o crítico Jay Weissberg exija sutileza ou suavidade num filme baseado na realidade cotidiana de uma cidade em estado de guerra civil. Talvez Weissberg esteja encharcado da água-com-açúcar típica dos filmes italianos que o conduziram ao posto de crítico da Variety. Talvez precise de um pouco do cinema norte-americano inspirado nas guerras desenvolvidas pelos Estados Unidos para ter alguma noção do que se passa nos morros cariocas.
Por outro lado, não me admira que Weissberg atribua um caráter fascista a Tropa de Elite. Claro, indiretamente, o filme brasileiro é uma lição para as classes privilegiadas norte-americanas (como foi para as nossas), largamente consumidora de maconha e cocaína. A classe artística dos Estados Unidos, então, povoa as páginas policiais e de fofocas de revistas e jornais mundo afora, graças ao seu amor por drogas ilícitas.
Para um jornalista confortavemente instalado numa sala distante, em uma cidade situada a milhares de quilômetros das favelas cariocas deve ser mesmo difícil entender a relação entre consumo e tráfico. Ninguém deve ter dito a ele que os “garotos ricos” que ele menciona com condescendência são o combustível de uma enorme indústria criminosa.
Suponho que ninguém explicou a Weissberg que o “ativismo social”, as passeatas pela paz e as ONGs demagógicas são controlados e fomentados pelas mesmas pessoas que, no fim de semana, fumam um baseado e perpetuam o ciclo de violência. Isso para não mencionar os milhões de reais que descem pelos ralos das ONGs todos os anos, sem qualquer prestação de contas, e que seriam muito melhor empregados no aparelhamento das polícias.
Em alguns trecho da crítica, até parece que o repórter viu outro filme. Ou, quem sabe, tenha saído da sala de exibição nos momentos em que as atitudes do Capitão Nascimento são criticadas por seus pares, ou em cenas de intensa comoção, como o discurso contra a polícia protagonizado por estudantes do curso de Direito. Em momento algum o filme faz apologia da tortura empregada pelo protagonista ou elogia seu comportamento brutal. Esses elogios partiram espontaneamente de uma sociedade cansada de impunidade e enojada diante de tanta violência e corrupção.
Talvez Weissberg devesse fazer um estágio cobrindo os morros cariocas. Ou, possivelmente, devesse ler um pouco do que acontece no Brasil e estudar mais a fundo o problema das drogas e do tráfico. Assim, quem sabe ele compreenderia melhor a história contada por Tropa de Elite, que de fascista não tem nada. Estudar História, aliás, faria bem aos que insistem no uso desse termo histórico. O fascismo pregava a absorção total do indivíduo pelo Estado, a abolição de qualquer liberdade ou direito civil; os policiais que lutam contra o tráfico arriscam suas vidas para, justamente, dar um pouco de segurança aos indivíduos que formam a sociedade civil; lutam uma guerra para evitar que traficantes se tornem o Estado nas favelas e, conseqüentemente, no asfalto. É o tráfico, não a polícia, que visa ao controle da sociedade.
O senhor é um moleque, senhor Weissberg. Pede pra sair. Ou, como traduziram no Festival de Berlim: “You’re a punk, ask to quit”.
P.S.: nada justifica os comentários ofensivos deixados por uma turba de brasileiros ignorantes no site da revista. Brasileiros já são detestados internet afora por agirem como gafanhotos, vandalizando o caminho por onde passam, lançando mão de insultos como se isso lhes conferissem alguma credibilidade. Quer discordar da crítica de Weissberg? Faça-o com elegância.
P.S. 2: siga o link para ler minha resenha sobre Tropa de Elite.