Quando eu tinha 12 anos, Axl Rose e Tom Cruise estavam na moda. Minhas colegas suspiravam por eles, sabiam as letras do Guns de cor, tinham pôsteres do Tom Cruise no quarto. Eu gostava de Top Gun e reconhecia uma música do Guns (Patience). E só. Não eram meus ídolos. Aos 12 anos, eu não tinha ídolos e, francamente, não entendia as obsessões das minhas colegas (ok, tive uma quedinha pelos New Kids on the Block um ano antes, mas não durou nem três meses e, certamente, não se comparava à idolatria das minhas amigas).
Aí, conheci Star Trek.
Era uma noite qualquer durante a semana e resolvi ir pra sala ver o que estava passando na tv (naquele tempo, crianças, famílias de classe média tinham apenas uma tv em casa). Minha mãe estava assistindo um seriado qualquer e, na aventura do dia, uma tripulação de nave estelar tentava salvar adolescentes que estavam morrendo de uma doença misteriosa que provocava feridas azuis. Sempre gostei de seriados, sempre gostei de ficção científica, então foi natural começar a prestar atenção. No fim do episódio, eu já estava fisgada.
Depois de mais alguns episódios, passei a entender as obsessões das minhas amigas. Só que, em vez de sonhar com atores de cinema ou de suspirar por cantores pop, eu estava obcecada por uma série cancelada há mais de duas décadas.
Não demorou muito para que eu tivesse um pôster de Star Trek no quarto (e depois outro, e mais outro). Star Trek se misturou indelevelmente à minha adolescência e à minha vida (não, não estou exagerando). E dentro daquele universo, destacava-se uma figura.
Spock.
Aquele alienígena sisudo de orelhas pontudas.
E por trás dele havia, obviamente, um ator.
Leonard Nimoy.
Meu primeiro ídolo.
Como toda fã que se preze, em pouco tempo eu sabia “tudo” sobre o personagem e o ator. E, como toda fã adolescente que se preze, eu queria ser como ele. “Ele”, aí, era uma salada entre ator e personagem, mas quem nunca? Que adolescente conseguia perceber que o Axl dos palcos era um personagem, como são todos os artistas? Então.
Fato é que meus cadernos da escola eram lotados de desenhos do emblema da Enterprise, da própria nave, da saudação vulcana e do rosto de Nimoy. Fato é que enchia o saco de muita gente com a minha obsessão (oi, Márcia) e, pra dizer a verdade, me sentia um pouco mais normal por causa disso, um pouco mais enturmada, por paradoxal que fosse (porque ninguém na minha turma sequer sabia o que era Jornada nas Estrelas). É legal gostar muito de alguma coisa. É legal admirar profundamente a arte de alguém.
Ontem, ao registrar a morte de Nimoy, alguns insistiam em dizer que ele não fez só o Spock na vida. Acreditem, a gente sabe. Todo trekker sabe. Leonard Nimoy interpretou outros ótimos papéis (como na série Fringe), publicou vários livros de poesia, enveredou pela música (desculpa) (mas ainda assim é melhor que as incursões do Shatner na área) e dirigiu alguns filmes, inclusive dois filmes de Star Trek e o clássico dos anos 80 Três Solterões e um Bebê. Destacou-se brilhantemente na fotografia, com trabalhos cheios de sensibilidade e beleza, como o The Full Body Project.
Mas é inegável que Spock era parte significativa de Nimoy, e por razões que transcendem a fama. Nas suas próprias palavras:
Eu não sou Spock.
Mas, dada a escolha, se eu tivesse que ser outra pessoa, eu seria Spock. Se alguém dissesse “Você pode ser qualquer outro personagem de tv que já existiu”, eu escolheria Spock. Eu gosto dele. Eu o admiro. Eu o respeito.
Se alguém tivesse uma varinha mágica para fazê-lo desaparecer para sempre, eu não permitiria. Eu escolheria mantê-lo vivo. Não tenho realmente essa escolha. Ele estará por aqui de qualquer forma. Mas se eu tivesse a escolha, eu o manteria vivo. Ele representa algo que me faz sentir bem. Dignidade, honestidade e muito mais. E qualquer parte disso que recaia em mim me faz sentir bem.
Obrigada, Nimoy, por ter dado vida a Spock, por ter feito dele um personagem tão rico, cheio de nuances e profundamente humano. Obrigada por ter encarnado um personagem admirável, e por ser igualmente admirável na vida real. Obrigada por ter inspirado tanta gente, de tantas formas, no decorrer de uma vida que, sem dúvida, foi longa e próspera. Obrigada por ter sido meu primeiro ídolo.
Muito, muito bom post…
Eu tbm sou um grande fã de Star Trek.Adorei o post!!!
Sigo a não entender o que houve com meus comentários – solidários com os seus e a eles meramente complementares. Pena não ter o privilégio de poder ser aceito num blog elegante como o seu.
Luiz Fernando Stamile Racco
Cáspite, fui aceito! Posso reescrever o que fora remetido?
Grato, congratulações!
Luiz Fernando Stamile Racco
Bom, não vou me estender. Fui admirador ferrenho de um grupo de rock (Queen, mas entre 73 e 76; depois disso, bem, nem tão fã). Isso me alçou a outro grupos, à música clássica e ao aprendizado da música clássica no violão (em sentido lato: ars antiqua, ars nova, dando um pulo, barroca, clássica em sentido estrito etc. etc.).
Eu assistia, quando bem garoto, nos anos hippies, à série Star Trek. Adorava aquelas beldades de minissaias, mas falando com classe gélida, instigante, mas viperina. Ora, nesses instantes é que o Dr. Spock se destacava: tranquilo, sereno e sábio. Não posso dizer que ele foi meu ídolo. Mas nutria pelo Leonard/Spock uma espécie de respeito reverencial: se eu quisesse ver as belas, deveria ouvir o sábio, de alguma forma, ainda que seu agir não guardasse pertinência temática com os “brotos”. Leonard/Spock povoou o imaginário, sim senhoras e senhores, racional daqueles que assistiam à bela série. Havia bom-senso, decência (sem moralismo) e serenidade em seu comportamento. Pensando bem, posso ter sido, sim, fã desse cara, assim como, antagonicamente, fui fã do mau-caráter do Dr. Smith, da série que você, Luciana, não viu, possivelmente: Perdidos no Espaço, cujos monstros falavam inglês e usavam roupas “assustadoras” compradas na Casa da Borracha.
Felicidades, obrigado pela atenção.